Desde que se recordava como pessoa, Serena sempre foi cercada pela terra, pelas cercas, pelo carinho de sua mãe, para então voltar aos treinos mais uma vez cercada pela terra, montada naquele pokémon amável de sua família. Rhyhorn era como ela, ligado a terra, tinha nascido para aquilo, afinal. Era algo simples, óbvio até para que tivesse alguma dúvida.

Entretanto, Serena sempre teve medo. Parecia algo tão perfeitamente traçado para si, desde que havia nascido, que não poderia se sentir confortável. O mundo era tão grande e misterioso para que tivesse condições de decidir.

Por exemplo, havia aquele garoto que a havia feito se sentir segura como apenas sua mãe em seus tempos mais amáveis poderia ter feito, uma lembrança tão frágil que poderia se desfazer a qualquer momento caso ficasse desatenta, para que se focasse em algo mais em definitivo.

Dessa forma, ainda que Serena soubesse naquela época, não teria alterado em nada a jornada que havia feito. Tinha que sair e viver suas paixões, ter suas desfeitas, para então voltar à terra e se encontrar mais uma vez. Demorou anos e, após encontrar um ou mais tesouros, ela estava mais uma vez vendo aquele horizonte conhecido, todavia, incompreendido em uma época passada de sua vida.

Seu macacão era da mesma cor que aquele que usava quando era mais nova, seu cabelo tinha crescido para o de quando havia feito os primeiros passos para fora do lar. A mudança era mantida em seus olhos azuis. Seus antigos companheiros de viagem, seus agora amigos de longa data, estavam torcendo por ela na plateia. Sua mãe também, com a idade mais avançada, sem perder a sua energia de outrora, estava com eles sorrindo.

Focou-se na estrada, na terra, em seu parceiro pokémon, no juiz que estava pronto para anunciar o início da corrida, e disse com a determinação de quando fazia as suas performances:

— Vamos nessa, Rhyhorn!

A bandeira do juiz desceu junto com o braço e todos os corredores partiram. Só havia o foco, a adrenalina, a confiança entre treinadora e pokémon depois de muitas situações que passaram juntos, a certeza de que havia feito tudo o que podia para se preparar e a vontade de chegar em primeiro. Já haviam treinado por aquela área antes, não tinha como Serena cometer algum erro.

Ela era, como nunca, apenas um ser com tudo ao seu redor: o vento que soprava contra ela, o cheiro fresco das árvores pelos lados da estrada, a respiração de seu Rhyhorn, a chuva que caía. Aquela dificuldade, e aquela emoção e alegria. Um pouco mais e ela terminava seu percurso. Era engraçado como se sentia tão longe de tudo e de todos, e ainda assim tão perto de entender um universo.

Foi então que em um certo momento ela entendeu, tão claro como o sol que estava ausente: estava morrendo. O que ela sabia de Serena estava desaparecendo junto com seu sangue que encharcava a terra, acompanhando a chuva forte que instabilizava o chão. A terra que a cercava e sempre a cercou, como uma prisão, como uma liberdade, nunca lhe pareceu tão fria e reconfortante também.

Parecia que tentava lhe cantar uma canção de ninar que ela tinha demorado a se permitir ouvir. Entretanto, a hora dela havia chegado. Serena não tinha o que temer. Nunca teve o que temer, apesar de ter cedido a esse sentimento há muito tempo. Sem cercas, ela escutou uma voz doce e fresca como a água, o ar e a terra, principalmente a terra. Então fechou os olhos e o restante de sua consciência desapareceu entre a terra, água e planta.