O Condutor de Elefantes escrita por Marylin C


Capítulo 1
Capítulo Único




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Aladdin sorriu para si mesmo, segurando-se na corda e se movendo como um pêndulo na direção que queria que o enorme elefante fêmea fosse, o vento seco do deserto bagunçando seus cabelos castanhos queimados de sol. Estava pendurado a quase vinte metros do chão tão arenoso quanto venenoso, podendo ver de longe as silhuetas das pessoas que começavam a movimentar-se exasperadamente para seguir o elefante. O rapaz chegou ao lado que queria, sentando-se sobre as enormes costas do elefante mais baixo que seguia a mãe e enrolando boa parte da corda em seu braço.

— É um belo dia, Abbu. — comentou para o filhote nem tão pequeno, acariciando a cabeça do animal e tendo seu cabelo ainda mais despenteado pela tromba de Abbu. Olhou para cima, registrando o céu azul e as janelas reluzentes das casas sobre as costas da mãe elefante, de nome Sarafira assim como a vila que se erguia em suas costas. Aladdin ajeitou o capuz cor de areia sobre sua cabeça, cobrindo o rosto moreno o melhor que pôde. A última coisa de que precisava eram graves queimaduras de sol.

— Você ainda se meterá em problemas por ser tão amigo desse animal, Al. — comentou a garota de cabelos flamejantes que se sentava sobre um dos dentes de marfim da elefanta logo ao lado de Abbu e enrolava a longa corda que conduzia o animal em sua cintura.

— Eu sei, Shanti. — ele sorriu de lado, dando de ombros em um gesto de quem já estava resignado. — Mas não vejo como alguém tão tranquilo como o Abbu pode ficar violento a ponto de ter que ser expulso da manada.

— Você sabe como as coisas funcionam por aqui. Fêmeas ficam, machos caem fora. — Shanti olhou-o, as sobrancelhas erguidas — Eu nem deveria estar te dizendo isso, você está aqui há mais tempo que eu. Mais parece um novato, se apegando desse modo ao elefante.

Aladdin apenas deu de ombros novamente antes de se esticar nas costas do filhote, despreocupadamente deitando-se e fazendo sua amiga assumir uma expressão negativa antes de questioná-la:

— Quando será a Cerimônia de Seleção mesmo? Já não há mais nomes na lista de espera. Não podemos nos dar ao luxo de ficar sem um condutor que seja.

— Semana que vem. Ouvi alguém comentar quando subi a Dipali para receber as orientações do dia. — Shanti respondeu, acariciando o início da tromba da elefante fêmea que lhe era sua designada. — Os De Cima devem começar a se movimentar para irem ao castelo hoje ou amanhã.

— Semana que vem? — Aladdin sentou-se novamente, subitamente nervoso. —Tem certeza?

— Estou te contando o que eu ouvi. — ela revirou os olhos, para então notar o nervosismo do rapaz — Aquele plano que fizeram... Você sabe dele, não é? — ao ver o amigo assentir com a cabeça, olhou-o incerta — Você não vai estragá-lo só para salvar aquele que povoa os seus pensamentos, não é?

— N-não, é claro que não. — ele corou levemente. — Acredito na ascensão dos De Baixo tanto quanto qualquer um. Não é nem um pouco justo que nós sejamos deixados para caminhar na areia envenenada, enquanto os De Cima vivem tranquilamente. — deu de ombros, mas olhou para cima, na direção da cidade Sarafira, com uma expressão angustiada no rosto moreno. — Mas eu não posso deixá-lo morrer.

— Você precisa escolher definitivamente de que lado está, Al. — Shanti afirmou, séria. — Você brinca de príncipe De Cima, mas ainda é somente um condutor De Baixo. Vai morrer envenenado pelo contato com a areia a qualquer momento, como todos nós. Não é só porque passou dos vinte que é imortal.

Aladdin suspirou, levantando-se. Não conseguiria achar uma resposta para aquilo, como em todas as vezes que os dois amigos tinham discutido esse mesmo tópico. 

— Vou subir. Toma conta da direção que a Sarafira vai tomar, por favor? — pediu, desenrolando a corda que controlava sua elefante de seu braço e entregando uma ponta a Shanti. Ela lançou-lhe um olhar desaprovador antes de concordar com um suspiro resignado.

— Mande lembranças minhas ao J. — comentou, ao que Aladdin assentiu antes de habilmente saltar das costas de Abbu para o dente de marfim de Sarafira, escalando o espaço entre os olhos dela para chegar à cidade.

Ele, mesmo que subisse para receber ordens todas as manhãs e noites, não deixava de se perguntar como era possível existirem casarões e torres sobre as largas costas de Sarafira e nenhum movimento derrubá-las. Magia, supôs enquanto caminhava pela rua principal, onde os comerciantes faziam seus negócios e senhoras de vestidos esvoaçantes passeavam. Uma corrente constante de vento tornava o calor suportável ali em cima, que Aladdin mais uma vez supôs ser trabalho da mágica. Até mesmo esta favorecia os ricos.

O rapaz ignorou os olhares de asco e de estranheza que os transeuntes lhe dirigiam, virando à esquerda numa padaria e indo até o Salão do Prefeito, um estabelecimento pintado de azul que estava sempre aberto. Aquele era o único lugar para onde um condutor de elefantes deveria ir na cidade De Cima, já que era o próprio prefeito quem lhe dava as ordens e coordenadas, mas isso não o impediu de, logo ao adentrar no salão vazio, desviar-se e pular a janela para se esconder nas sombras e ir na direção que realmente queria.

Andou por uma rua lateral que possuía apenas os fundos das casas nobres, tintura branca, alaranjada e amarela contrastando com o chão cinzento de pele de elefante. As plantas presentes consistiam em pequenos canteiros e hortas dentro de vasos retangulares e alongados, o que não ajudava Aladdin a se esconder. Não deveria estar ali, mas não conseguira evitar percorrer aquele caminho pelos últimos três anos.

Finalmente chegou a um casarão cuja tinta amarela já estava gasta pelo tempo. Contou três janelas para a esquerda e utilizou-se do muro baixo que cercava a casa para habilmente saltar e dependurar-se na sacada, usando os braços para erguer-se e encostar na cerca. Não importava há quanto tempo fizesse aquilo, seu coração nunca deixaria de acelerar nos segundos de espera entre a batida que dava na janela e um sorridente rapaz de cabelos presos puxá-lo para dentro, prensando-o contra a parede para beijá-lo. “Senti sua falta,” aquele beijo dizia.

— Bom dia, J. — sussurrou Aladdin, sorrindo de prazer enquanto tinha seu pescoço explorado pelos lábios do herdeiro daquele casarão.

— Bom dia, Ali. — J. respondeu ao olhá-lo nos olhos, uma mão embrenhando-se pelos cabelos beijados pelo sol enquanto a outra descia pelas costas do condutor de elefantes. Este sorriu, usando os dedos de uma mão para libertar os cabelos negros como a noite enquanto a outra atrevidamente passeava pelo tórax do outro. J. novamente encontrou os lábios de Ali, em um beijo profundo e carregado de significados. “Por favor, fique mais um pouco.” “Ficaria aqui para sempre, se pudesse.”

Entre eles, nunca se necessitava de palavras. Quando se amava alguém De Baixo, tempo perdido com cordialidades se tornava arrependimento anos depois.

***

Aladdin ergueu-se na cama, olhando preocupado para a porta. Ouvira o som de passos no corredor.

— Você tem certeza de que essa porta está trancada, não é? — voltou-se para o rapaz de pele clara que deitava-se ao lado dele, um dos braços atrás da cabeça e os cabelos negros espalhados pelos travesseiros. J. sorriu, revirando os olhos para a preocupação do dono de seu coração.

— Eu sempre tranco a porta, Ali. — utilizou-se da outra mão para puxar o rapaz moreno para junto de si, os dois encaixando-se um no outro em uma posição confortável. J. delicadamente plantou um beijo no nariz de Aladdin, que sorriu junto com ele. “Confie em mim.” — Sabe, eu tenho ouvido algumas histórias recentemente...

— Sobre o que são essas histórias?

— Sobre as ilhas do sul. Dizem que lá chove o ano inteiro e que dragões habitam seus mares, mares esses que acolhem e cuidam dos desesperados e doentes de amor. — J. respondeu.

— É quase impossível de se acreditar nisso. — Ali disse, rindo levemente.

— Mas eu ainda nem cheguei na parte quase impossível de se acreditar ainda. — o outro suspirou, olhando para o teto com um sorriso sonhador. — Dizem que, em algumas dessas ilhas, pessoas como nós podem viver em paz. Sem se esconder, mentir ou se envergonhar de quem são.

— Seria como viver um sonho. — Aladdin comentou, hesitando ao sinal dos motivos que o tinham trazido até ali em primeiro lugar se manifestarem de dentro do lugar em que ele os trancara. Pensou rápido e então sorriu, a solução para seu problema um sonho tão impossível quanto as ilhas que seu amado acabara de contar. Bem, eles eram feitos de impossíveis. — Mas talvez possamos...

J. sentou-se bruscamente, o peito nu exposto e um sorriso tão incerto quanto animado.

— O que tem em mente, Ali?

O condutor de elefantes também sentou-se, segurando as mãos do rapaz à sua frente enquanto uma pequena parte de sua mente tentava focar no plano recém criado e não se perder na visão despenteada e maravilhosa que sorria para ele.

— E se... E se nós fôssemos para uma dessas ilhas?

—Juntos, você quer dizer? Como? Moraríamos lá para sempre? E se... — Ali interrompeu J. e seus questionamentos com um beijo intenso, “Por favor, me deixe explicar”, para depois responder:

— Sim, juntos. A Cerimônia de Seleção será semana que vem, certo? — o outro assentiu — Todos estarão no castelo. Posso... — e seu sorriso esmoreceu, dando lugar a uma expressão entre o pânico e a tristeza de quem perdeu as últimas esperanças.

—Ali? O que foi? — J. indagou, levando uma mão até o rosto do rapaz de cabelos queimados pelo sol à sua frente.

— Eu... Não posso abandonar o Abbu.

— Mas você precisará mandá-lo embora um dia, não lembra? Ele...

— Ele não é nem ficará violento, J.! — Aladdin exclamou, subitamente levantando-se da cama e começando a recolher suas roupas, espalhadas pelo chão do quarto, com uma pressa enfurecida. O rapaz de cabelos negros foi atrás dele, puxando-o pelo braço para poder olhá-lo nos olhos:

—Ali, o quê…? —e então reparou no desespero presente no olhar castanho do condutor de elefantes, milésimos de segundo antes deles soltar seu braço da mão de J. e se vestir com rapidez, mordendo o lábio inferior enquanto se esforçava para manter os próprios sentimentos dentro de si.

— E-eu tenho que ir. — murmurou, terminando de por o capuz que o protegia do sol e se virando para a janela.

— Ali, espera! Me des- — Aladdin virou-se, fazendo o rapaz De Cima parar de falar ao ver que desespero e a mágoa não tinham sido mero fruto de sua imaginação. A figura desnuda e confusa de J., com seus cabelos longos negros despenteados e a boca entreaberta com as palavras engolidas, fez Ali voltar-se e beijar aqueles lábios com sofreguidão. Um último beijo, pela última vez. “Eu te amo, mas preciso ir."

J. passou alguns segundos em pé encarando a janela aberta, chocado demais e triste demais para sequer pensar em se mover. Aos poucos, seus joelhos cederam e ele caiu sentado no chão, despido tanto de corpo quanto de alma. Não conseguia chorar, apenas olhava desesperançado para a janela, o coração partido em milhares de pedaços e o gosto daquele último beijo ainda em sua boca.

Depois do que pareceram horas, ele despertou de seu estado ao ouvir um xingamento alto vindo do corredor. Levantou-se e, ainda desnorteado, tratou de recolher suas roupas espalhadas pelo quarto. Sua alma doeu ao relembrar o movimento que retirara cada peça.

— Senhor! — a mesma voz que xingara anteriormente chamou, batendo na porta trancada — Seu pai pede que o senhor comece a fazer as malas para irmos até Alisha. Sabe o quanto o rei detesta atrasos, especialmente para este festival no castelo.

J. destrancou a porta, olhando para o secretário de seu pai e torcendo o próprio rosto em um sorriso falso.

— Certo. Veja se pede a Omar para trazer os baús de viagem, sim? — pediu, ao que o homem pequeno assentiu e seguiu pelo corredor, mancando um pouco com o pé direito. O rapaz assumiu que aquele machucado era a razão do xingamento anterior, e voltou a fechar a porta. Estava apenas parcialmente vestido, a camisa azul de algodão perdida em algum lugar fora de vista. Tirou do armário outra camisa, sem paciência ou vontade de procurar a que usava antes e, já vestido, voltou a deitar-se sobre a cama. O cheiro do dono de seu coração impregnava travesseiros e lençóis, e J. encolheu-se e imergiu em lembranças, sentindo-se mais sozinho que nunca.

***

A dor excruciante tomava-o enquanto ele corria. Sua visão começava a escurecer o mundo girava, tudo envolto no vermelho do sangue que jorrava do lugar onde seu antebraço deveria estar. Tinha perdido-o em algum momento de fuga ao tentar defender o rapaz que naquele momento o puxava pelo braço bom e o guiava pela cidade coberta de fumaça e pânico. J. tentou fixar o olhar na nuca morena de Aladdin, que corria exasperadamente pela cidade nas costas de Alisha na tentativa quase desesperada de salvar o dono de seu coração de uma morte terrível. A revolução dos De Baixo começara.

De repente, J. não sentiu mais o chão sob seus pés. Eles estavam suspensos no ar, saltando para fora da elefanta e então caindo nas costas de Abbu. Sãos e salvos, porém permanentemente exilados de tudo o que conheciam.

— Seu braço... — Aladdin falou vagamente, rasgando a manga de sua cabeça para estancar o sangue o melhor que conseguiu. A cor e a vida pareceram voltar aos olhos de J. depois que o mesmo fez um aceno trêmulo na direção do curativo improvisado, deitando-se e suspirando profundamente enquanto tentava raciocinar.

— Você... Você sabia que isso ia acontecer, não é Ali? — indagou, sua voz isenta de acusação ou julgamento. Ele parecia apenas... Cansado.

— S-sim. — Ali sentou-se ao lado do rapaz de cabelos negros, abraçando as próprias pernas enquanto tentava não encarar a cidade em chamas que já ficara para trás. Abbu parecia saber que sua melhor chance era longe da manada. — Me desculpe. Por tudo.

— Tudo bem. — o rapaz deitado respondeu sinceramente, mesmo que seu Ali tivesse permitido a morte de todos os seus conhecidos, o levado direto ao inexplorado e lhe causado tanto dor física quanto o sofrimento de quem acredita que perdeu a quem ama. Mas não havia como não perdoá-lo.

Os dois caíram em um silêncio quase confortável, parados, à exceção do movimento que J. fez para repousar sua cabeça nas pernas agora estendidas de Aladdin, enquanto Abbu conduzia-os pelo deserto.

Esta história poderia ter terminado aqui. Todos se levantariam de suas poltronas e desligariam seus computadores perfeitamente satisfeitos, tendo pensamentos agradáveis de como os dois amantes chegariam à ilha onde poderiam viver em paz, o elefante conseguindo atravessar o mar ou mesmo voltando a integrar uma manada. Teria sido bastante prazeroso poder contar de como eles envelheceram juntos ou de como acolheram duas ou três crianças e um gato, reconheço. Mas... Eu estaria mentindo. Sinto muito.

Anoitecera no deserto. Aladdin tinha trazido uma mochila com alguns cobertores e mantimentos, e o casal utilizou-se dos grossos tecidos e do calor do corpo um do outro para permanecerem aquecidos. Sussurravam palavras sem sentido que pintavam imagens esplendorosas de lugares distantes ou inexistentes, tentando confortar um ao outro naquela noite sem luar. Trocaram alguns beijos e roubaram alguns toques, antes do pequeno infinito que tinham construído nas costas do elefante ruir com uma tosse.

— I-isso é... — J. arregalou os olhos para a mão do amado, que ele tinha levado à boca em um gesto automático de bom costume. — Sangue?

Ali sorriu tristemente, já começando a sentir seus pulmões queimando com o veneno que existia na areia e matava silenciosa e vagarosamente. Limpou a mão ensanguentada na camisa, afastando-se de J. e deixando-o sozinho enrolado nas cobertas. Levantou-se com dificuldade e foi até a cabeça de Abbu, abaixando-se e sussurrando em sua orelha:

— Sinta o coração dele e o leve onde ele desejar. Se cuide, certo?

— A-Ali... O que está acontecendo? — J. indagou, branco como papel. — Volte para as cobertas. Está frio.

Outra tosse. Dessa vez mais forte e acompanhada de outras, obrigando Aladdin a sentar-se e respirar rapidamente enquanto limpava o sangue na camisa de algodão novamente. Olhou para o rosto assustado daquele que amava, respirando fundo.

— Eu tenho vinte e dois anos. Sou um dos De... — arfou, a dor tomando conta de si. — De Baixo. Respirei a areia por metade da minha vida antes de ser Selecionado. Já vivi mais que... Mais que o que esperavam. — deu de ombros, tendo mais um ataque de tosse ensanguentada e fazendo J. correr para segurá-lo no colo. Lágrimas já enevoavam o olhar castanho do rapaz de cabelos negros.

— Ali... P-por favor, não vá...

— É i-inevitável, J. Você sabe disso. — Ali tocou-lhe o rosto, enxugando com o polegar a primeira lágrima que deixava os olhos de seu amado. — Você sabia disso quando nos conhecemos. N-nunca houve esperança... — e irrompeu em mais tosse, dessa vez deixando o sangue rubro escorrer por seu rosto queimado pelo sol.

— Eu tinha esperança, admito. — o rapaz com apenas um braço falou, em um sussurro sentido. — Mas, por favor, me chame pelo meu nome uma última vez.

— Jalil. — Ali saboreou a sonoridade do nome com um sorriso antes de tossir novamente. — Aquele que é reverenciado.

— Isso. — Jalil fechou os olhos, deixando as lágrimas caírem livremente naquele momento. Os dois haviam combinado de apenas usarem seus nomes de nascença em situações extremas. De paixão ou de dor, tanto fazia. — Obrigado, Aladdin. P-por tudo.

— Eu é que... Agradeço. — sussurrou, ainda sorrindo. Arfou e tossiu outra vez, contorcendo-se com a dor. Parecia que fogo ardia dentro de si, queimando-o de dentro para fora. — Jalil, eu sempre...

Mas ele não completou o pensamento, o sopro de vida deixando seu olhar e esvaindo-se noite adentro.

***

Seria leviano e descuidado dizer que a morte do amor de sua vida devastou o jovem Jalil.

Amaldiçoou deuses que nem sequer sabia se existiam. Fez uma tempestade se formar sobre si tamanha era a confusão de seus sentimentos e seu descontrole sobre a magia em suas veias. Gritou até perder a voz. E chorou, é claro. Até seu corpo não ter mais água o suficiente para produzir lágrimas, ele chorou.

Enquanto cremava o corpo do homem que amava com chamas que produzia com um esfregar de dedos, o jovem tentava concentrar-se apenas no fogo. Nas línguas amareladas que transformavam seu amor em cinzas, que não o trariam de volta. Ninguém poderia. Aladdin se fora e levara seu coração junto. Para sempre.

Abbu, o jovem elefante, parecia sentir o que Jalil sentia. Começou a andar mais rápido com suas pernas longuíssimas, emitindo sons de fúria e desespero equiparados aos gritos do rapaz em suas costas. Parecia correr cegamente pelo deserto, em luto enfurecido pela morte de seu amigo. Mas ele sabia para onde iria. Seguia à risca o último conselho, ouvindo a melodia do coração de Jalil e entendendo o que ele queria fazer.

Foi apenas quando viu o horizonte azul do mar foi que o rapaz de cabelos negros acordou de seu torpor. Utilizou-se de uma corda para descer do elefante, aproximando-se das ondas que subiam e desciam pela areia com uma curiosidade quase infantil. Carregava um pequeno embrulho com a mão que não fora decepada em uma luta, próximo ao seu coração como que para proteger o pequeno fardo.

Quando a água cristalina e fria acariciou os pés de Jalil, ele realmente entendeu o que seu coração ardia por fazer. Entrou na água, andando com uma coragem quase suicida mar adentro até ter o nível da água batendo em sua cintura. Abriu o embrulho e espalhou as cinzas de Aladdin quase que metodicamente, sem dizer palavra alguma. Então, quando estava prestes a fazer o caminho de volta, o mar o engoliu.

Uma onda furiosa como seu estado de espírito levou-o para o interior do oceano, e ele seguiu sem lutar. Algo lhe dizia que morrer no lugar onde estavam as cinzas daquele que amava seria justo. Mas ele não morreria naquele momento.

O mar levou-o até seu fundo, deitando-o sobre a areia subaquática e fazendo-o dormir. A fúria e o desespero em seu coração, juntamente com a dor de amor, fizeram o mar formar um leito especialmente produzido para ele. Não morto, mas adormecido. Os sentimentos que guardava dentro de si se acomodariam e se transformariam dentro de uma ou duas centenas de anos, formando um mal de intensidade assombrosa que ainda destruiria o que estava à sua volta. Mas o deixemos como está, as memórias do condutor de elefantes vivas em sua mente entorpecida, em seu sono contemplativo da vida inteira que podia ter sido e não fora.


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