Art et Guerre [CcL 19] escrita por Lady Lanai Carano


Capítulo 1
Arte e Guerra


Notas iniciais do capítulo

Alguns avisos:
►Eu fiz uma breve pesquisa pelas intenets e a maior parte das informações aqui contidas são verdadeiras, ou procuram se aproximar ao máximo da realidade (de acordo com os registros históricos). A última parte é mais uma lenda do que um fato, mas achei bem interessante e resolvi colocar.
►O conto é narrado por Picasso, se alguém não perceber.
►O Juan realmente existe, pesquise aí no Google "Juan Larrea".
►Explicando a capa: aquele é um pedaço do painel, que a maioria deixa passar despercebido: é uma flor, bem no meio da destruição. Originalmente, ela é quase transparente, um cinza no meio do cinza, mas eu a destaquei porque achei o detalhe mais interessante da obra.
►O título significa "Arte e Guerra" em francês (de acordo com o Google Tradutor)

Aproveitem ^^
Beijos de Mel ^^



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Era uma manhã quente da segunda-feira parisiense quando Juan me contou sobre Guernica.

Eu estava caminhando ao longo do Sena, observando as ondas tranquilas lambendo as margens, turistas animados fazendo passeios de barco e, ao longe, a Torre Eiffel, erguida com o máximo de dignidade que conseguia reunir, mesmo após ter seu posto de construção mais alta do mundo perdida há alguns anos para um arranha-céu americano. Como era o nome dele mesmo? Chrysler? A América tem péssimo gosto para nomes.

Debaixo do meu braço, eu tinha um bloco de papel e um estojo de lápis manchado de tinta. Vários rabiscos infrutíferos de formas indefinidas enchiam as páginas. O bloqueio criativo me matava por dentro, e não conseguiria sair dele enquanto estivesse trancado em meu apartamento, sem ver o mundo lá fora. Então, resolvi sair para caminhar e desenhar ao ar livre. Eu estava em busca de um lugar agradável para me estabelecer quando o Monsieur Larrea me encontrou.

Bonjour, Monsieur Picasso. – Juan estava esbaforido. Aparentemente, tinha corrido todo o caminho desde a estação de trem até ali. Seu sobretudo estava dobrado no braço e os botões da camisa estavam trocados, então soube imediatamente que tinha algo de errado. Meu amigo poeta era muito perfeccionista para tanto desleixo.

Bonjour, Juan. Acalme-se! O que aconteceu? – Esperei que ele se acalmasse. – Se eu estivesse em casa lhe traria um copo d’água, mas...

— Eu estive no seu apartamento, mas a sua vizinha, Madame Blanche, disse que tinha saído. Estive te procurando por toda Paris há horas!

— Eu estava procurando por inspiração para o meu painel. – Há alguns meses, o governo da Espanha subitamente me contatou e pediu que eu pintasse um mural espanhol para a Exposição Internacional de Artes e Técnicas Aplicadas à Vida Moderna, que ocorreria em Paris entre maio e novembro desse ano. Creio que me escolheram unicamente por ser espanhol, não pelo meu talento, mas eu não estava em posição de recusar a oferta.

Mas as ideias simplesmente não vinham à minha cabeça. Minhas pinturas precisavam de um sopro de emoção que desse vida a elas, então, naquela situação, eu não conseguia sequer finalizar um esboço.

— Ah, meu amigo! Seus problemas acabaram. Trouxe-lhe a ideia perfeita. – Juan tinha um brilho maníaco nos olhos, característica que dava fama aos seus poemas excêntricos e carregados de irracionalidade. Tive, de certa forma, medo do que estava por vir.

— O que é?

— Os bastardos da Lufftwaffe arrasaram com Guernica. Lançaram bombas sobre as casas por duas horas seguidas – Juan disparou, como se tivesse aguardado muito tempo para contar a mim a tragédia e estivesse muito satisfeito consigo mesmo. Pisquei, atordoado.

— Por quê?

— É aqui que entra a sua parte, meu caro amigo Pablo. – Juan segurou meus ombros e olhou-me com seriedade. – Por quê? A resposta é simples: a mais pura maldade humana.

— Eu não entendo...

— Pinte-a. Pinte a cidade. O que mais seria a arte se não um grande e belo protesto? Ah, meu amigo, se pintares os horrores da guerra, todo o mundo saberá o quão hedionda é a ditadura de Franco!

Mais tarde, naquele dia, eu me tranquei no ateliê. Em meu âmago, recusava-me a acreditar que uma cidade tão plácida e inofensiva como Guernica tenha sido alvo de tal ataque atroz. Juan devia estar a fazer piadas, aquilo era apenas mais uma de suas brincadeiras mordazes.

Mas, cinco dias depois, recebi em minha casa um exemplar do Le Populaire, contendo um relato completo, originalmente publicado no The Times, de um jornalista sul-africano chamado George Steer, que presenciou pessoalmente a barbárie em Guernica.

Suas palavras quase me levaram às lágrimas. Quando eu li o artigo por vezes o suficiente para memorizar cada palavra, fechei os olhos e visualizei os escombros, o cheiro de morte pairando no ar tóxico, as bombas incendiárias caindo sobre as casas. Vislumbrei uma mulher segurando sua criança morta, chorando sangue escarlate. Partes de corpos humanos destroçados pelas explosões, espalhadas no que restou das ruas da cidade dizimada. E uma única flor cinza, curvada sob a atmosfera pesada, presa ao asfalto rachado – e a uma última esperança de vida.

Abri os olhos, com aquela imagem impregnada em minha mente. Tremendo, ainda sob o efeito da cena grotesca, fruto da minha imaginação, peguei o meu bloco de desenho e um lápis, e minhas mãos começaram a se mover sozinhas. Em poucos segundos, um esboço surgiu, com linhas finas e bruscas em formas geométricas. Era como um quebra-cabeça, exatamente como os pilotos alemães devem ter visto Guernica lá de cima, em seus aviões; um mero quebra-cabeça bidimensional, pronto para ser desmontado.

Corri para preparar as tintas. Eu dispunha de três semanas antes do início da Exposição.

►♦◄

“Uma mistura de partes de corpos que qualquer criança de quatro anos poderia ter pintado”

Ri ao ler as palavras rudes. Fechei o guia oficial alemão da Exposição Internacional de Paris e olhei os diversos jornais espalhados pela mesa da cozinha. Guernica era a palavra que mais se lia nas letras impressas. Picasso era a segunda.

Mas eu não parei por aí. Minha coleção “O Sonho e A Mentira de Franco” já estava pronta; uma série de telas sobre o bárbaro ditador espanhol e suas atrocidades exposta para qualquer um que quisesse ver. Afinal, a única coisa pior que um genocida são os tolos que seguem seu exemplo.

O mundo precisava saber. E minha missão era contar através do que eu fazia de melhor: pintar.

►♦◄

Paris, 1940. Observei os oficiais nazistas marchando em fileiras perfeitas lá embaixo. Podia ver todos os parisienses que continuaram na cidade após a invasão alemã se escondendo dentro de suas casas, assim como eu, temendo que qualquer som que emitissem fosse o bastante para a ameaçadora Gestapo leva-los.

Eu tinha muitos motivos para ter medo.

Bateram de porta em porta, invadindo as casas e ditando o que devia e o que não devia ser deixado lá. Feias bandeiras vermelhas, brancas e pretas eram forçadamente colocadas nas janelas. Aqueles alemães achavam que estavam em sua própria morada, enquanto na realidade estavam em pleno solo francês. Era uma grande heresia para os franceses serem obrigados a se subjugarem a uma nação tão facilmente, mas não havia nada a ser feito se o próprio governo era covarde.

Ouvi as batidas na porta e chequei mais uma vez se apenas as minhas pinturas mais inocentes estavam à vista no ateliê antes de abri-la. Um oficial com a braçadeira vermelha e um bigode milimetricamente aparado, parecido com o do Fürher, tirou o quepe e entrou. Deu uma olhada com desinteresse no meu apartamento com pouquíssima decoração e entrou no ateliê. Assim que reparou nas tintas e telas inacabadas, ele perguntou:

— Você é pintor? – Confuso, imaginei que ele não sabia quem eu era. Bom, era melhor deixar assim.

— Sim, eu sou. – O oficial deu voltas no ateliê, analisando os quadros. E então, afastou uma manta de proteção contra respingos de tinta, que eu sempre mantinha penduradas na parede, verificando uma fotografia em baixo.

Minha espinha congelou. Era uma foto de Guernica, tirada por um amigo na Exposição de Paris.

— Você que fez isso? – ele perguntou, interessado. Pensei um instante na resposta. Olhei para o uniforme do soldado e vi, no seu peito, a insígnia da Luftwaffe.

— Não – rebati, friamente. – Vocês que fizeram.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Não sabem o que estão fazendo aqui e estão encarando a tela com cara de "wtf que escritora retardada"?
Beijos de Mel ^^



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