Jungkook gostava de ir a pé ao colégio, havia algo no ônibus local que o fazia se sentir desconfortável, talvez fosse a falta de lugares ou o fato de que seu cérebro não desligava, e ele ficava observando aquelas pessoas e os conhecidos do colégio.

Ele via os pequenos detalhes, dos olhares furtivos até os pequenos furtos, alunos estudando sem pausa, meninas mexendo nos celulares e flertando, os populares, os excluídos, os estudiosos, e no meio disso tudo, ele.

Não que ele não tivesse amigos, apenas, eram amigos de colégio, ele não sabia com ninguém fora do ambiente escolar, nada de jogar vídeo-game na casa de alguém, nada de promessas de contato ou planejar uma viagem.

Talvez ele fosse apenas solitário.

Mas ele já havia mudado de colégio e era sempre a mesma coisa, mais rostos, mesmas coisas acontecendo, mesmos grupos com os mesmos gostos em qualquer lugar, era como se o mundo colegial fosse um ctrl+c ctrl+v.

A vida adulta não era diferente, ele pensava, ao menos ele escutava os mesmos assuntos de seus pais, ano após ano, sobre como “funciona a empresa” ou como “as mulheres são”.

Havia uma estação de trem abandonada.

Naquele dia ele caminhou na estação de trem abandonada, era um caminho diferente que ele não costumava fazer, a linha de trem ainda existia, mas não circulava nenhum carro ali, a estação, que na verdade era uma plataforma de espera estava abandonada, ainda havia bancos e as placas estavam pichadas.

Jungkook estava com os fones de ouvido, um ruído desagradável o fez puxar os fones.

― Que diabos?

Como se fosse uma interferência, o que era um absurdo. Mas isso o fez olhar para o lado, e de alguma forma isso também mudou sua vida para sempre.

Na linha de trem caia neve, do outro lado da linha também parecia nevar, o chão daquele lado estava branco. Eles não estavam no inverno, e não estava nevando desse lado e também não havia nuvem no céu.

Ele desceu da plataforma.

O barulho do trem se aproximando podia ser ouvido, Jungkook estreitou os olhos, não havia nenhum sinal do carro vindo, apenas o barulho que não parecia distante.

― O que isso significa?

Ele se abaixou e tocou na neve, era estupidamente gelada. Aquilo era real, estava nevando. Ele soprou e a fumaça saiu de sua boca.

― O que você está fazendo? – Um garoto perguntou segurando um guarda-chuva preto, todas as vestes eram pretas, ele parecia a morte. Uma versão moderna do manto preto e menos a foice.

Como nos doramas atuais.

― Está nevando, por que está nevando?

― Saia da linha, é perigoso. – Seu tom era irritado, mas em seu rosto havia preocupação, ele no entanto não se aproximou.

Continuou do outro lado da linha.

― Mas o trem não passa mais aqui, você está ouvindo, não está?

O garoto olhava para a linha de trem parecendo ansioso, ele batia os pés no chão, parecia lutar consigo mesmo, procurando uma coragem que ele não tinha.

― Saia da linha de trem!

Jungkook recuou um passo. Ele ainda conseguia ouvir o trem, mas não havia nada vindo, ele sentia a neve batendo em seu ombro.

― Qual o seu nome?

O garoto do outro lado pareceu se acalmar com a pergunta, ele respirou fundo.

― Min Yoongi.

A sineta da estação tocou e Jungkook olhou para trás.  Quando ele se virou novamente, não havia mais neve, não havia mais Min Yoongi. Tudo estava como sempre, apenas um mato não capinado do outro lado dos trilhos, seco como sempre.

Ele ouviu o sino do colégio tocar, a melhor opção era não ir, ele iria chegar atrasado e ele não se sentia disposto a viver apenas mais um dia, não quando algo tão surreal tinha acabado de acontecer.

Jungkook continuou o caminho, mas ao invés de seguir para o colégio seguiu na direção da costa, era uma cidade com praia, não exatamente uma praia própria para banho, pois saia algumas balsas de lá.

Ele estava andando sobre a mureta quando viu um garoto na areia, ele chamava atenção porque tinha o cabelo rosa, eles deveriam ter a mesma idade e ele também deveria estar matando aula.

― Ei, você vêm sempre aqui? – O garoto perguntando acenando.

Jungkook olhou para trás para ter certeza que era com ele, mas não havia mais ninguém de manhã ali. Ele desceu na mureta e foi caminhado pela areia.

― Não, na verdade não. Você é daqui?

― Eu acho que sim. Você pode fazer um favor para mim?

― Eu... acho que sim.

O garoto riu, só então Jungkook reparou que ele estava segurando um par de tênis branco, ele empurrou o calçado para as mãos de Jungkook.

― Pendure numa árvore para mim. – E então ele continuou como se não tivesse acabado de pedir um favor bizarro para alguém que nunca havia visto na vida. – Eu sempre quis andar nessas balsas.

― Por que não vai? Elas saem de hora em hora.

― Eu tenho medo.

Ele falou como uma expressão quase nostálgica, como uma criança usando a palavra errada para se expressar. Seus olhos sorriam e Jungkook não conseguiu o encarar por muito tempo.

No tênis estava escrito um nome em caneta como era comum fazer o no colégio.

Park Jimin.

― Ei, esse tênis é seu?

O garoto de cabelo rosa não estava mais lá. Jungkook amarrou os cadarços para unir os sapatos e os jogou no ombro enquanto voltava a andar, ele subiu na mureta e continuou a caminhar.

Talvez fosse o horário ou o local, mas não haviam pessoas na rua, Jungkook não saberia dizer se isso era estranho, pois ele deveria estar no colégio, mas a ideia de passar pelos lugares da cidade e não encontrar ninguém estava o deixando ansioso.

Ele se viu correndo, até que que parou para respirar em frente a uma árvore.

A árvore era seca, diferente das outras que estavam no clima do outono com suas folhas amarelas. Ela era diferente, como esse dia. Jungkook pendurou o tênis nela.

― E agora? Talvez eu deva voltar para o começo... – Se viu falando em voz alta.

― Você já pensou que cada manhã é uma espécie de recomeço? Você pode fazer o seu dia ser diferente ou igual aos outros. Usando a mesma roupa, seguindo pela mesma rua, falando com as mesmas pessoas e depois roboticamente voltando para casa e fechando os olhos.

Jungkook não se surpreendeu mais em ver outro garoto falando com ele. Ele estava sentado no teto de uma kombi velha e pichada que estava largada no meio da calçada.

― Bom, eu não estou no colégio.

― Você fez uma escolha.

― E para onde eu deveria ir agora?

― Se você não sabe para onde ir, então não faz diferença.

Jungkook girou os olhos, mesmo que fosse desrespeitoso e o garoto parecia ser mais velho.

― E você é meu gato Cheshire, por um acaso?

Ele não pode deixar de reparar na semelhança do discurso, ou total cópia, no caso. Ele também conseguia a obra de Lewis.

O garoto sorriu, como o gato. Mas seu sorriso era brilhante como o sol. Ele tinha um avião de papel nas mãos.

― Não, meu nome é Hoseok. Você sabia que as andorinhas voam juntas? – O garoto perguntou olhando para o céu, enquanto o bando voava em liberdade sobre eles. – Todos precisam de alguém.

― É? Você também está sozinho.

― Estou?  - Hoseok esticou a mão e lançou o avião de papel para o alto.

Ele voou para o horizonte, quando Jungkook olhou novamente para o garoto ele não estava mais lá, havia mais um pássaro no céu.

Jungkook decidiu voltar para a linha de trem, algo tinha acontecido ali, algo tinha começado ali. Todas esses garotos estranhos, eles não existiam de verdade, ele tinha certeza disso, mas Min Yoongi tinha sido real.

Ele não cruzou a linha do trem.

Toda a sua vida era uma grande repetição de rotina, nada novo acontecia, ele estava cansado. Ele não fazia nada diferente que pudesse causar um impacto, ele não queria um dia após o outro.

Jungkook voltou a correr.

Ele não era diferente de Jimin sozinho na praia, ele queria voar como Hoseok, ele queria se aproximar de Min Yoongi. Ele queria amigos, de verdade. Mas talvez o problema fosse ele que não conseguia se conectar.

Sempre sendo repelido pelo mundo. Então, qual era o propósito de estar ali?

A linha de trem estava coberta de neve, mas a estação também estava, algo havia ido além daquela divisão. E também havia um garoto sentado no trilho, ele estava vestido para o inverno.

Novamente o barulho da sineta do trem, Jungkook correu até o garoto.

― Saia da linha! – Ele se viu repetindo as palavras de Yoongi.

O garoto deitou a cabeça no trilho de ferro e fechou os olhos.

Jungkook correu até ele e o puxou pelo braço, o garoto não parecia surpreso ou irritado pela forma como foi basicamente levantado. O trem ainda não estava visível.

― Você já esteve em dois lugares ao mesmo tempo?

― Não. – Respondeu franzindo o cenho. – Talvez. Você conhece Min Yoongi?

― Min Yoongi está morto.

Aquilo não o surpreendeu, mas seus olhos se arregalaram da mesma forma.

― Quem é você?

― Kim Taehyung. Quem é você?

― Jeon Jungkook.

― Você que tem medo de estar sozinho, mas você nunca esteve realmente sozinho. – O garoto disse como se pudesse ler sua alma.

Jungkook pensou em Jimin, Hoseok e Yoongi que o fizeram companhia por alguns minutos naquele dia.

― Eu acho que não.

― Você está esperando pelo trem? Que tal conhecer todos antes?

Jungkook estreitou os olhos, e olhou na direção do outro lado da linha do trem, onde tudo era coberto por neve, lá também parecia ser noite, mas havia iluminação nos postes.

Ele saiu da linha do trem, passou por uma e depois pela outra. A linha de dois sentidos que estava congelada pela neve.

Jungkook não olhou para trás.

O caminho era uma linha reta ao lado de um mato também não capinado, o levou para o que deveria ser uma espécie de hotel de beira de estrada. Na entrada havia outro garoto de cabelo roxo.

― Você estava me esperando? – Perguntou parado em frente ao estabelecimento, sem colocar aos pés nele.

― Acho que sim.

A placa em neon piscava dizendo: Há vagas.

― Eu posso entrar?

― Claro que sim. A escolha é sua.

Jungkook assentiu e passou pela porta de entrada. O painel em neon passou a piscar: Não há vagas.

O corredor do pequeno hotel o levou para os fundos, para a lavanderia, onde Jimin estava sentado sobre uma das máquinas de lavar, Hoseok estava deitado sobre a fileira de duas. Min Yoongi estava usando outra cor.

Um rosto que ele não conhecia era o único que estava com os pés no chão.

― Estavamos te esperando.

― Eu demorei? – Ele se surpreendeu ao perceber que soava preocupado.

― Não, ainda é inverno aqui.

Jungkook não tinha certeza do que isso signifiava e ele tinha certeza que a única estação daquele lugar era o inverno.

― Seokjin, nós precisamos pegar o trem. – Yoongi se pronunciou.

― Claro, Namjoon e Taehyung já devm estar lá fora.

― Vamos?

Por alguma razão, todos o deixavam escolher, Jungkook nunca tomou tantas decisões na vida. Era uma sessão difícil, mas ele nunca teve tanta certeza na vida.

O grupo saiu do pequeno hotel e caminhou pelo caminho de volta até a linha do trem, os sete estavam daquele lado, do lado do inverno. A sineta do trem soou próxima e dessa vez, Jungkok viu a luz e depois o carro se aproximando.

Mas era o carro da primeira linha, da que entrava na cidade, eles estavam do lado da linha que saia de lá.

Quando o carro passou, ele se viu no vagão, sentado observando a vida, como ele costumava fazer quando pegava o ônibus todos os dias pela manhã.

Outra sineta e o trem do outro lado chegou. Seokjin foi o primeiro a embarcar, Yoongi foi o penúltimo e esticou a mão para ajudá-lo a subir.

O trem estava vazio.

― Para onde nós vamos?

O grupo sorriu.

― Nós estamos saindo do inverno. – Jimin respondeu.

― Estamos indo rumo a primavera. – Namjoon completou.

Eles começaram a andar pelo corredor do trem, indo para os próximos vagões. Jungkook ficou para trás e viu a cidade começar a se afastar a medida que o trem andava. Ele soprou contra o vidro.

Nenhuma estação pode durar para sempre.

Eles riram, se dividiram nos bancos, apoiados uns nos outros e conversando sobre coisas sem sentido. A sineta do trem soou novamente anunciando que eles estavam chegando na próxima estação.

Onde era de fato primavera.

Jimin foi o primeiro a descer, todos seguiram por aquele campo aberto juntos, sem soltar a mão um do outro. Como andorinhas seguindo para o horizonte, onde ninguém fica para trás, não importa quão longo seja o inverno.