O herdeiro da máfia escrita por TC Nagahama


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

ATENÇÃO:
As histórias do universo de A história de nós dois, como a própria, Eu te odeio, Invisível e todos os extras não são sequências.
Elas só dividem o mesmo universo, assim como Harry Potter e Animais Fantásticos.
Alguns detalhes podem ser vistos em outras histórias, porém com outro foco.
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Essa história é um extra de Eu te odeio, e é centrada no mafioso Tetsuo.
Contém spoiler de acontecimentos que ainda não apareceram em Eu te odeio.



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— Essa é a emergência? – Ryuu comentou contrariado ao olhar para a cama do irmão que estava ao seu lado.

Sentiu uma veia saltando em sua têmpora quando ouviu a risada nervosa do outro.

— Pelo menos não é mais um caso horroroso de gonorreia. – Ele brincou, passando uma das mãos pelo cabelo. Era claro seu nervosismo, apesar da piada forçada.

Balançou a cabeça. Seu irmão sempre fazia as maiores burrices, mas essa com certeza ganhava a medalha de ouro.

— O que pretende fazer? – perguntou por fim ao se sentar na única poltrona, que já tinha visto dias melhores.

Esmagou uma barata que saiu debaixo da poltrona com o pé direito. Aquele lugar era simplesmente nojento. Olhou para o bebê que ainda dormia inabalado pelo barulho.

— Por isso te liguei. – Ele se aproximou do bebê e o segurou com os braços bem esticados longe de si. Parecia estudá-lo. Olhava-o com o mesmo carinho que um aluno ao conhecer a rã que dissecaria na aula de ciências.

O bebê acordou resmungando, mas sorriu ao encará-lo. Bocejou e levou uma das mãos rechonchudas aos olhos, esfregando-os.

— Tó! – Ele tentou entregar o bebê ao irmão. – Você tem filho, você sabe o que fazer!

— Sai fora, baka! Devolve para a mãe.

— Não posso.

— E por que não?!

— Ela tá trabalhando. Tinha um cliente agora.

Ryuu só estreitou os olhos tentando entender. Eram quase onze horas da noite. Que mulher deixaria o filho com o pai naquele antro para ir atender a um cliente? Arregalou os olhos quando entendeu.

“Pelo menos não é mais um caso horroroso de gonorreia”, ele dissera. Não era porque era um bebê. O idiota tinha engravidado uma prostituta!

— Você só não é mais retardado por falta de espaço! – Ralhou com o outro, dando-lhe um cascudo, mas não muito forte, de modo que ele não derrubasse a criança. – Você não sabe nem se é seu.

— Parece comigo.

— E com qualquer pasteleiro chinês da avenida aqui do lado, baka.

O que era uma possibilidade enorme, já que nas proximidades haviam mais de dez pastelarias de chineses.

Ele viu o irmão suspirar e colocar a criança sentada na cama, que tentava comer o próprio pé e acabou rolando para trás. Era fofinho demais para ser seu filho.

— Você tem razão. Ela devia ter mais namorados por aí. – Concordou, torcendo o nariz.

— Namorados?

— É. Sei lá, devia ter alguém com frequência de quem também não cobrasse. – Explicou esperançoso. O irmão limitou-se a bater na testa.

Tetsuo suspirou e se jogou na cama, ao lado do bebê que não demorou a lhe dar tapinhas com sua mão babada.

Foram interrompidos por uma música que começou a tocar. Era YMCA do Village People.

— Moshi moshi. Kei-chan, meu amor. – Tetsuo se levantou rapidamente e começou a se afastar, de certo tentando ter um pouco de privacidade, o que era difícil naquele quarto pequeno.

Ryuu só observava como o outro parecia mudar da água para o vinho só ao ouvir a voz de seu odiado primo com cara de macaco. Ele parecia se derreter. Era de embrulhar o estômago.

— Pão?! E eu achando que sentiu minha falta, Kei-chin. – Ouviu-o resmungando e dando um chutinho no ar. – Levo amanhã. Acho que hoje não vou conseguir ir. – Viu-o afastando o telefone da orelha. – Oe. Que pergunta é essa? É claro que não estou aprontando nada!

Deu uma risada quando viu que o outro estava tomando uma comida de rabo por telefone.

— Não assustei ninguém hoje. Não, é claro que não matei ninguém. – Negou. – Só quem estava na lista, é claro. Ossos do ofício. – Corrigiu-se. – Eu preciso ir, Ryuu-chan tá me olhando estranho aqui, e isso o deixa com mais cara de maluco que o normal. Te vejo amanhã. Ja ne.

Desligou o telefone e um silêncio incômodo pairou no ar. Sabia que o irmão não aprovava qualquer relação entre ele e seu amado Kei-chan.

— A coisa parece estar ficando séria. – Ryuu comentou, enquanto pressionava levemente o nariz do bebê com o dedo e tirava.

O bebê tentava acompanhar a aproximação e acabava ficando vesgo e sacudia o rosto. Ryuu deu um sorriso de canto. Até que o bebê era fofo.

— As coisas estão caminhando, sabe como é. – Seu irmão desconversou, tentando não dar muitos detalhes.

— Vai contar para ele? – estava curioso. – Não é o tipo de coisa que dê para apagar.

— Até cogitei isso, mas ele é até bonitinho. – Falou e o irmão o olhou como se duvidasse que ele falasse sério, mas falou. Realmente tinha cogitado apagar aquela criaturinha inocente.

— Faça isso e em seguida vai você. Venho cobrar pessoalmente. – Ameaçou, e o outro riu.

— Eu podia deixá-lo num orfanato. Fiquei em um a minha infância inteira, e olha como deu tudo certo pra mim.

Ryuu massageou as têmporas. Seu irmão estava conseguindo lhe dar mais dor de cabeça do que de costume.

— Você já cogitou ser um bom pai? Ou só um pai? Não é tão difícil. É uma criança, não o Anticristo. 

— Mas e o meu Kei-chan? – ele choramingou infeliz.

— Ele não tem um filho também? Qual o problema? – resmungou. Era o que faltava ele ficar de conselheiro amoroso dos dois.

— Você tem razão, Ryuu-chan! Vou lá agora. Levo o bebê e explico tudo. Ele vai ver que não menti nem omiti nada e não haverá problemas entre nós. – Ele lhe respondeu, o que fez o outro perceber ali uma possibilidade que até então não tinha cogitado.

Se o seu odiável primo descobrisse por outros meios sobre a criança, que não Tetsuo, acreditaria que foi traído. A confiança daquele relacionamento que mal ou sequer começara estaria abalado, e ele não teria que ouvir ou ter contato com seu primo para o resto de sua vida. E uma vida sem ele parecia boa e tranquila.

— Talvez ele fique mesmo bravo. Você o traiu, não é mesmo?

Só precisava botar um pouco de pilha.

— Claro que não! Isso foi bem antes de eu ter qualquer coisa com ele.

— Mas e se ele não ver assim?! E se achar que você ainda tem algo com a mãe do bebê? Você não era gay antes dele.

E também acrescentar um pouco de terror.

— É mesmo. – Ele sentou-se na cama, desolado. – Eu não posso fazer isso com ele.

Tetsuo se lembrou do quão arrasado seu Kei-chan ficara quando descobriu a traição do diabo loiro, e não queria nunca fazer o mesmo.

— Então fique na sua, por enquanto. Resolva tudo com relação ao bebê, faça uma rotina ou algo assim e quando as coisas estiverem realmente firmes entre vocês, você conta. É melhor assim.

— Mas e se ele perceber? Ele desconfia até da sombra! Ele vai perceber.

— Não vai, não. Vai por mim.

E pra fechar, um conselho errado. Logo, qualquer coisa que pudesse surgir entre aqueles dois seria dizimada antes mesmo de tomar forma. Finalmente seu irmão ficaria livre e bem longe daquela presença maligna do cara de macaco.

Sentiu vontade de jogar a cabeça para trás e dar uma risada de vilão de desenho animado, mas limitou-se a fazer uma cara de tédio e se despediu com ameaças de muita dor, caso ele lhe incomodasse de novo com aquele assunto.

Tetsuo acabou passando a noite acordado, pensando em como proceder. Quando Shirley – a mãe do bebê – voltou do trabalho, os dois combinaram uma rotina para cuidar da criança. Ele ficaria com a parte da noite e ela do dia. Assim ambos poderiam trabalhar livremente.

Não poderia ser assim tão difícil. E também não seria algo para sempre. Só até o que quer que tivessem ficasse mais estável. Mas como saberia isso? Havia alguma regra?

Estavam próximos há meses, quase um ano se contar o tempo que o seguiu não tão de longe. Já haviam se beijado uma vez, e dormiam juntos. Isso era algo bom, não era?

Talvez se o dormir não fosse literal. Nunca houve qualquer tipo de intimidade, além disso, entre os dois.

Como saberia então?

— Isso não me parece tão fácil agora. – Resmungou ao estacionar na frente do sobrado de seu amado. Estava quase colocando a chave na fechadura quando se lembrou do pão. Esquecera a merda do pão!

— Dia de cão. – Praguejou e saiu em direção à padaria mais próxima.

Andava pela rua com as mãos no bolso e a cabeça baixa. Quem o olhava dificilmente diria que se tratava de um mafioso de trinte e tantos anos nas costas, mas sim de uma criança birrenta que fora obrigada pela mãe a ir buscar algo. Resmungava sozinho e arrastava os pés, numa clara má vontade.

Não foi surpresa que esbarrasse em alguém.

— Foi mal, ojisan. – Se desculpou erguendo o senhorzinho que quase derrubara. Arregalou os olhos e sorriu quando viu o que carregava.

— Acontece, filho. Acontece. – O senhor comentou e virou para ir embora, mas teve seu caminho barrado novamente pelo japonês.

— Me passa esses pães aí, ojisan.

— O quê?

— Eu falei me passa os pães. – Explicou enquanto tentava pegar a carteira no bolso do paletó.

O senhorzinho quase teve um infarto quando viu a arma no coldre, dentro de seu terno.

— Pode levar, filho. É todo seu. – Entregou os pães e saiu andando apressado.

— Não quer o dinheiro? – estranhou. Deu de ombros quando ele começou a correr. Esperava ter aquela disposição quando chegasse àquela idade.

Caminhou de volta ao sobrado e entrou com cuidado para não acordar seu amado, e foi até a cozinha deixar os pães.

Deu um grito nada másculo ao dar de cara com Keisuke, que estava sentado à mesa com olheiras enormes e bebericava uma caneca do que parecia ser café.

Os cabelos dele estavam bagunçados, ele estava pálido e extremamente cansado.

— Bom dia pra você também. – O dono da casa e de seu coração cumprimentou.

— Vejo que aproveitou bem seu sono de beleza. – Quis elogiar. Elogiar era bom, não era? Mas só fez o outro apertar os olhos.

— O que você aprontou? – perguntou ao se levantar da mesa e andar até o mais velho.

— N-nada, Kei-chan. Estava trabalhando, já disse. – Respondeu sem graça, suando frio.

Arrepiou-se quando sentiu o mais novo nas pontas dos pés tentando cheirar sua gola.

— Oe! – Reclamou, mas o mais novo continuou cheirando-o. Parecia mais do que desconfiado. – Virou cachorro agora, Kei-chan? Se quiser cheirar outras partes, é só avisar que vamos lá para cima. – Riu com uma expressão safada, e o outro se afastou como se tivesse sido queimado.

— Pervertido. – Xingou e pegou o saco de pães bruscamente da mão do outro e voltou para o seu lugar.

O mafioso o viu tirar com movimentos lentos um pedaço de pão, mergulhar no café e depois comer. Achou graça quando ouviu o gemido de felicidade do outro. Era difícil vê-lo comer algo com tanto gosto.

— Espero que tenha comido algo e não tenha ficado esperando pelo pão. – Falou e notou uma pequena hesitação no menor, que depois continuou a comer.

— Claro. – Não elaborou.

Tetsuo deu um meio sorriso. É claro que não tinha comido nada.

— Dormiu um pouco, pelo menos? – tentou sondar.

— Não. Fiquei com medo de perder a hora da escola do Lelê. Ele tinha um trabalho hoje.

E isso era bem possível. Quando Keisuke tomava seus remédios para dormir, o mundo poderia acabar que ele não escutaria.

— O que me diz de irmos deitar depois que você acabar aí? Não preguei os olhos essa noite e estou pregado.

— Pode ir se quiser. – continuou comendo.

— Mas eu durmo melhor com você por perto. – Afirmou, e era verdade mesmo. E também era bom que o outro visse que não era só algo que ele precisava também. Era mútuo.

Sorriu quando viu que o mais novo corara com o que ele dissera, mas não negara.

Esperou até que ele terminasse e subiram.

Enquanto Keisuke escovava os dentes, Tetsuo separou os comprimidos exatos que o mais novo tomaria e escondeu novamente o frasco antes que ele viesse. E assim que o viu entregou-os junto com um copo de água que pegara na moringa que ficava na cabeceira da cama.

Os dois se deitaram e em questão de minutos Keisuke estava apagado, mas o mafioso só conseguira pegar no sono um bom tempo depois quando o mais novo se virara e o abraçara enquanto dormia.

E assim se seguiram os dias seguintes.

Keisuke estava discutindo com o filho, que teimara em não tomar banho, quando ouviu a campainha.

— Você vai tomar banho e ponto final. – Tentava não se alterar ao ver o menino, que ainda vestia o uniforme da escola.

— Mas eu não preciso tomar banho.

A campainha tocou mais uma vez.

— São dez horas da noite, você ainda está de uniforme e teve educação física hoje. Eu consigo sentir seu cheiro daqui.

A campainha tornou a tocar.

O moreno bufou e foi atender.

Antes de começar a descer as escadas, ele parou.

— Isso ainda não acabou. – Avisou, e o filho fez uma careta quando ele se virou, e teve a infelicidade de ser pego em cheio quando ele pressentiu a malcriação. – Tá de castigo.

— Ah, não tô, não.

— Está sim. Eu sou seu pai e estou dizendo que você está de castigo.

A campainha tornou a tocar.

— Você não é meu pai. Você é minha mãe. Meu pai é o Tetsuo. – O menino retrucou, mas se arrependeu amargamente quando viu o pai parar e respirar fundo. Ele exalava uma aura negra que o fez tremer. Seus olhos faiscavam quando ele o encarou. – Deixa que eu abro. – Esquivou-se do pai e foi correndo para a porta. Quem quer que fosse do outro lado lhe salvaria.

Abriu a porta sem pestanejar e deu de cara com um homem mal encarado, todo vestido de preto.

— Você trabalha com o papai? – o menino perguntou curioso.

Antes que pudesse responder, Keisuke se aproximou e puxou o filho para trás, cobrindo-o com seu corpo.

— O Tetsuo não está. – Informou de pronto. Sabia que o primo não iria até lá para vê-lo.

— Eu sei. Vim te levar até ele. Vamos. – Deu as costas e saiu andando.

Depois de dar alguns passos e ver que não estava sendo seguido, ele parou.

— Não escutou? – perguntou com a voz calma, sem se virar.

— Eu não posso ir agora. Tenho que fazer meu filho tomar banho e se arrumar. Amanhã ele tem escola.

Ryuu respirou tão fundo que Keisuke ouvira da porta, e não pôde evitar dar um passo para trás quando ele veio em sua direção.

— Vai pro banho, moleque. – Mandou, fazendo o pequeno arregalar os olhos e correr escadaria acima, direto para o banheiro. – Eu espero. Não demore.

Keisuke o viu se jogar no sofá e ligar a televisão. Suspirou e fechou a porta. Mafiosos eram simplesmente espaçosos demais.

Subiu as escadas atrás do filho.

Meia hora depois, os dois desceram as escadas.

— Ele fica. – Ryuu decretou.

— De jeito nenhum. Isso é abandono de incapaz. Não posso deixar uma criança de nove anos sozinha em casa sem um responsável.

O mafioso deu um sorriso de canto e concordou. Talvez com a presença dele ali o choque seria até maior.

No caminho, o mais novo não se conteve ao ver que se aproximavam da parte mais barra pesada da cidade. Estavam literalmente entrando na zona de meretrício.

— O que viemos fazer aqui?

— Abrir os seus olhos.

— Olha, mãe. Aquela moça se esqueceu de colocar a saia. – O pequeno olhava pela janela interessado por aquele mundo bizarro e tão diferente do seu.

— Não olha pra fora. Isso não é coisa de criança. – Ralhou Keisuke, enquanto procurava o celular no bolso. – Pronto. Vai jogar alguma coisa.

— É aqui. – Parou o carro em frente a uma porta que tinha uma prostituta fazendo ponto.

— Você deve estar de brincadeira. Nem meu pai fez isso comigo. – disse Keisuke, se referindo ao fato do primo mais velho tê-lo levado a um prostíbulo.

O mafioso se limitou a fazer uma careta. Seu primo conseguia ser mais lerdo que seu irmão.

— Essa é a casa dele. Você sobe essa escada e vai chegar num corredor. É a terceira porta à esquerda.

— Ele mora aqui?! – perguntou chocado, e Ryuu finalmente sorriu abertamente. Estava adorando aquilo.

Quando ele pareceu indeciso, decidiu dar um empurrãozinho.

— Eu olho o moleque. Tem a minha palavra.

O mais novo pareceu convencido. Podiam não se dar bem, mas sua palavra valia alguma coisa.

Keisuke saiu do carro, apoiou sua bengala e encarou a porta.

— Procurando diversão, gracinha? – a prostituta lhe perguntara mecanicamente. Ela tinha um sorriso sedutor nos lábios, mas os olhos pareciam sem vida.

— Estou procurando um amigo. – Ele respondeu. – Tetsuo.

E foi como se uma transformação ocorresse naquele instante. Os olhos dela pareciam mais brilhantes e tinha um sorriso amigável no rosto.

— Se está procurando o Tesãozinho, ele mora na terceira à esquerda. – Ela informou e deu uma piscadela.

Ele fechou a cara quando ouviu o apelido ridículo e começou a subir.

Procurou não encostar em nada. Aquele lugar era horrível. Apertado, sujo e fedido. Tudo parecia encardido.

Quando chegou ao corredor, procurou não olhar para os lados, porque as pessoas não pareciam se importar em ter sua intimidade escancarada para qualquer um. Sentia o rosto queimar só de ouvir aquele barulho obsceno de pele contra pele e os gemidos que pareciam ecoar pelo corredor.

Seu sangue gelou ao parar na frente da porta indicada. A porta estava aberta, e lá dentro ele via Tetsuo.

Um Tetsuo acompanhado de uma morena alta e quase despida.

Sentiu o coração falhar ao vê-la se afastando dele. A cena parecia em câmera lenta.

— Bom serviço. – Ouviu o mafioso desejar à morena, antes que ela saísse.

Quando ele se virou em direção à porta, seus olhares se encontraram.

— Kei-chan! – Assustou-se quando viu o mais novo ali.

Soube que fez merda assim que viu a expressão magoada no rosto do outro antes que ele virasse para ir embora.

Matte! – Gritou e saiu correndo atrás dele. – Me deixa explicar. – Agarrou o braço do mais novo antes que ele fugisse.

— Boa sorte com a treta, Tezinho. – A morena disse debochada ao passar pelos dois e ver o mais novo enciumado.

— Não tá ajudando, Shirley. – O mafioso reclamou, e ela riu.

Keisuke puxou seu braço das garras do outro, emburrado.

— Que fofo. Ela tem até apelido para você. Por favor, não me deixe atrapalhar nada. Pode continuar seu casinho. – O mais novo reclamou em voz alta, atraindo atenção de algumas pessoas dos quartos adjacentes.

— Não é nada disso! – Tetsuo o segurou pelos ombros e forçou para dentro de seu quarto, e fechou a porta para que não fugisse.

— Abre essa porta agora, seu pervertido.

— Deixa eu me explicar.

— Explicar o quê? Eu vi você com ela. Você disse que estava trabalhando e estava aqui se esfregando com a Shirley. – Era claro o seu asco pelo veneno com o qual pronunciou o nome da moça.

— O nome dela é Caroline. Shirley é nome de guerra. – O mafioso explicou tranquilamente e viu que isso só o irritou mais ainda.

—Bom saber. – Sorriu forçadamente e tentou ir embora. – Sai do caminho, por favor.

— Não até conversarmos. – Pediu com calma e o mais novo só suspirou. – Como veio parar aqui?

— Pedi pro meu primo me trazer até você. Faz uns dias que você andava estranho e agora entendi o porquê. – Mentiu. Achou melhor não comentar que o primo que lhe trouxera ali. Era melhor evitar um confronto de mafiosos armados e irritados.

Tetsuo passou as mãos pelos cabelos, bagunçando-o.

— Não é isso que está pensando. Eu e ela não temos nada. – Confessou e o mais novo riu descrente.

— Claro. E é por isso que se encontram nesse muquifo às escondidas. – Resmungou, olhando em volta. O quarto conseguia ser pior que o corredor e a escadaria. Os tetos tinham umidade e o cheiro de mofo lá dentro era horrível.

— Eu moro aqui. – Tetsuo se ofendeu. O local nem lhe parecia tão horrível assim.

— Nesse lixo?! – Keisuke pôde até sentir uma coceira na pele só de pensar em passar algumas horas naquele local imundo, que dirá morar ali. – Por quê? Penintência? A Yakuza lhe paga tão pouco assim? É por isso que vai filar bóia lá em casa todo dia? – pensou em voz alta.

— Agora você está sendo cruel, Kei-chan. – Resmungou chateado. – Eu só me sinto em casa aqui. É parecido com onde eu morava lá no Nihon. – Comentou despreocupado.

— Não é à toa que é desse jeito. Olha onde cresceu. – O mais novo pensou consigo mesmo.

— Eu não tenho nada com ela, só fiz uma parceria momentânea para resolver um assunto. – Finalmente explicou e levou um relutante Keisuke até a cama. – Esse assunto. – Apontou.

Keisuke não pôde deixar de se aproximar quando o bolo de cobertas se mexeu, e quando viu já estava ajoelhado na cama. Puxou a coberta, revelando um bebê sorridente que riu. Ficou chocado quando o bebê puxou a coberta de novo e se escondeu, só para segundos depois se descobrir e tornar a rir. Estava brincando de “Cadê o bebê?” sozinho. Era tão fofo, e quando olhou nos seus olhos sentiu um carinho muito grande e uma sensação de que deveria protegê-lo a qualquer custo, por mais irracional que isso fosse.

— Entendeu agora? – o mafioso perguntou e tomou um susto quando o mais novo se levantou e lhe deu um empurrão.

— Você sequestrou uma criança, seu doente?! – estava irado. – E ainda deu pra uma prostituta cuidar?

— Claro que não. Ele é meu e da Shirley. Ela que o trouxe essa semana, eu nem sabia que ele existia antes. Nós só estamos nos revezando para cuidar dele. – Tentou acalmá-lo, obtendo o efeito oposto.

Se os olhos de Keisuke se arregalassem mais, eles pulariam para fora.

— Você tem um filho com aquela puta e não me contou nada?! Eu não acredito nisso! – Ele esbravejou, quase cuspindo as palavras em cima do mais velho.

— Quando você fala assim soa pior do que é, Kei-chan. Eu ia t... – Começou, mas fora interrompido.

— E olha esse lugar! Olha essa imundície! Como você tem coragem de trazer uma criança pra cá? Você nem sequer sabe cuidar de uma criança! Tudo que você bota a mão morre!

— Isso não é verdade.

— Olha ali a planta que o Lelê te deu. Está esturricada! – Ele apontou para o que o dia tinha sido uma plantinha feliz e agora jazia num vaso.

Tetsuo se sentiu mal por aquilo. Dolly tinha ficado feliz em lhe dar a plantinha de presente.

— Eu só me esqueci de dar água.

— É um cactos, seu idiota. Eles sobrevivem num deserto, mas morrem na sua mão!

— O que está fazendo? – perguntou quando viu o mais novo pegando o bebê no colo com todo cuidado.

— Salvando essa criança de ter o mesmo fim que a pobre planta. – Alfinetou, aninhando o bebê em seus braços. – Abre essa porta, seu irresponsável. – Ralhou com o mais velho que o obedeceu, apesar de não gostar da situação. – Leva isso. – Empurrou sua bengala para ele.

— Você não pode pegar meu filho e sair assim. – Falou fracamente e se encolheu quando viu o olhar assassino que seu Kei-chan lhe dera.

Reparou em como os braços do mais novo protegiam a criança enquanto a seguravam possessivamente. Era o mesmo olhar que lançara para a ex-esposa quando ela viera buscar a pequena Dolly, que não queria ir embora, depois de um fim de semana com o pai. Ninguém conseguiu tirar o menino dele, e agora o menino ficava durante a semana com seu amado e com a mãe nos fins de semana. Por isso, duvidava que alguém conseguisse lhe tirar o bebê tão cedo de seus braços.

— É capaz de você largar o bebê com uma vasilha de água e um jornalzinho para as necessidades. – O mais novo descia ralhando com o outro que o seguia.

— Eu nem tenho jornal, Kei-chan. – Ele tentava se defender.

— O que foi isso? – o pequeno perguntou do banco de trás, ao ouvirem os berros.

Ryuu não pôde evitar sorrir quando viu que seu plano funcionara e os dois estavam se pegando.

— Ele vai comigo e acabou, seu mentiroso irresponsável! – Viu seu primo voltar em direção ao carro. – Abre a porta de trás, por favor? – estranhou o pedido, mas acatou. – Vamos. – ele disse, ao fechar a porta na cara de seu irmão.

— Oi, pai! – Lelê cumprimentou o mafioso que tentava abrir a porta do carro, em vão. Ele parou um instante para acenar de volta.

— O que pensa que está fazendo? – Ryuu perguntou ao ver que ele tinha voltado possesso, mas com a criança no colo.

— Abre essa porta, Ryuu-chan! – Tetsuo esbravejava do lado de fora. – Vai deixar isso aqui? – Levantou a bengala.

Keisuke passou o bebê para o colo do filho, que sorriu ao ver o bebê, abriu o vidro e puxou a bengala para dentro do carro. Em seguida, fechou o vidro de novo.

— Você não queria que eu visse? Então, eu vi. – Respondeu de má vontade. – Vamos. – Ordenou novamente.

Ryuu só abriu o vidro do seu lado e fez um gesto de que depois falaria com Tetsuo, e seguiu. Viu seu irmão parado na rua, observando o carro ir embora sem se mexer.

— Deixa que eu seguro, filho. – Viu o primo pegando o bebê com todo cuidado e sorrindo. O bebê riu em resposta. Deu um gritinho e voltou a rir quando ele assoprou sua barriga.

— Ele vai ficar com a gente? – o pequeno lhe perguntou e Keisuke lhe olhou temeroso.

— Você se incomoda?

— Não, ele é fofo. – Ryuu acompanhava a conversa pelo retrovisor, embasbacado. A situação tomara um rumo um tanto quanto inesperado.

— Precisamos passar numa farmácia. – Avisou Keisuke, despreocupado.

— Não sou seu motorista.

— Você que começou tudo isso, agora se responsabilize. – Ele se limitou a responder, e o mafioso teve de engolir em seco. – Hikaru? É o Keisuke. Você ainda tem alguma roupinha do Johnny de quando ele tinha por volta de um ano que esteja limpa? – ouviu seu primo falar ao telefone após analisar o tamanho do bebê. – Pode separar umas cinco pra mim? Eu passo daqui a pouco pra pegar. – Revirou os olhos quando viu que teriam mais uma parada. – Explico quando chegar aí. Até.

Quando pararam na farmácia, torceu o nariz ao ter que ajudar a segurar o bebê para que o primo conseguisse sair do carro. Não falou nada quando viu que mesmo com a perna naquele estado, ele fazia questão de levar o bebê. E limitou-se a seguir pai e filho e passeavam pelos corredores, enchendo uma cesta com todas as coisas que o bebê precisaria.

— Paga. – Ele lhe disse.

— Está de brincadeira?! – Revoltou-se com a audácia do outro.

— Você me arrancou de casa e eu saí sem a carteira. – Explicou e deu de ombros.

Pagou a conta bufando de raiva. E ainda saiu carregando parte das sacolas.

Minutos depois chegaram à nova casa de sua priminha.

Ela estava sentada na pequena escadaria próxima à portaria, junto a uma sacola enorme cheia de roupas. E se aproximou assim que viu o carro.

— Vocês dois juntos? – ela estranhou quando viu o primo dirigindo. Cumprimentou-o e ao sobrinho. – O que está acontecendo, Kei-chan? – ela perguntou assim que ele abriu a porta de trás, revelando o bebê.

Ele passou a criança para o filho e saiu para conversar e buscar a sacola.

Estavam um pouco afastados e Ryuu não conseguia escutar o que ele falava, mas algumas coisas que sua prima falara, dava para escutar perfeitamente.

— Não acredito! Que cara de pau! Quer que eu fale com ele?

E por isso não era difícil adivinhar o restante do conteúdo da conversa dos dois.

— Até que ele é bonitinho. – Ela comentou, ao pegar o menino quando veio ajudar o irmão a carregar a sacola até o carro.

— É um fofinho.

Viu o irmão sorrindo ternamente para o bebê sem nem sombra da tristeza que minutos antes e não aguentou.

— Sabe que ele não é seu e que, cedo ou tarde, terá de devolvê-lo, não é? – quis se certificar, e Ryuu a olhou agradecido por ela conseguir falar o que ele precisava, mas com muito mais tato.

— Do que está falando? Esse bebê é meu. – Keisuke respondeu de pronto. – Você é o meu bebê, não é? É sim. – Falou para o bebê que sorriu e bateu palmas. Parecia concordar com ele.

Ryuu arregalou os olhos quando viu aquela cena. Já a tinha visto antes. Não exatamente do mesmo jeito, mas já tinha.

Estava num campo verde e florido, sentado numa toalha rendada e com alguns doces espalhados, e uma moça com cabelos cacheados e castanhos passava caminhando próxima, e ela brincava com um bebê. Era uma moça simples, e pelas roupas devia ser parte da criadagem.

— Você é o meu bebê, não é? É sim. – Ela falava, fazendo o bebê rir.

Ele a conhecia. Já a tinha visto antes. Várias vezes. A pele era clara, os cabelos diferentes, mas os olhos. Era Keisuke.

— É seu. – Se viu concordando em voz alta. – Era em outra vida e agora voltou para você. – Pensou abismado.  E Keisuke sorriu, um sorriso tão parecido quanto o daquela moça de tanto tempo atrás.

— Não prometo, mas tento passar lá amanhã. Me liga se precisa de algo. – Hikaru comentou e olhou de esguelha para o primo que estava estranho.

— Obrigado pela ajuda.

— Tchau, tia Hikaru.

Ela se despediu e eles foram embora.

Não demoraram a chegar. E mais uma vez, Ryuu teve que ajudar a levar tudo.

Quando desceu do quarto, viu o primo e seu filho no banheiro de baixo, dando banho de banheira no bebê. O bebê batia a mão na água e parecia se divertir.

Foi para a sala e assim que se sentou seu telefone tocou.

— Fala.

— Ryuu-chan! – Reconheceu a voz no mesmo instante.

— Estamos na casa dele já. Está tudo bem. – Tentou acalmá-lo.

— Não devia ter trazido ele aqui, mesmo ele pedindo! Olha a merda que deu!

Aquilo o surpreendeu. De onde ele tirara tal ideia?

— Como?

— Ele disse que pediu que você o trouxesse até mim. Você podia ao menos ter ligado e avisado que estavam a caminho. Como ele está?

Esticou a cabeça em direção ao banheiro.

— Ele deu um banho nele agora, e parece que está se divertindo. Seu filho ri pra todo mundo.

— Não o bebê, baka! Meu Kei-chan. Ele está muito triste?

— Não sei. Parece normal.

— Kuso! Deixa eu falar com ele.

Ryuu então se levantou e foi até o banheiro, onde o primo já secava o bebê no chão que tinha coberto de toalhas para improvisar um trocador.

— Telefone pra você. – Avisou. – É o Tetsuo.

Viu suas mãos hesitarem um segundo antes de continuar a colocar a fralda no bebê.

— Não quero falar com ele. – Foi a única coisa que respondeu, e continuou o que estava fazendo.

O primo se afastou quando percebeu que não conseguiria nada naquele momento.

— Ele não quer atender, ne? – seu irmão perguntou e parecia derrotado.

— Não. – Concordou e ouviu o irmão desligando.

— Traz as coisas pra mim, Lelê? – ouviu o primo pedindo ao filho, e os dois saindo do banheiro.

Keisuke levava o bebê, que usava um macacão com orelhas de urso um pouco grande demais e que caía e tampava seus olhos. Subia com cuidado por causa da perna, já que estava sem seu o apoio da bengala que normalmente usava. Seu filho vinha abarrotado de toalhas e das coisas do bebê.

— Precisa de ajuda? – viu-se perguntando.

Seu primo parou nas escadas e se virou surpreso. Não esperava que o mafioso ainda estivesse ali.

— Tudo sob controle. Pode ir, se quiser. Só bata a porta pra mim quando sair, que eu fecho assim que descer. – E tornou a subir.

Keisuke suspirou cansado quando viu os dois juntos dormindo.

Ele e o filho tinham tirado o colchão da cama se solteiro e colocado no chão, com medo de que o bebê caísse até que ele viesse buscá-lo para ir para o outro quarto. Agora os dois dormiam juntinhos, como se fizessem isso todos os dias.

Questionou-se se não estava extrapolando trazendo o menino assim. Afinal, ele não era seu. Não tinha qualquer documento. E ele ainda era fruto de uma possível traição.

Mas que traição se eles não tinham praticamente nada?

Trocaram um beijo e ele ouvira algumas juras de amor, mas quantas vezes já não ouvira isso para depois se decepcionar amargamente? Pelo menos dessa vez, terminara antes dele perder metade da sua vida num relacionamento destrutivo.

Ainda assim doía. Pessoas tinham a triste mania de brincar com os sentimentos dos outros.

E era isso que acontecera. Tetsuo o fez acreditar que poderiam ter uma chance juntos.

Sabia que nunca sentiria por ninguém o que sentia por Alê, que apesar de aprontar horrores tinha um lugar cativo em seu peito, mas acreditou que poderia ter algo novo.

 Algo mais saudável.

Gostava daquela rotina que tinham, daquele cuidado extremo do outro consigo. Gostava de como ele sempre estava lá, de como o fazia rir com suas idiotices e principalmente de como se sentia seguro, o que era até bizarro se ele considerasse que há pouco tempo, ele tinha tentado lhe matar o quase o aleijara. Mas o fato é que dentro desse pouco tempo Tetsuo se aproximara, com seu jeito estúpido e bocó, e provou inúmeras vezes e em diversas situações que era de confiança. Ele se tornou seu porto seguro e um grande amigo. Seu único amigo e depois algo mais. E agora descobria que ele era exatamente como o outro.

Isso deixava seu coração apertado, mas o bebê não tinha nada a ver com isso. E não o pegou por despeito. Foi por preocupação.

Não poderia deixá-lo naquele ambiente insalubre, sendo cuidado por dois desajustados. Sabe-se lá se estavam alimentando direito ou dando as vacinas devidas.

Só de ver os dois juntos ali dava pra ver como o bebê se encaixava naquele lugar.

Fechou a porta com cuidado e desceu para preparar uma mamadeira. Não duvidava que ele acordasse em pouco tempo com fome.

Travou na escada quando viu que o primo ainda estava na sala.

— Não vai embora? – não conseguiu evitar ser direto.

Ryuu apenas levantou uma sobrancelha.

— Está me mandando embora?

Não sabia o que responder sem ser grosseiro, já que era exatamente isso que estava fazendo. Foi aí que se lembrou da farmácia. Devia ser por isso que ainda estava lá.

— Já vou pegar o dinheiro. – Comentou e começou a procurar sua carteira pela sala.

— Não é preciso. – Seu primo negou, e ele apenas concordou. Não queria esticar assunto. – Precisamos conversar.

— Olha, as crianças estão lá em cima. Não quero confusão. – Avisou, se afastando ao máximo do primo. Lembrava muito bem do seu gênio ruim e de como o odiava gratuitamente.

— Só quero esclarecer algumas coisas. – Suspirou e respondeu calmamente, e o mais novo consentiu.

 Foram para a cozinha, e ele observou por alguns minutos enquanto Keisuke trabalhava.

Parecia cansado e mancava, mas não parou um minuto.

— Ele ia te contar tudo. Eu que disse para ele dar um tempo e botei terror pra poder te levar lá e vocês brigarem. – Confessou.

— Já imaginava. Você nunca gostou de mim, é natural que não quisesse seu irmão comigo.

— Não está bravo? – quis saber. Ele parecia tão calmo.

— Não, eu entendo. Muitas vezes não gosto de mim também. – respondeu, surpreendendo-o.

E aquilo lhe atingiu como um tiro. Não achava que o primo que sempre parecera tão arrogante sentisse algo assim.

— Não achei que traria a criança. – Admitiu quando um silêncio incômodo se instalou.

— Ele não tem culpa, e eu não podia deixá-lo lá. Aquele não é um lugar para uma criança.

— Então, não foi só uma tentativa para amarrar o pai da criança. – Alfinetou.

O mais novo largou a panela com leite quente na bancada da pia e o encarou no mesmo instante.

— Não sei que tipo de relacionamento acha que temos, mas somos só amigos. – Defendeu-se.

— Não é isso que ele comenta.

— Qualquer coisa, além disso, não vingou.

— Então não há nada entre vocês?

— Não há relacionamento se não há confiança.

Virou-se novamente para bancada, resumindo seu afazer.

Não percebeu o olhar perdido do primo ao ver que causara a morte prematura de algo que poderia render bons frutos.

Aquela pessoa ali na sua frente não era tão odiosa, pelo contrário.

Era amável e zelosa. Fizera o que ele não fez. Tirara a criança daquele lugar horrendo e cuidara como se fosse seu, sem esperar nada em troca.

Obviamente que isso não fazia dele a melhor pessoa do mundo, e apagasse todos os erros de sua vida, que por sinal eram muitos e se repetiam por várias encarnações. Mas ali havia qualidades que ele nunca enxergara, além de novas combinações.

E com novas combinações, talvez o passado não se repetisse. Novas combinações gerariam novas situações, que gerariam ações e reações inéditas e assim sucessivamente num efeito borboleta.

Talvez ele tivesse fodido com tudo. Ou só estava muito cansado. Aquele tinha sido um dia estranho.

— Vou ficar por aqui hoje. – comunicou ao outro, que deu de ombros.

Sabia que não adiantaria mandar um mafioso embora, eles nunca iam. Eram como vampiros. Uma vez que convidou para entrar, já era.

— Pode dormir no meu quarto, se quiser. Não acho que vá pregar o olho hoje. – Concedeu.

Nem a pau dormiria com aquele lunático sob o mesmo teto.

Ryuu subiu e se jogou na cama, de roupa e tudo. Só precisava descansar um pouco e ficar de prontidão.

Acordou um tempo depois batendo os dentes e puxou o edredom da ponta e se enrolou.

— Casa fria do caralho. – Praguejou e pegou no sono novamente.

Fazia tempo que não precisava utilizar-se de tais métodos para adentrar aquela residência. E ficou feliz de ainda conseguir escalar com facilidade.

Praguejou quando tropeçou na cadeira torta que ficava perto da janela do corredor. E seguiu para o quarto de seu amado.

O viu embrulhado no edredom, e não pensou duas vezes em se deitar e abraçá-lo.

Colou o rosto nos cabelos do outro e disse manhoso:

— Me perdoa?

— Eu espero que seja a sua arma que está me cutucando, do contrário você é um homem morto. – Ouviu seu irmão falando com aquela voz que prometia dor, muita dor,

Sentou-se como se tivesse levado um choque.

— O que faz aqui?!

— Eu que pergunto! Por onde entrou?

Mas Tetsuo não respondia, só fazia caretas. Até que começou a socá-lo.

— Então esse era seu plano? Me queimar para roubar o meu Kei-chan! Ele é meu! Entendeu?

— Do que está falando, seu retardado?

E os dois começaram a rolar pela cama, trocando socos e chutes.

Só pararam quando Keisuke acendeu a luz para ver o que se sucedia, e por um segundo os três se encararam.

— Vou fingir que não vi isso. – Falou ao pagar a luz e sair, deixando os dois para trás.

— Kei-chan! – Tetsuo tentou correr, mas acabou tropeçando no edredom.

Levantou o mais rápido que pôde e desandou a correr atrás do seu amado.

— Espera! Me perdoa, Kei-chan. Eu ia te contar tudo. Eu juro! – Implorou ao abraçar o mais novo.

Sentia uma dor no peito que não sabia o que era, mas tornava até respirar mais difícil.

— Por que não contou, então? Eu teria te ajudado. – O mais novo se afastara.

Ver seus olhos marejados e sentidos o fez sentir mal. Sempre fora fissurado pelas lágrimas do mais novo, mas não daquela vez. Não era uma simples dor que passaria logo, ele atingira onde mais doía, na confiança quase inexistente que o outro ousava ainda sentir.

Sabia que ele já tinha sido machucado demais assim, e não queria ser como os outros. Prometera que não seria, e não cumpriu.

— Eu te amo, Kei-chan. E se eu pudesse voltaria no tempo só para não dar essa mancada.

Puxou o mais novo para um abraço antes que pudesse se afastar. Sentiu seu corpo relaxar contra o seu. Suas mãos passeavam pelas costas do menor, esfregando-a. Estava com saudades.

— Como quer que eu te leve a sério quando faz esse tipo de coisa? Falar e dar para trás é fácil demais.

— Não diga isso, Kei-chan! Eu sempre falo sério. – Ele se afastou, segurando os dois braços do menor enquanto o encarava. – Vou provar pra você, você vai ver. Eu prometo.

Keisuke só revirou os olhos e se soltou.

— Não há necessidade disso. Vamos ficar como estamos. Vou te ajudar com o bebê do mesmo jeito.

— Não fale isso, eu falo sério. Em poucos dias provarei pra você o quão sério eu falo. Eu te garanto que todo mundo terá certeza dos meus sentimentos por você. – Gritou entusiasmado.

— Fale baixo, vai acordar o bebê! – Ralhou o mais novo e lhe deu um cascudo. – Qual o nome dele, afinal? – perguntou curioso. Não poderia chamá-lo de bebê a vida inteira. – Você sabe o nome dele, ne? – estreitou os olhos na direção do outro.

— Claro que sei, só não sei pronunciar. É algo como Benidjamin. Algo assim.

— Benjamin?

— Foi o que eu disse. Benidjamin.

— Não, não foi.

— Foi sim.

— Mais fácil você ter falado Astolfo do que Benjamin, seu retardado.

— É muito feio xingar os outros, sabia? E também muita burrice quando eles andam armados. – Disse ao se jogar numa das cadeiras da cozinha.

— Está me ameaçando?!

— Nah, eu nunca ameaçaria a mãe dos meus filhos!

Ryuu observava os dois brigando e discutindo como um velho casal do topo da escada, e sorriu. Não tinha destruído nada. Se bobear até tinha ajudado os dois. Sem fazer alarde, saiu de fininho e voltou para casa.

Os dois passaram os próximos dias arrumando sua rotina com o novo membro, que trouxe mais risadas e alegria para aquela casa que um dia foi extremamente triste, mas infelizmente Keisuke manteve sua palavra e distância de qualquer envolvimento além de amizade em relação Tetsuo.

Era uma sexta-feira à noite, e Keisuke só recebera uma mensagem no celular informando-o que deveriam estar prontos e arrumados às 19:30.

19:31 a campainha tocou. Era Ryuu.

— Vamos. – Falou e se virou em direção ao carro.

Keisuke sequer discutira, e só o seguira.

— Será que vamos ganhar outro bebê? – seu filho perguntara em voz baixa para ele.

— Espero que não. Não temos mais espaço. – Respondeu.

— Boa noite, Keisuke-san. – Megumi o cumprimentou e em seguida a pequena japonesinha que estava sentada no banco de trás acenou timidamente. Era a filha deles, Ai-chan. – Animado?

— É até difícil expressar o quanto. – Respondeu e ela riu como se entendesse o motivo.

Chegaram a um restaurante bastante movimentado de Santos, e gelou quando viu sua irmã mais nova acenando animada de uma mesa no fundo do salão. Toda a sua família estava lá. Incluindo as crianças, cunhados e até seu ex com o namorado atual.

Deu um passinho para trás, mas antes que pudesse sair, Tetsuo bloqueou seu caminho e o abraçou.

O resto foi feito no automático. Ele sabia que tinha caminhado aqueles quase cem metros até a mesa, cumprimentado as pessoas e se sentado, mas seu cérebro simplesmente não conseguia funcionar direito.

Aquilo era coisa do Tetsuo, tinha certeza. Ele insistiu tanto em provar suas verdadeiras intenções, que Keisuke quase enfartou quando ele se ajoelhou aos seus pés.

Se ele levantasse, na frente de todo mundo com uma caixinha e um anel, seria o maior mico do mundo. E ele não sabia se aguentaria o vexame.

— Seu sapato estava desamarrado. – Ele sorriu e lhe deu um beijo no rosto.

Soltou o ar que segurava sem sequer perceber e relaxou. Alarme falso.

Nem vira quando Tetsuo sumira.

— Senhor Keisuke Matsumoto, compareça à administração. Seu filho se perdeu e chama pelo senhor.

Levantou sem sequer pensar, ou olhar para o lado. Só se preocupou em deixar o pequeno Ben-chan com o adulto mais próximo e partiu. Se tivesse, teria percebido que seu filho estava sentado à sua direita.

Quando estava cruzando o salão, travou quando um holofote acendeu, mirando-o. Uma música antiga começou a tocar. Ele tentou apressar o passo, mas o holofote o seguia. Travou quando ouviu a voz desafinada que cantava. Era Tetsuo.

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

You feel like heaven to touch

I wanna hold you so much

At long last love has arrived

And I thank God I'm alive

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

O inglês dele era horrível, o sotaque japonês conseguia ser pior do que quando ele falava português. Fazia caras e bocas e tinha colocado o terno mais espalhafatoso que ele já vira na vida. Parecia uma lantejoula prateada com pernas.

Sentiu seu rosto queimando quando viu a reação das pessoas do salão que vibravam e aplaudiam, dando a maior força.

Pardon the way that I stare

There's nothing else to compare

The sight of you makes me weak

There are no words left to speak

But if you feel like I feel

Please let me know that it's real

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

Não sabia ao certo quanto tempo ficara parado olhando horrorizado para aquela cena que se desenrolava, tinha perdido a noção.

Seu rosto pegava fogo e suas mãos estavam tão úmidas que ele podia jurar que deviam estar pingando. Ele só conseguia ver a cena que só piorava.

Cada vez que ele se aproximava, um novo holofote acendia, iluminando seu caminho. Confetes brilhantes voavam.

I love you baby, and if it's quite alright

I need you baby, to warm the lonely nights

I love you baby, trust in me when I say

Oh pretty baby, don't let me down, I pray

Oh pretty baby, now that I found you, stay

And let me love you baby, let me love you

Quando ele finalmente o alcançou, não poderia correr se assim quisesse, pois suas pernas pareciam gelatina.

Lançou o olhar mais assassino que conseguia no momento, que não teve efeito algum, pois o mais velho só abriu um sorriso enquanto continuava a cantar e segurou sua mão. Sentiu medo quando viu que seus olhos tinham um brilho maníaco.

E com razão, pois logo o outro o conduzia pelo salão como a uma boneca de pano.

Ele se sentia como se alguém o tivesse jogado de paraquedas numa dança dos famosos bizarra, da qual ele não tinha ideia dos passos.

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

You feel like heaven to touch

I wanna hold you so much

At long last love has arrived

And I thank God I'm alive

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

O jogo de luz do salão o deixou tonto. Via flashes disparando em sua direção. Faixas apareceram penduradas pelo salão, mas era difícil ver tudo quando se estava girando como uma bailarina ensandecida.

Pardon the way that I stare

There's nothing else to compare

The sight of you makes me weak

There are no words left to speak

But if you feel like I feel

Please let me know that it's real

You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

I love you baby, and if it's quite alright

I need you baby, to warm the lonely nights

I love you baby, trust in me when I say

Oh pretty baby, don't bring me down I pray

Oh pretty baby, now that I found you, stay

And let me love you, oh baby, let me love you

Quando finalmente pararam, Keisuke estava zonzo, e sem fôlego. Suas pernas falharam e se Tetsuo não o tivesse segurado, teria caído no chão.

Agora parecia que os dois tinham combinado aquela posição que lembrava aqueles beijos fenomenais do cinema antigo. Keisuke estava curvado para trás, enquanto o outro lhe segurava pelo pescoço e cintura.

Houve um instante de silêncio no salão antes que fossem ovacionados.

Keisuke olhava todos ali sem saber o que fazer. Nunca tinha passado tanta vergonha na vida. Aquilo era pior que o banho de tinta que a Carrie ganhou no final do filme Carrie, a estranha. Se ele também tivesse poderes telecinéticos, com certeza estariam todos mortos.

— E então, Kei-chan? – Tetsuo o chamou.

— Hã? – respondeu eloquentemente.

— Meldeuz, ele quebrou o menino! – Ouviu a voz da sua irmã caçula gritando da multidão que ainda o observava.

Sentiu as pernas tremerem, e não reagiu quando o mais velho o virou delicadamente e segurou seu rosto com uma mão.

— Eu disse “Por favor, não olhe para mais ninguém porque eu te amo. Quer namorar comigo?”. – Ele repetiu e aguardou ansioso. – Acho que deixei bem claro pra todos sobre o quão sérias são minhas intenções, ne? – tentou descontrair quando viu a respiração acelerada do mais novo. – Kei-chan?

Foi a última coisa que ouviu antes de tudo girar e escurecer.

Quando abriu os olhos, a luz o incomodou.

— Bem-vindo de volta, senhor Matsumoto. O senhor sabe que dia é hoje? – o médico lhe perguntou ao enfiar uma luz nos seus olhos.

— Não. Esse dia com certeza será abolido do meu calendário para sempre devido ao evento traumático que passei. – Respondeu de mau humor, e com um olhar assassino para o outro japonês.

— O senhor vai ficar um tempinho aqui em observação até fazermos alguns exames porque demorou um pouco para recuperar os sentidos, mas ao que parece foi só excesso de emoção mesmo. Tente descansar um pouco e tudo ficará bem. – O médico disse e saiu, deixando os dois a sós.

— As crianças?

— Estão na sala de espera. – Deu um de seus olhares assassinos para o mais velho que levantou as mãos em rendição. – Devidamente acompanhados por toda a família – explicou –, já que você meio que destruiu o jantar quando desmaiou. – Completou o resto com uma voz mínima.

Tentou lançar outro olhar assassino, mas o mais velho brincava com os dedos e parecia evitar contato visual.

Keisuke tapou o rosto com as mãos quando se lembrou do mico. Com a sua sorte, aquilo já devia estar no Youtube.

Tirou as mãos do rosto e olhou incrédulo para o mafioso que cantarolava baixinho a música que cantara no restaurante.

— Então, qual a sua resposta? – perguntou como quem não quer nada.

— Você é retardado?! – Tentou manter seu tom baixo, afinal estavam num hospital.

Tetsuo só riu.

— Mas sou o seu retardado, Kei-chan. – Disse balançando as sobrancelhas sugestivamente. – Então, posso considerar isso um sim? – estava em dúvida.

Keisuke se limitou a revirar os olhos, antes de fechá-los para tentar descansar.

— É definitivamente um sim! – Ele comemorou, e não conseguiu conter um sorriso mínimo.

Não adiantava discutir com mafiosos porque eles eram como vampiros.

Uma vez que você os convida a entrar na sua casa, já era.

Fim


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