Primeira anotação, ano 0, dia 0.

Olá. Meu nome é Amélie. Pronuncia-se “amelí”, eu acho que é francês. Eu nunca tive a chance de perguntar aos meus pais a origem do meu nome, porque morreram quando eu era muito nova. Depois que partiram, fiquei sob a tutela de um bom senhor chamado John, e é com ele que eu vivo desde então.

Minhas características são: Cabelos longos e negros, olhos azul-esverdeados, corpo com curvas femininas discretas; nada que chame muita atenção. Dizem que eu tenho os olhos do meu avô, e eu adoro ouvir isto!  Ele foi a única família que me sobrou, e ainda não estou conseguindo lidar com a sua partida. Eu soube recentemente que ele havia sido internado, e quando faleceu, deixou-me uma curiosa carta. Ainda não estou com coragem para abri-la, mas John está me incentivando muito a fazer isto logo, porque pode ser importante. Papai John me incentivou a escrever este diário também; Ele acha que isso pode me ajudar a manter minha estabilidade emocional num momento tão crítico como este em que me encontro. Eu confio nas habilidades psicológicas dele, ele sempre me ajudou muito. Eu vou dormir agora e abrir a carta amanhã... Eu espero não chorar muito para não estragar a única coisa que me restou do meu avô.

Segunda anotação, ano 0,  dia 0.

Eu ainda não contei como eu recebi esse envelope, então farei isto antes de revelar o conteúdo dentro dele. Assim que vovô foi internado, fui chamada com urgência até a casa onde ele se encontrava em repouso. Quando cheguei lá, descobri que se tratava de uma divisão de heranças. Assim que eu soube o motivo da reunião, eu me neguei a ficar, mas foi o meu próprio avô quem me pediu para que eu não fosse embora. Meu avô dividiu os seus humildes bens entre os seus enfermeiros e funcionários que permaneceram durante anos ao lado dele. Quando chegou a minha vez, ele levou as suas mãos tremulas até o travesseiro e tirou um envelope amassado que guardava em baixo dele, e me entregou. Eu nunca vou me esquecer de suas ultimas palavras:

“[...] e para a minha netinha querida: quero que você pegue esse envelope lacrado. Não, calma, não abra ainda... Seja paciente. Agora, preste muita atenção. Haverá um dia em que você estará farta da vida moderna, e o seu espírito desvanecerá diante de um vazio crescente. Quando isto acontecer, minha querida, você estará pronta para este presente. Agora deixe o vovô descansar...”

Eu deveria abrir esta carta quando estivesse “farta da vida moderna”, mas eu já estou sentindo o “vazio crescente” depois de sua partida, vovô... Então eu acho que estou pronta para o seu presente, e seja o que for, eu vou abraçá-lo com amor e cuidar bem dele.

Terceira anotação, ano 0, dia 0.

Eu levei o envelope para o meu trabalho, e o abri no escritório, quando finalmente tive uma pausa para descansar. O que eu li quase me fez gritar dentro da empresa! Vou anexar a carta aqui.

“Minha querida Amelie,

Se você está lendo isto, significa que você está desesperada por uma mudança em sua vida. Há muito tempo atrás, o mesmo aconteceu comigo. Eu perdi de vista o que mais importa na vida: Vínculos concretos com a natureza e outras pessoas. Foi então que decidi largar tudo e me mudar para o meu verdadeiro lar.

Em anexo você encontrará a escritura para esse lugar... Meu orgulho e alegria: a Fazenda Blue Bird. Ela fica no Vale do Orvalho, no litoral sul. É perfeito para começar a sua nova vida. O meu bem mais precioso agora é seu. Eu sei que você vai honrar nossa família, minha garota. Boa sorte.

Com amor, vovô.

P.S.: Se o Lewis ainda estiver vivo, mande um ‘oi’ pelo seu coroa tá?”

Eu ainda estou tremendo... Uma fazenda? Eu nunca estive numa fazenda! O que eu faço em uma fazenda? Como eu vou cuidar sozinha de uma? Existem tutoriais na internet sobre isso? Sequer vai ter internet lá?

Eu estou surtando.

Vou voltar para casa e conversar com John sobre isso.

Atualizo-te das novas noticias mais tarde, diário.

Quarta anotação, ano 0, dia 0.

Depois de muito pensar e dialogar com o papai, eu decidi que vou pular de cabeça nesta “oportunidade” que o vovô me deu. Estou com muito medo, muito insegura mesmo... Mas eu consegui entrar em contato com o prefeito da cidade local e eu descobri que era o próprio Lewis de quem o vovô comentou na carta. Ele lamentou muito pelo meu avô e me convenceu à cuidar da tão amada fazenda, dizendo que ele e a pequena população da cidade me receberia de braços abertos. Estou muito ansiosa e temerosa com tudo isto, mas eu espero que tudo corra bem. Papai John disse que vai me ajudar com dinheiro sempre que puder, e me deu total apoio. E resumindo, é isto, já posso me considerar oficialmente uma fazendeira.