Numbers escrita por yumesangai


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Suicídio implícito.



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A marca no pulso de Minhyuk coça, ele puxa a manga e esfrega as unhas com raiva por cima da tinta, não é uma tinta propriamente dita, é como uma tatuagem, a diferença é que você não optou por marcar a sua pele, é um presente de quando você faz 16 anos. Simplesmente aparece.

20190517

Levou um tempo, mas as pessoas descobriram o que a data significava. É a data da morte da sua alma gêmea.

Minhyuk nunca encontrou com sua alma gêmea e aparentemente nunca encontraria. Era exatamente a data de hoje.

Os pais de Minhyuk contavam que antigamente as pessoas tinham datas longas, mas com a guerra e as mudanças políticas as datas foram encurtando, não era difícil de imaginar, as ruas estavam sempre cercadas de militares, eles andavam desocupados e de uns tempos para cá gostavam de criar confusão com grupos de jovens que estivessem por perto, só para ter o que fazer.

O mundo não era justo.

Mas esse era o mundo que Minhyuk cresceu, ele nunca viu nada diferente do que a repressão nas ruas, nas escolas, ele estava cansado disso tudo, o cenário político não caminhava para uma mudança libertadora.

Sempre com o toque de recolher, nas filas para receberam as rações, treinamentos militares nos colégios, as infinitas campanhas de incentivo a se alistarem.

Ele também não conseguia se ver no exército e virar apenas mais um, alguns de seus colegas estavam empolgados com a ideia, de poder fazer algo ou de tomar alguma decisão, mas seriam apenas ordens.

Minhyuk queria ser livre.

Ele falta ao colégio, não tinha amigos lá e estava cansado de tentar se manter acordado nas aulas monótonas. Talvez ele pudesse se dar o direito de ficar de luto por sua alma gêmea. Quem quer que ele fosse ou onde quer que ele estivesse.

Os números não ficam para sempre pretos, quando você conhece a sua alma gêmea eles ficam vermelhos.

Minhyuk tocou de leve sobre o pulso, ele nunca veria os números em outra cor.

Para onde sua alma gêmea estava indo? Ele fechou os olhos e deixou o vento gelado bater em seu rosto. Tombou o corpo para trás e caiu no jardim de flores que ficava na pequena colina. Seu lugar favorito. Ele gostava de deitar ali, esticar a mão e fingir que podia alcançar o céu.

Aquele mato seco, pinicava, já fazia algum tempo que não chovia, mas as flores ainda cresciam, eram pequenas flores com pétalas em lilás com o miolo em amarelo. Talvez fosse um pouco hilário que ele estivesse deitado num campo de flores, cujo nome era Não-me-esqueças.

Ele fez uma coroa com as flores delicadas.

― Essas flores são venenosas. – Uma voz tranquila soou próxima.

Ele imediatamente virou o rosto. Seus olhos encontraram um rosto que outrora seria belo, se não estivesse machucado, com o lábio inchado, um corte recente na sobrancelha e algumas escoriações.

Minhyuk segurou a respiração, seu braço formigou, ele viu os números em vermelho. Ele arregalou os olhos e abriu a boca, o outro garoto torceu os lábios num sorriso delicado.

― Você é a minha alma gêmea.

― Acho que sim. – Ele não parecia surpreso ou chocado. – Que bom que eu te encontrei.

― Mas... mas... – Minhyuk encarava os números em seu braço.

Alguém já havia errado? Era possível bater de frente com o destino?

― Eu sei a data que está aí, não se preocupe. – Ele sentou ao lado de Minhyuk.

― Você disse que essas flores são venenosas...? – Perguntou olhando para o campo em questão que estavam sentados.

― Se destiladas, elas fazem um líquido roxo, é venenoso.

Minhyuk assentiu, encarando a coroa de flores, era estranho pensar que aquelas flores delicadas poderiam ser letais.

― Eu posso usar? – Ele estava encarando o objeto nas mãos de Minhyuk.

O garoto colocou cuidadosamente a coroa sobre os fios escuros do outro.

― Eu sou Minhyuk.

― Hyungwon. – Ele sorriu de um jeito belo, como o sol se pondo ao fundo, como um quadro pegando fogo pelas bordas e lentamente desaparecendo. – Não se esqueça de mim.

Era um pedido solitário, para um mundo cruel e cinza. Hyungwon era belo, o campo lilás, o pôr-do-sol, é o tipo de felicidade que desaparecer num suspiro, como Hyungwon em sua vida.

― Eu...

― Você não pode ver. – Disse colocando a mão sobre o antebraço, embora sua tatuagem estivesse protegida pela manga do casaco. – Não é o seu dia.

― Por quê?

Ele sabia que o outro não estava se referindo a data. Ele apenas olhou para o céu, olhou uma última vez para o sol.

― Eu sou um pacifista e eu estou cansado, eu já vi e vivi demais desse mundo.

― Você acabou de me conhecer.

― E o mundo nunca nos permitiria isso. Eu e você não estamos na mesma linha.

― Isso não é justo.

― Esse mundo não é justo.

Ele respirou fundo, e absorveu todo o ambiente em seguida encarou a expressão no rosto de sua alma gêmea. Ele também era bom demais para esse mundo, mas ele era como as flores desse campo. Aquelas pequenas flores da adversidade. Aquelas flores que não se curvavam para o sol, para a seca ou para a guerra.

Sua alma gêmea era muito mais do que o destino encravado em seus braços.

― Foi bom te conhecer. – Disse levantando.

― Eu não posso te fazer mudar de ideia? – Mas ele sabia a resposta, apenas doía.

― Não, mas obrigado. – Ele pegou a coroa e colocou sobre os cabelos claros dele. – É a sua vez.

― Não se esqueça de mim. – Minhyuk repetiu segurando a mão de Hyungwon.

Ele viu aquele rosto, que em outra ocasião seria belo, ele sorriu, mesmo com o lábio cortado. Minhyuk nunca se esqueceria dele, nem se tentasse e ele sabia que nunca tentaria.

Com as estrelas no céu, ele desceu o campo e ficou vagando, ainda trazendo a coroa em mãos. De longe ele conseguia ver a fumaça saindo da cidade, mais algum conflito, ou mais alguma desculpa dos militares.

Hyungwon que não estava mais lá.

Naquela noite, ele seguiu para uma casa subterranea, para onde Jooheon estaria, ele era uma espécie de curandeiro. Lá ele encontrou alguns rostos conhecidos. Kihyun e Changkyun, ele ficou surpreso de ver  Hyunwoo e Hoseok lá.

No dia em que ele perdeu sua alma gêmea, ele também ganhou a coragem de se juntar a eles, a rebelião, ao que eles chamavam de Clã.

A estufa de Jooheon estava coberta de flores, “não me esqueças”. Minhyuk conseguia ver Hyungwon ali mesmo que ele não estivesse.

Era tão reconfortante quanto os números em seu braço.

Era o que ele precisava para erguer a bandeira do Clã, e começar uma revolução.


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