— Como foi? - perguntou a mãe de Lucca assim que ele colocou os pés em casa.

— Foi... - Lucca lembrou daquela pessoa esquisita no treinamento - Olha... acho que nem foi...

A mãe de Lucca riu.

Eles comeram um jantar a base de batatas assadas recheadas e peixe e depois Lucca foi dormir.

O primeiro dia tinha sido o treinamento de força, treinos de luta e espada, Lucca tinha se saído muito bem.

No segundo dia era o treinamento de velocidade, que incluía treinar para utilizar as botas voadoras do EAA e aprender a controlar a nave AA, mas esse ultimo só seria mais tarde e hoje Lucca estava brigando com uma bota voadora.

As botas voadoras eram trecos roxos esquisitos enormes e Lucca lutava para enfiar uma como o tenente Maurice tinha ensinado.

Uma vez de botas, todos se alinharam em fila. Maurice iria ligar as botas dos novatos um a um e depois explica-los brevemente como controla-las.

Na vez de Claire ela olhou para Lucca e sorriu, ele desviou o olhar para o estacionamento de aeronaves e viu o homem esquisito do dia anterior sorrindo para ele, ele desviou o rosto, dessa vez olhando para o chão.

Claire conseguiu voar melhor do que 90% das pessoas até então.

A pessoa antes de Lucca era a menina esquisita do auditório e, quando o tenente ligou as botas dela, ela saiu voando descontroladamente até bater com a cabeça em uma grade. Algumas outras pessoas já tinham feito esta façanha, mas ela foi a mais engraçada.

Assim que o tenente Maurice ligou as botas de Lucca, ele explicou que elas eram controladas como patins, bastava deslizar no ar, mas se não começasse na hora certa, iria acabar com a cabeça na parede.

Ele ligou as botas... e Lucca saiu voando em linha reta para cima até dar com a cabeça no campo de proteção, que na área do EAA era mais baixo que no resto da cidade, para aumentar sua eficiência. Assim que ele conseguiu pousar, Claire veio correndo em sua direção.

— Você está bem? - ela tocou a mão dele gentilmente.

Ele afastou a mão.

— Sim! - ele saiu de perto dela.

Lucca olhou para o céu onde algumas aeronaves voavam deixando trilhas de fumaça. Quando ele olhou para cima, uma das aeronaves começou a se movimentar de forma estranha e de repente havia um grande "HÁ HÁ!!!" escrito no céu além da barreira.

???Mas o quê???— pensou Lucca. Um segundo depois ele lembrou que o esquisito do dia anterior estava na área das aeronaves mais cedo... - Aquele idiota!!!

No terceiro dia era o treinamento de agilidade. No dia anterior, o tenente Maurice disse que seria outra pessoa a acompanha-los nesse treino.

O grupo de novatos esperava o instrutor na sala indicada, uma sala cheia de tatames estirados pelo chão, quando de repente, um homem muito esquisito entrou na sala. Lucca imediatamente se lembrou de uma foto que sua mãe, que era o que as pessoas de antigamente chamavam de arqueóloga, tinha achado nos escombros do velho mundo, uma foto de um homem coberto com as cores verde, amarelo e vermelho em listras, com cabelos compridos enrolados de um jeito estranho e com uma assinatura que dizia "Bob Marley", o instrutor era a cara dele.

— Eu sou o cabo Bob - não, não era possível... até o mesmo nome?

Lucca segurou uma risadinha.

— Eu vou ensinar a vocês o segredo da antiga arte do Yoga!

O cabo Bob sentou-se em um tatame e orientou os recrutas fizessem o mesmo, depois ele fez uma série de poses esquisitas e pediu que eles o imitassem.

Claire também teve relativa facilidade nesse treinamento, Lucca não. Ele se torceu de todo tipo de jeito esquisito, mas nenhum jeito certo.

Depois de cinco horas desse treinamento terrível, o tenente Maurice apareceu para resgatar os novatos.

— Você já torturou eles demais por hoje. - disse a Bob.

Maurice os levou para outro prédio, esse parecia um grande galpão de treinamento. O tenente apertou um botão na parede e raios laser surgiram por toda sala, formando linhas retas entre si.

— Passem por esse campo de raios sem toca-los! Se encostarem neles, vocês vão se queimar!

Lucca passou pelos raios sem dificuldades, isso era bem mais fácil que os exercícios malucos do cabo Bob.

No final do treinamento, Lucca viu Claire coberta de marcas vermelhas... pelo jeito ela não tinha se saído bem com os raios.

No quarto dia de treinamento, eles foram para uma sala que parecia uma sala de aula onde passaram cinco horas ouvindo coisas que Lucca tinha achado insuportavelmente chatas sobre os aliens, depois tiveram uma aula teórica sobre técnicas de luta.

Lucca já tinha estudado luta o suficiente sozinho, mas prestou atenção em tudo mesmo assim.

No quinto dia de treinamento o tenente Maurice anunciou que eles iriam treinar trabalho em grupo. Lucca não gostou nem um pouco da ideia já que ele odiava ter que contar com outra pessoa além de si mesmo.

Claire veio até Lucca com o seu sorrisinho bobo de sempre.

— Lucca, você poderia fazer o treinamento comigo, né?

De jeito nenhum!— pensou ele, Lucca não gostava muito de Claire e a ideia de fazer o que quer que fosse o treinamento com ela o deixava enjoado.

— N- não acho que seja uma boa ideia...

— Mas se não fizer comigo você vai ficar sozinho...

Melhor assim!

Lucca olhou ao redor e viu que eles eram mesmo as únicas pessoas que ainda não tinham dupla... então não tinha jeito...

— Tudo bem! - disse ele, derrotado. Claire sorriu.

O tenente Maurice explicou o que iriam fazer:

— É bem simples, vamos começar com um exercício de confiança. Basicamente, um de vocês vai se atirar pra trás com os olhos fechados e o outro vai pegá-lo, nada muito difícil!

Lucca olhou para Claire. Ele não se atiraria em cima dela nem que sua vida dependesse disso.

— Humm... - disse ela - Eu sou mais leve... então eu me atiro pra trás, eu acho...

Lucca assentiu.

Claire fechou os olhos, sorriu e disse:

— Não me deixe cair, hein!

Lucca estava tentado a fazer isso mesmo, mas provavelmente não era uma boa ideia.

Claire se atirou pra trás e Lucca a pegou, ela era leve e foi fácil para ele segura-la.

Depois que todas as duplas já haviam realizado a tarefa, a maioria sem grandes problemas, o tenente Maurice indicou que deveriam inverter a situação, quem antes tinha se atirado agora deveria segurar e vice-versa.

Lucca olhou para Claire que já estava com os braços esticados. Ele mexeu com a cabeça para os lados.

— De jeito nenhum! - ele disse a ela.

— Por quê? Eu não vou te deixar cair.

Maurice viu que algo estava errado e se aproximou da dupla.

— Problemas? - perguntou ele.

— Lucca não confia em mim - disse Claire.

— É claro que não. - disse Lucca friamente - Eu não confio em ninguém além de mim mesmo.

— Bom... - disse o tenente - Se quiser ficar no exército, você vai ter que aprender a confiar.

— Eu entrei no exército para matar aliens, não para brincar de amiguinho.

— Pois vai ter que aprender a brincar, senhor "não faço trabalho em grupo". Se não quiser fazer o treinamento, considere-se dispensado por hoje.

— Muito obrigado! - Lucca respondeu com sarcasmo, indo em direção ao portão, e deixando um tenente bem irritado e uma Claire preocupada olhando para suas costas.

— Até parece que eu vou confiar em alguém! - resmungou Lucca, enquanto descontava sua raiva em um saco de pancadas.

Era fim de semana, então não tinha treinamento para os recrutas, mas os portões da sede estavam abertos para caso algum novato quisesse treinar por conta própria, e era isso que Lucca estava fazendo.

— Eu só acho que a teoria de descontar a raiva no saco de pancadas não inclui falar com ele. - disse uma voz provocativa vinda de trás.

Lucca se virou e viu aquele mesmo homem esquisito do primeiro dia de treinamento. Ele pensou por um segundo e depois deu um golpe no ar com a perna, fazendo o seu pé parar a um centímetro do nariz do desconhecido.

O homem baixou o pé de Lucca.

— Isso não quer dizer que precise descontar sua raiva em mim. Qual é o problema afinal?

Lucca deu as costas para o homem e voltou a bater no saco de pancadas.

— Não é da sua conta!

— Sempre tão amigável! Humm... deixa eu ver... tem alguma coisa a ver com  aquela menina que fica cercando você? - o homem deixou escapar uma risada irônica.

Lucca parou de bater no saco de pancadas e finalmente olhou para o homem, rindo.

— Claire? Não... humm, bem, mais ou menos... ela é muito chata, mas não é como se ela fosse O problema, mas ela é um problema.

— E qual é O problema?

— Por que isso seria da sua conta? – repetiu Lucca.

— Não sei... Acho que eu sou melhor ouvinte do que um saco de pancadas.

Lucca suspirou.

— Trabalho em grupo...

— Hum?

— Esse é o problema, eu odeio ter que contar com os outros. - Lucca riu - Isso é tudo uma besteira... por que eu deveria ter que trabalhar em grupo no exército?

O homem sentou em um banquinho que estava por ali, cruzou as pernas e sorriu para Lucca de um jeito meio bobo.

— Na verdade não precisa trabalhar em grupo... eu também trabalho melhor sozinho, mas você não pode tratar todos ao seu redor como lixo, tem que jogar o jogo deles.

— Eu não... trato as pessoas como lixo... acho...

— Trata! Talvez não intencionalmente, mas você tem um ar de "eu sou superior ao resto do mundo", e isso incomoda as pessoas.

Lucca sorriu.

— Mas eu sou mesmo. Como é que você sabe tanto sobre mim a propósito?

— Segredinho! - ele riu como uma criança escondendo um doce- Ah, e você ainda não sabe meu nome, né? Pode me chamar de Sis.

— Que espécie de nome é esse?

— Apelido!

— Humm... – resmungou Lucca desinteressado.

Sis levantou do banquinho em que estava sentado e abraçou Lucca. Lucca nunca teria deixado alguém abraça-lo, mas ele tinha sido pego de surpresa.

— Eu tenho que ir... boa sorte no seu treinamento! Nos vemos outra hora, meu Luquinha! – provocou ele, saboreando cada palavra.

Lucca começou a se debater nos braços de Sis, querendo se libertar. Sis o soltou só para depois puxa-lo pela mão e lhe dar um beijo na testa.

Depois ele saiu correndo e rindo como uma criancinha, deixando para trás um Lucca muito vermelho.