Autumn Leaves In a Snowstorm escrita por Miss Moonlight


Capítulo 15
Close to you


Notas iniciais do capítulo

Opaaaaa, tudo bom? É agora que eu começo a dar minhas desculpas por ter desaparecido por dois meses?

Bom, em minha defesa, esse capítulo foi o mais treta de escrever. Ele contém muitas cenas que precisavam de toda a minha atenção, além de que, como devem ter notado, são 7 FUCKING MIL PALAVRAS!

Eu sei que muitos de vocês estão me xingando agora por ter colocado uns três capítulos em um só, mas sabe aquele esqueminha maneiro das pausas? Tem nesse, ok? Então usem e abusem das três pausinhas e não desistam de ler esse capítulo antes de chegar na última parte, que é a melhor de todas na minha opinião.

Esse capítulo foi um parto, porque, como são muitas palavras, tive que revisá-lo milhares de vezes e toda vez eu acabava mudando algo, aí tinha que revisar tudo de novo... Enfim, foi um parto normal sem anestesia basicamente. Mas valeu a pena, porque no fim nasceu esse neném lindo com o nome de "Close to you", uma referência não muito discreta a música do The Carpenters (fica dica), que eu escuto desde que nasci praticamente.

Isso pode ter sido uma desculpa para a minha falta de criatividade ao escolher o nome do capítulo? Talvez, vou deixar que você, caro leitor, interprete como preferir.

Mas enfim, chega de falação. Espero que tenham uma boa leitura!



Se houver alguém aí ainda.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/731026/chapter/15

Havia se passado dois dias desde a briga entre Charles e Bennett e as coisas ainda estavam tensas no orfanato. Não da parte de Charles, claro. O rapaz parecia indiferente a tudo, mesmo que no fundo eu desconfiasse que o tal acontecimento houvesse deixado uma ferida, ou até mesmo aberto uma antiga, que não cicatrizaria tão cedo. Já da parte dos outros órfãos e da Sra. Stevens não poderia estar pior. Agora que eles lembraram outra vez que Charles existia, o tratavam como se fosse um verme, uma doença contagiosa que temiam pegar caso chegassem muito perto.

E deveríamos agradecer tudo isso a Sra. Stevens.

Ainda era difícil encará-la e não lembrar-me do que havia feito ao Charles. Meu peito doía toda vez que a cena repetia-se na minha cabeça e eu lembrava que aquela era a mulher que eu costumava tomar como exemplo quando criança. Pelo menos ela havia desistido de mudar minha opinião sobre Charles, deixando-nos em paz ao perceber que eu não abriria mão de sua amizade.

Porém, apesar dos pesares, as coisas estavam positivamente diferentes entre mim e o jovem rapaz. Pela primeira vez eu pude sentir que existia, de fato, uma amizade entre nós dois, por mais que não fosse admitir isso em voz alta para ninguém. Eu estava feliz demais para arriscar estragar tudo dizendo para ele e acabar causando o seu afastamento. Isso sem contar que não era mesmo necessário, não havia motivo para dar rótulos às coisas, principalmente ao que tínhamos. Seja lá o que estava acontecendo entre nós, eu não queria que acabasse e era isso que importava.

E era por isso também que eu encarava aquele objeto em minhas mãos, tentando decidir o que fazer com ele.

A minha curiosidade àquele ponto era quase sufocante, o que não era uma surpresa para ninguém, mas o medo do que poderia haver ali dentro daquele bloco de notas conseguia ser ainda mais.

Meus dedos passaram entre as páginas levemente e meus olhos fizeram seu caminho “inocentemente” até o local. Conforme as folhas iam passando de modo rápido, dava para notar que estava repleto de anotações e algumas colagens de fotos com coisas escritas em baixo. O arrependimento não tardou a surgir, assim que percebi que aquilo só serviu para aumentar minha ansiedade em ler seu conteúdo. Prendi o lábio entre os dentes, começando a tirar algumas de suas finas camadas de pele – certamente um vício que eu precisava me livrar de uma vez por todas –, ainda sem saber o que fazer. A indecisão era outra característica minha que eu havia aprendido a aceitar durante aqueles anos, mas que nem por isso tornava nossa convivência mais fácil.

O problema era que eu sabia que, dependendo do que estivesse escrito ali, aquilo poderia mudar completamente a visão de que eu tinha sobre ele, com grandes chances de ser de uma forma ruim. Entretanto, eu sentia que precisava saber mais sobre sua vida, desvendar aqueles mistérios que rondavam sua figura desde o primeiro momento que meus olhos encontraram os seus, e para isso eu teria que correr o risco.

Charles dificilmente contava-me algo sobre si e quando contava era difícil não ficar com o pé atrás, ponderando se ele estava dizendo a verdade ou não. Por isso aquele bloco parecia tão apetitoso, pois Charles escrevera todo aquele conteúdo apenas para si. O que seria mais pessoal e sincero do que isso? Não havia a possibilidade ou motivos para ele se autoenganar.

Eu acreditava que a nossa escrita dizia muito sobre nós mesmos, sobre quem éramos, seja em sua forma estética ou em suas próprias escolhas de palavras. E eu tinha toda essa informação em minhas mãos sobre o rapaz que havia se tornado uma das poucas pessoas em que eu confiava, meu melhor e único amigo, mas que infelizmente eu sabia muito pouco sobre.

Ao perceber que estava rondando em círculos em meu quarto até aquele momento, resolvi finalmente sentar em minha escrivaninha, mal conseguindo conter a ansiedade que dominava meu corpo. Minhas mãos chegavam a tremer enquanto seguravam o objeto e eu podia sentir meus batimentos cardíacos aumentando a cada segundo. Sem deixar que meus anseios voltassem e impedissem-me de ler o que havia ali, decidi abrir o objeto de uma vez.

Logo em sua primeira página havia algo que parecia uma cópia de uma matéria de jornal, já que a folha colada não parecia tão amarelada quanto deveria estar, considerando a data em que havia sido publicada. Ela exibia uma foto de um rapaz, em torno de seus vinte e poucos anos, vestindo um jaleco médico e sorrindo para a câmera. Não demorou muito para que eu reconhecesse a figura como sendo o Dr. James Lawrence, médico responsável pelo Merle e também assunto principal da matéria de Charles. Ele estava bastante jovem naquela fotografia em preto e branco a minha frente e, pelo título e seu conteúdo, o homem era aclamado na cidade inteira por ter sido um prodígio da área da medicina.

Ao passar para as próximas páginas do bloco de notas, notei que elas estavam preenchidas com mais matérias sobre o mesmo homem, todas o elogiavam pelos seus feitos e sua personalidade “caridosa e humilde”. Não sabia se ele havia mudado, mas era fato que eu não havia notado nada daquilo nele quando nos encontramos no hospital, para mim estava mais para arrogante e presunçoso. Era perceptível também, depois de ler mais algumas, que o fato de Edmund Lawrence ser seu pai parecia ser deveras relevante, pois seu nome era citado pelo menos duas vezes em cada matéria junto aos seus feitos.

Edmund Lawrence havia sido um cirurgião igualmente famoso em sua época e aparentemente havia sido um prefeito bastante aclamado e influente também, conquistando a aprovação do povo e, assim, mantendo sua posse por muitos anos seguidos.

O jovem Lawrence parecia uma cópia de seu pai, engomadinho em seu terno caro tanto quanto. Ostentava um semelhante sorriso quadrado em todas as fotos, que muitos achariam formidável e até mesmo merecedor de alguns suspiros, mas que para mim parecia forçado e até mesmo automático.

Depois que as páginas com as matérias acabaram, as folhas passaram a ter uma fotografia cada. Pelo o que eu havia notado, elas eram como fotos-chave, cada uma com um cenário diferente, um protagonista diferente, uma data diferente. A primeira de cara se tratava da residência do bairro de classe alta do dia em que segui Charles pela primeira vez, apesar de claramente não ter sido tirada naquele dia. O rosto do dono da casa agora era nítido para mim e eu não me surpreendi ao reconhecê-lo como o Dr. Lawrence.

Era como se aos poucos as peças começassem a se encaixar e tudo a fazer sentido.

As próximas variavam entre ele, uma mulher e uma pequena garota – que eu vira naquele dia e que reconhecia como sua esposa e filha – em vários locais diferentes: um restaurante, uma escola, o Hospital St. Louis, uma quadra de tênis, um salão de beleza e uma outra escola que, pela legenda, descobri ser de balé. Todas possuíam um endereço, uma data e um horário em baixo escritos na borda inferior branca da foto Polaroid e elas mostravam-me como aquilo não era novo, como ele vinha fazendo aquele tipo de coisa há um bom tempo.

Nenhuma delas havia sido tirada naquele dia em que eu o segui pela primeira vez, significando que havia muito mais fotografias além daquelas e que elas estavam provavelmente bem protegidas por Charles White em seu quarto.

Quando as fotos acabaram, a letra de Charles tomou conta das próximas páginas com anotações diversas sobre os nomes completos daquelas pessoas das fotos, números de telefone e algumas informações pessoais, que eu não conseguia imaginar como ele havia conseguido. O nome da esposa, pelo o que havia entendido, era Annie Lawrence e de sua filha Ivy Amelia Lawrence.

Já as seguintes pareciam ter sido feitas em sua entrevista com o próprio doutor. De início não havia nada de muito interessante, o texto era baseado em perguntas e respostas – algo típico de entrevistas –, tendo o foco basicamente em suas graduações, sua vida acadêmica, a rica família que viera e a que formara e etc. Além disso, era possível notar algumas observações feitas por Charles sobre o comportamento do Dr. Lawrence em certos momentos.

A coisa apenas começou a ficar estranha perto do seu fim. As perguntas pareciam hostis agora e pareciam conter um certo significado por trás delas, no qual eu não compreendia. Dr. Lawrence quis dar a entender que também não fazia ideia do motivo das mesmas, porém se as palavras proferidas pelo homem e suas ações descritas por Charles eram verídicas, elas passavam uma ideia totalmente contrária.

 

P: O senhor já teve outros romances no passado?

R: Antes de minha esposa? (risos nervosos) Só quando era jovem, mas nada demais. Apenas namoricos, coisas de adolescente, sabe como é.

P: E quando o senhor já estava casado? Nunca aconteceu de acabar dando uma pulada de cerca ou mesmo de envolver-se por um tempo com outro alguém, enquanto estavam separados ou brigados?

R: Perdão? Mas é claro que não. Eu amo minha esposa, nunca seria capaz de tal coisa. Machucá-la seja fisicamente ou emocionalmente é o meu pior pesadelo.

P: É mesmo? E essa empatia também vale em relação à todas as mulheres ou é algo especial somente para a Sra. Lawrence?

R: Mas é claro que isso conta para todas, eu abomino qualquer tipo de violência contra as mulheres.

P: E qual é a sua opinião sobre outro tema polêmico, o aborto, por exemplo? O senhor é a favor ou contra?

R: Desculpe, mas não estou entendendo o propósito dessas perguntas (leve gaguejo). Devíamos falar sobre minha vida e carreira e não assuntos triviais.

P: Então está dizendo que esses assuntos são triviais? Achei que a empatia era uma prática comum sua, pelo o que o senhor deu a entender. E se uma dessas coisas acontecesse com sua amada esposa ou com sua amada Ivy? Continuaria sendo um assunto trivial para o senhor?

R: Olha, rapaz, eu não sei aonde você quer chegar com tudo isso (ajeitou sua gravata com as mãos trêmulas nesse momento). Você tem mais alguma pergunta, alguma realmente relevante? Senão acabamos essa entrevista por aqui.

 

A entrevista continuou de forma um tanto vazia, com muito menos detalhes e mais perguntas de fato triviais, bem diferentes das que foram feitas anteriormente pelo jovem jornalista. Quando a mesma acabou, as folhas do bloco de notas quase acabaram em conjunto, restando apenas algumas em branco.

Passando-as uma por uma mesmo assim, para não acabar deixando algo escapar, notei que a última folha havia sido arrancada, já que seus restos mortais ainda estavam presos na fenda do objeto. Por um momento peguei-me pensando se aquilo havia sido proposital, se Charles sabia que o bloco acabaria em minhas mãos de alguma forma e resolveu arrancar aquela folha para eu não ler o seu conteúdo. Conhecendo-o como eu o conhecia, talvez aquele fosse mesmo o caso.

De repente tudo ia começando a se encaixar, apesar de diversas peças do quebra-cabeça ainda estarem faltando. Pelo menos a peça principal dele eu já possuía, que era James Lawrence. Afinal, tudo girava em torno dele.

Mas o que o famoso médico poderia ter feito para tornar-se tamanho alvo?

Era óbvio para mim agora que a matéria não havia sido o pontapé inicial para toda aquela história. Pelo o que pude entender, ele havia começado a investigá-lo antes mesmo de pensar em trabalhar no jornal. Só me restava descobrir se aquela matéria havia sido uma invenção sua para conseguir ter uma conversa cara a cara com Dr. Lawrence ou se havia sido uma coincidência, como uma oportunidade caída do céu. A primeira opção parecia muito mais palpável para mim, mas ao lembrar que o médico era de fato muito famoso e que frequentemente havia reportagens sobre o mesmo, a segunda deixava de parecer tão irreal assim.

Perdi a conta de quantas vezes voltei naquelas páginas, em todas elas, na esperança de achar algo que respondesse pelo menos uma de minhas perguntas, mas foi tudo em vão. Eu sabia que só havia uma fonte de onde eu extrairia todas as respostas para as minhas incontáveis perguntas e ela era Charles White, que, para o meu azar, não era muito conhecido por ser prestativo.

—––

Quando Charles cumprimentou-me no jantar daquele mesmo dia, eu mal conseguia conter-me de tanta ansiedade. Eram tantas perguntas a serem feitas, que mal sabia por onde começar.

— Alguma notícia do Sr. Baker? – Perguntou-me antes mesmo que eu pudesse abrir meus lábios dar início ao interrogatório.

A surpresa de sua súbita pergunta era tanta que precisei de alguns segundos para raciocinar se ele havia mesmo perguntado aquilo. Era algo inédito ver Charles se preocupando com outra pessoa além dele e era fácil ver que esse era exatamente o caso – que ele não havia perguntado apenas por perguntar –, apesar de estar com o rosto impassível o tempo todo.

— Sim, Martha me ligou hoje, enquanto você estava no trabalho. Disse que ele ainda está um tanto inseguro em deixar que familiares e amigos o vejam, mas que parece bem mais disposto do que antes pelo menos. Ele vai receber alta depois de amanhã já, mas não há previsões de quando vão reabrir a cafeteria – respondi, soltando um suspiro logo depois.

Ele balançou a cabeça em concordância, desviando os olhos dos meus para pegar uma porção de sua comida com o garfo.

— E o que você vai fazer? Está pensando em arrumar outro emprego?

— Não, na verdade, Martha disse que faz questão de me dar uma certa quantia no final do mês, mesmo eu dizendo que não precisava. Não tenho intenção de abandoná-los de qualquer forma, não é só pelo dinheiro mais, sabe? – Disse, sentindo um pouco de dificuldade ao verbalizar o que havia percebido há algum tempo, mas que nunca havia admitido até aquele momento. – Bom, não é como se eu tivesse muita experiência no currículo ou tivesse algum talento escondido esse tempo todo – ri sem humor algum, antes de dar um gole em meu suco.

— Bom, não foi o que eu vi dias atrás.

 Charles murmurou ainda com a cabeça baixa e eu não tive certeza se ele estava falando comigo ou apenas pensando alto. Mesmo assim depositei meu copo sobre a mesa e o questionei, franzindo o cenho:

— Como assim?

Ele finalmente levantou seu rosto e olhou-me nos olhos com os seus tão azuis e límpidos que eu tive que esforçar-me para manter o foco na conversa apenas. Sua expressão ainda era indiferente, mas era sua versão mais tranquila, aquela que não indicava hostilidade e que se tornava mais comum ao passar dos dias para a minha felicidade.

— Naquele dia da briga, enquanto você pegava o nosso jantar, eu dei uma folheada em um caderno de capa vermelha que estava em cima da sua escrivaninha. Eu sei, eu não devia – disse rapidamente ao ver meu olhar repreendedor e até mesmo assustado – mas o que eu quero dizer é que eu li o seu conteúdo e você até que leva jeito para a escrita.

— Você fez o quê?! – Minha voz acabou saindo mais exaltada do que eu planejava, mas eu pouco me importava no momento. – Charles White, quem te deu permissão?!

— Em minha defesa, eu só estava querendo passar o tempo, não fazia ideia do que tinha lá. E outra, ninguém mandou deixar o caderno em fácil acesso se não queria que ninguém lesse – revirou os olhos, fazendo-me bufar, irritada com seu atrevimento. – De qualquer forma, eu disse que é bom, então não estou entendo o drama. Você escreve bem, Autumn, devia me agradecer pelo elogio e não gritar comigo no meio do refeitório – respondeu em um tom calmo, como se estivesse entediado com o meu comportamento, totalmente o oposto de mim.

Não precisei olhar ao redor para saber que havíamos ganhado atenção de alguns órfãos que também jantavam. Não dei muita importância, já que aquilo se tornava cada vez mais comum, pois Charles e eu estávamos bem mais próximos depois do que acontecera e consequentemente estávamos indo contra as regras. Então apenas ajeitei-me em meu assento, enquanto sentia minhas bochechas começarem a arder ao finalmente perceber seu elogio, indicando que ficaria vermelha a qualquer momento agora. Abaixei minha cabeça e comecei a mexer na comida em meu prato com o talher, sentindo a pressão de saber que deveria dizer algo em troca agora.

— Obrigada – eu murmurei – mas não devia ter lido mesmo assim. Em todo caso, são só umas besteiras sem sentido que vêm na minha cabeça às vezes.

— Podem até parecer besteiras para você, mas são besteiras das boas então. Você sabe como contar histórias, sejam elas frívolas ou não, Autumn. Sabe que eu nunca diria essas coisas para você se realmente não acreditasse nelas – comentou, enquanto eu sentia seu olhar queimar-me. – Acho que é a primeira vez que eu te vejo assim – riu levemente e sem um pingo de esnobismo em sua voz ao notar a coloração das minhas bochechas. – Agora sim está dando jus ao apelido que eu te dei.

Fechei meus olhos com força, sofrendo por dentro por não ter controle do meu próprio corpo e xingando o rapaz a minha frente por ter feito questão de evidenciar isso, como se eu já não estivesse com vergonha o bastante.

— Cala a boca, White.

— Ah, voltamos à estaca zero então? Achei que estávamos construindo algo aqui, Pierce – disse em um tom cômico.

Levei minha cabeça e o olhei, esquecendo momentaneamente da minha situação anterior.

— Estávamos? – Perguntei, levantando uma das sobrancelhas e falhando miseravelmente em esconder um sorriso.

Ele olhou-me de volta e lançou-me um meio sorriso, que fez meu coração pular uma batida em expectativa. Logo depois ele deu de ombros, respondendo:

— É o que parece. – Ficamos em silêncio por alguns segundos, enquanto eu ainda processava o que aquilo significava, até ele dizer outra vez com um ar de insegurança quase imperceptível em sua voz. – E quanto a você?

Meu sorriso aumentou de tamanho sem minha permissão outra vez e eu abaixei a cabeça, tentando esconder o que infelizmente já não podia mais ser escondido.

— É o que parece para mim também.

— Aposto que o resquício da Autumn de sete anos atrás deve estar pulando aí dentro de você, aquela sardenta que parecia nunca ter visto uma escova de cabelo na vida – provocou ele em um tom cômico, rindo logo em seguida.

Charles parecia estar tão leve naquele momento, que era quase impossível não contagiar-me com suas brincadeiras e sentir-me da mesma forma. O sorriso formado nos meus lábios só aumentou e eu revirei os olhos, tentando dar a impressão que estava irritada com sua declaração, quando na verdade só queria ficar observando-o, desejando guardar aquele momento na memória para sempre. O modo como ele havia me descrito havia soado quase carinhoso para mim e eu meu coração pareceu decidir focar apenas naquele detalhe.

— Cala a boca, Charles – rebati outra vez, tentando esconder o sorriso. – Se ainda houvesse resquícios dela em mim, ela iria querer te esganar por ter sido tão babaca aquele dia quando descobriu que eu estava o seguindo. – Só Deus sabe o quanto ainda era difícil e vergonhoso admitir que fiz aquilo.

— É, pode ser, mas eu tive meus motivos e você conseguia ser bastante insistente na época, cabeça de fósforo. Mais irritante que atualmente e eu que achei que isso seria impossível.

Curvei-me um pouco na mesa e dei-lhe um soco no braço direito, mais como uma brincadeira, apenas incrementando ao clima deveras agradável que estava entre nós naquela noite.

— E você consegue ser mais dramático hoje do que antigamente, cara pálida.

A expressão em seu rosto ao ouvir-me dizer aquilo era impagável e nada do que eu jamais teria imaginado. Seus olhos claros estavam levemente arregalados e seus lábios estavam entreabertos e curvados em um sorriso que indicava que ele não havia ficado com raiva no fim das contas. Isso fez com que eu respirasse aliviada e relaxe de volta no banco, enquanto esperava pelo o que viria a seguir.

— Desde quando você está tão abusada assim? Pelo visto minha reputação está decaindo por aqui – disse, voltando sua atenção rapidamente para o seu prato.

— Olha, se estiver falando sobre sua reputação de “bad boy”, eu diria que “decaindo” não é bem a palavra depois do que aconteceu. Ela só decaiu para mim, já que você até que está bem tolerável agora, Charles, passar o tempo com você chega a ser incrivelmente agradável – respondi, dando de ombros e continuando com o clima brincalhão, enquanto rezava para que ele não acabasse tão cedo. Era bom ter aquele tipo de conversa despretensiosa com Charles.

Ele olhou-me quase que de súbito, um tanto surpreso, provavelmente pelo espécime de elogio que eu havia lhe dirigido. Talvez não estivesse acostumado a receber tal coisa ou apenas não esperasse aquilo de mim, mas o fato era que, mesmo que não sorrisse, algo em seu olhar dizia que o rapaz havia apreciado o meu ato de alguma forma.

Depois de um tempo em silêncio com seus olhos ainda sobre mim, pigarreei, tentando encontrar outro assunto logo, pois o clima estava ficando mais constrangedor do que o pretendido. Entre uma garfada e outra, lembrei-me de mais uma coisa que Martha havia dito em seu telefonema e tratei logo de dizer, sabendo que seria uma ótima oportunidade para fazer o convite.

— Então, – comecei, limpando meus lábios com guardanapo branco ao meu lado – Martha pediu para que nós fossemos visita-los esse sábado, assim o Merle já estará bem instalado em casa. Ela disse que poderíamos tentar convencê-lo outra vez a nos ver, agora que ele parece tão mais aberto à ideia.

— Nós? – Charles indagou, franzindo as sobrancelhas.

— Sim, nós – balancei a cabeça em concordância. – Mas é claro que você não precisa ir se não quiser. Não estamos te obrigando a nada, Charles – acrescentei rapidamente antes que ele pudesse acabar entendendo errado.

Ele também balançou a cabeça e passou a encarar algum ponto aleatório na toalha de mesa, parecendo ponderar sobre o assunto. Depois de um curto período de tempo, Charles finalmente respondeu-me, com os olhos agora grudados em seu prato:

— Sábado eu não vou poder, tenho uma coisa para fazer. Mas diga a eles que eu agradeço o convite e que fiquei contente em saber que recebeu alta.

— Ah, tudo bem – respondi um tanto surpresa com o que disse e, principalmente, por não parecer algo forçado. – Sem problemas, eu falo sim.

Voltei minha atenção para a bandeja e continuei a comer meu jantar, não conseguindo evitar sentir-me um pouco decepcionada. Se enfrentar Merle no sábado já seria difícil com ele ao meu lado, não queria nem imaginar como seria sozinha, sem seu apoio. Sem contar que sábado seria meu aniversário e eu meio que queria que ele estivesse lá, pois era um tanto óbvio que Martha não havia programado minha visita naquele dia à toa.

Ela sempre inventava de fazer uma pequena festa para mim, se é que poderia chamar de "festa", pois éramos apenas nós três. Martha cozinhava minha comida favorita e assava um bolo de aniversário para mim, mesmo depois de eu dizer milhares de vezes que não era necessário. Nós comíamos, dávamos risadas e no fim eles sempre me obrigavam a aceitar um presente que haviam comprado para mim. É claro que eu era grata, mas eles não tinham obrigação nenhuma de fazer aquilo por mim e ainda assim faziam. Era tocante e estranho, porque era o único momento do ano que eu sentia-me verdadeiramente em casa, mesmo que ela não fosse de fato minha. Aquilo sim era um lar e era triste pensar que nunca seria completo do jeito que o casal queria.

Anos atrás, Martha teve câncer no colo do útero e teve que retirá-lo antes que se propagasse para seus outros órgãos. Havia descoberto já em estágio avançado e isso havia a deixado sem muitas opções, impossibilitando-a de gerar um filho, que era o seu sonho. Ainda lembro-me do dia em que ela havia me dito aquilo, a dor em seus olhos amendoados e nos de seu marido, que logo tratou de segurar sua mão, dando-lhe apoio.

Sempre havia admirado secretamente o casal em vários sentidos, mas o principal deles era o tamanho do amor que nutriam um pelo o outro depois de tanto tempo juntos. Amor, esse, que parecia ser capaz de ultrapassar quaisquer e as maiores barreiras. Haviam sido o primeiro namoro um do outro, o que me deixava pasma com a tamanha sorte que tiveram. De vez em quando, quando eu permitia-me agir como uma adolescente normal, pegava-me pensando se um dia isso aconteceria comigo. Se um dia eu encontraria alguém que eu pudesse nutrir um sentimento tão forte quanto esse e que pudesse retribuí-lo da mesma forma.

— Autumn? – Ouvi a voz rouca de Charles chamar-me, tirando-me de meus pensamentos e atraindo meus olhos até si. – Não sei e acho que prefiro nem saber o que te fez viajar assim, só queria avisar que estou subindo já. Você vai demorar ainda?

— Ah, não, eu já acabei também – olhei uma última vez para a pequena porção de comida que ainda restava em meu prato, mas que já estava gélida demais para o meu gosto. – Vamos juntos, tenho que pegar um livro novo na biblioteca. Acabei aquele hoje de manhã e adivinha? Você iria adorar ele, o final é horrível, bem do jeito que você gosta.

—––

— Não, sério, você vai gostar desse – disse Charles, mostrando-me um livro de aparência tão decadente quanto às dos seus vizinhos de prateleira, ou melhor, quanto a de qualquer outro livro no acervo do orfanato.

Não me surpreendi nem um pouco ao ler o título da obra, “O Assassinato de Roger Ackroyd”, ou mesmo o nome de sua autora logo acima, Agatha Christie.

— Sério, o que você tem com livros de detetive, Charles? – Disse, rindo levemente e balançando a cabeça de um lado para o outro.

Caminhei até a estante em que ele estava e peguei o livro que me oferecia, pondo-me a analisa-lo, enquanto encostava-me ao objeto de madeira repleto de livros atrás de mim.

— Não tenho culpa se romance policial é o melhor gênero literário – deu de ombros ao meu lado, voltando a passar os dedos pelos outros livros despostos na estante.

— Bom, não é à toa que você escolheu ser jornalista – comentei, folheando as páginas amareladas e rindo nasalmente.

Ele parou o que fazia de repente e virou-se para mim.

— Não foi uma escolha, não de início pelo menos, mas acho que acabei pegando gosto.

Sorri com o que ele havia dito e quando levantei minha cabeça para olhar em seus olhos, eles estavam mais próximos do que eu esperava. Charles olhava de cima para o livro em minhas mãos, já que era mais alto do que eu, e tinha um pequeno sorriso formado no canto direito de seus lábios naturalmente avermelhados. Era possível sentir o calor emanando de seu corpo e seu cheiro adentrando minhas narinas, fazendo com que meu corpo relaxasse ao mesmo tempo em que meus batimentos cardíacos iam aumentando sem motivo aparente.

Seus olhos azuis, que ultimamente haviam se estabelecido apenas naquela cor, subiram até o meu rosto, parecendo estuda-lo por um tempo. Depois eles fizeram um caminho demorado até os meus olhos, que eram um contraste dos seus. Aquilo só serviu para que meu coração começasse a bater ainda mais rápido, deixando-me com medo de que ele pudesse ouvi-lo.

Eu estava evidentemente nervosa, era um fato, mas não fazia ideia do motivo.

É só o Charles, eu não sinto mais medo dele. Então por que minhas mãos estão trêmulas e minha respiração está tão rápida assim?

Procurando desviar minha atenção daquele sentimento ainda estranho, tentei pensar em algo para dizer, já que ele não parecia estar propenso a tal ato tão cedo. Ao olhar para o livro em minhas mãos e lembrar-me de seu tema, acabei lembrando-me também do bloco de notas pertencente a Charles, que eu havia passado boas horas lendo repetidamente aquele dia.

"É agora ou nunca."

— Eu finalmente li – eu disse subitamente, enquanto analisava as páginas amareladas da obra que Charles havia me indicado, mais como uma desculpa para não encará-lo do que qualquer outra coisa.

Não podia ler seu rosto para saber o que estava pensando sobre aquilo, mas, em compensação, eu podia ler sua linguagem corporal. Pela troca de peso de uma perna para a outra e pelo ato de colocar as mãos para dentro dos bolsos de sua calça, eu quase podia vê-lo franzindo o cenho, confuso, não entendendo muito bem o que eu queria dizer com aquela frase.

— O quê? Esse livro? – Sua incerteza era clara em seu tom de voz, apesar de estar baixo por conta da aproximação de nossos corpos. – Achei que nunca tinha lido nada desse gênero.

— Bom, nunca tinha lido até hoje de manhã – disse, sentindo-me incerta também, não sabendo exatamente onde estava indo com aquilo. Porém acabei soltando um riso fraco ao perceber que seu bloco de notas parecia mais interessante do que qualquer outro livro do gênero que ele pudesse me indicar. – Na verdade, o que eu li consegue ser melhor do que um simples livro de romance policial e contém ainda mais suspense por se tratar de algo real.

Não resisti a assistir sua reação depois daquilo. O alvo rapaz ao meu lado levantou as sobrancelhas, compreendendo finalmente do que eu me tratava, assim como eu achei que faria. Ele virou seu corpo de frente para mim, cruzou os braços e apoiou-se lateralmente no móvel atrás de nós, lançando-me um de seus sorrisos vitoriosos.

— Não é que você teve coragem, Pierce. Confesso que como você não disse nada esses dias sobre o assunto, eu pensei que havia desistido de vez e deixado que seu medo fosse maior que sua curiosidade. Mas é claro que não foi o caso, você nunca me decepciona.

Não pude evitar revirar meus olhos ao ouvir suas suposições sobre mim. Estava irritada por não poder retrucar, já que elas não eram tão infundadas como eu gostaria.

— Isso não importa, White. O que importa é que agora eu tenho perguntas e você precisa respondê-las.

Charles soltou uma leve risada, que na minha cabeça soou como se ele estivesse rindo da minha cara, zombando da minha situação por algum motivo. O rapaz então voltou sua atenção para os livros atrás de nós dois, passando os olhos sem muita pressa pelas capas gastas e dizendo-me em seguida:

— Bom, isso é uma pena então, pois nisso eu não poderei te ajudar.

Desencostei-me de súbito do móvel antigo de madeira e o encarei, completamente indignada com o que havia escutado. Ele, ainda sem tirar seus olhos de um livro que havia acabado de pegar, lançou-me o mesmo sorriso lateral de sempre, que me fazia ter vontade de tirá-lo do seu rosto com meus próprios punhos quase todas as vezes que dava o ar de sua graça.

— O quê?! Você não pode estar falando sério – eu disse, cruzando os braços e rindo de nervoso, querendo acreditar que era uma piada, quando meu lado lógico sabia que isso era claramente algo que Charles White faria.

— Você e eu sabemos que estou – retrucou e virou apenas sua cabeça em minha direção, mostrando-me o mesmo sorriso insuportável, porém, ainda assim, irritantemente atraente.

— Mas eu não entendo – nesse momento eu já havia perdido todo o controle, ele havia conseguido me desestruturar só naqueles míseros segundos. Minhas mãos gesticulavam no ar, enquanto meu cérebro ia mandando as palavras para serem proferidas em alguns tons acima do meu usual. – Se você nunca iria explicar o seu conteúdo em primeiro lugar, por que me deu aquela merda então? Só para me matar de curiosidade? Se for, meus parabéns, porque tudo está caminhando para esse fim.

Aparentemente se divertindo com o sofrimento alheio, o rapaz de olhos claros virou seu corpo inteiramente em minha direção outra vez, guardando o livro que segurava e voltando a diminuir a distância entre nossos corpos.

— Melhor do que isso, Autumn, eu estou dando uma espécie de enigma para você, e somente você, decifrar. O que seria melhor que isso para alguém tão curioso quanto você? – Aproximou-se ainda mais e sussurrou em meu ouvido: – Não há de quê.

Dei um passo para trás, apenas o suficiente para que eu conseguisse ver seu rosto, entendendo finalmente aonde ele queria chegar com tudo aquilo.

— Você quer que eu mesma descubra as respostas para as minhas perguntas – afirmei, enquanto mantinha o olhar desfocado, refletindo sobre a ideia e não acreditando no que Charles havia sido capaz de armar.

Por ainda estarmos relativamente perto um do outro, sua mão não precisou percorrer uma longa distância para encontrar a trança lateral que eu havia feito no cabelo mais cedo, passando os dedos pelas mexas cobreadas entrelaçadas em um ato totalmente inusitado e até mesmo um tanto íntimo por se tratar de Charles.

— Exato. Afinal, não era o que pretendia fazer desde o início quando me seguiu aquele dia? – Perguntou, sorrindo levemente de um jeito um tanto nostálgico. – Eu te dei um objetivo, Autumn, pode não ser de vida, mas quem sabe isso não pode muda-la de alguma forma? Ou pelo menos mudar a visão que possui de mim, só não posso te garantir que será positivamente.

Aquilo havia servido apenas para me deixar ainda mais apreensiva e indecisa, não sabendo se deveria continuar a me envolver mais e mais naquela história ou não. Mas ao olhar para o rapaz a minha frente, sorrindo-me de jeito misterioso e com seus olhos fixados nos meus, eu sabia que não tinha como eu cair fora agora e esquecer que tudo isso aconteceu, eu já estava envolvida demais para ser capaz de tal coisa.

— Estranho – murmurou de repente, parando a poucos centímetros do meu rosto e fazendo com que eu prendesse minha respiração sem nem mesmo notar. Seus lábios reproduziram um pequeno sorriso, enquanto seu cenho franzia levemente. – Não tinha reparado que seus olhos eram meio verdes também.

O meu cenho fez o mesmo que o seu e franziu-se ao ouvir o que ele havia dito. Além de ter soltado aquilo do nada e mudado de repente de assunto, havia também o fato de que ninguém nunca havia reparado naquilo, nem eu mesma para falar a verdade. Para mim eles eram um castanho claro sem graça, não havia porque prestar qualquer atenção à eles.

Charles continuava encarando-me intensamente, como se estivesse memorizando cada pincelada de tom mais esverdeado que ele dizia existir em minhas íris. Aquele contato visual, ao contrário do eu imaginava, não me causava desconforto. Era uma sensação esquisita, sentia-me como se estivesse afundando cada vez mais ao passar dos segundos e eu tive que desviar meus olhos dos seus, antes que fosse tarde demais e eu me perdesse para sempre ali.

Sem qualquer pretensão, eles desviaram-se para seus lábios, ainda levemente repuxados para cima e agora um pouco entreabertos. Meu coração descompassou por um instante e inconscientemente umedeci meus próprios lábios. Eu não queria, mas foi impossível não acha-los bonitos e atraentes. Visivelmente macios e avermelhados em seu tamanho mediano, nem grossos demais ou finos demais. E quanto mais eu os olhava, mais pensamentos indesejados surgiam em minha cabeça.

E justamente para que eles parassem, tentei pensar em algo a dizer. Algo que de preferência não fosse sobre aquele assunto, o que parecia uma exigência grande demais para minha capacidade mental naquele momento.

— Talvez seja porque você nunca esteve tão próximo assim, Charles – eu finalmente consegui dizer, ou melhor, sussurrar, engolindo em seco e rindo de nervoso logo depois, numa tentativa de aliviar o clima que parecia ter mudado tão de repente.

Depois disso o rapaz piscou algumas vezes e olhou rapidamente para baixo, notando o quão próximos estavam nossos corpos, só para depois voltar o olhar para o meu rosto, parecendo agora levemente inseguro. Notei quando seu pomo-de-adão movimentou-se, indicando que ele havia engolido em seco, e ele umedeceu os próprios lábios. Cada movimento seu parecia interferir diretamente com cada célula do meu corpo, obrigando-me a sentir arrepios involuntários e acelerações cardíacas repentinas.

Porém ao me aventurar no mar azulado de seus olhos outra vez, a insegurança já não estava mais lá, era como se Charles nunca tivesse a sentido em primeiro lugar. Não havia mais como ler sua expressão, apenas sentir a intensidade de seu olhar e sua leve respiração, que saia por entre seus lábios. De repente ele aproximou-se ainda mais e eu surpreendi-me, principalmente por ter achado ser impossível estarmos mais próximos que isso.

A ponta do seu nariz quase se encostava à ponta do meu quando ele sussurrou de volta:

— Isso te incomoda, Autumn? – Meu nome no final de sua frase havia soado de um jeito que eu nunca havia escutado em sua voz antes e que fez com que os pelos de meu corpo se arrepiassem sem minha permissão.

É claro que Charles havia se dado conta daquilo para o meu azar. Desviando o olhar do meu por um momento, ele aproveitou para passar as pontas de seus dedos frios sobre meu antebraço desnudo devido a minha manga arregaçada. Eles subiram e desceram, um tanto incertos, em linha reta sobre minha pele ainda arrepiada, enquanto seus olhos voltavam a grudar-se em mim para assistir cada reação minha.

— Está com medo? – Seus lábios sussurram-me, enquanto seus dedos faziam um caminho demorado para as minhas mãos e depois para os nós formados em meus dedos por apertarem o livro com toda a força que possuíam, sem eu ao menos perceber.

Parando de observar seus movimentos audaciosos e dirigindo meus olhos para os seus, de alguma forma eu soube, um pouco assustada, que não era bem aquilo que eu estava sentindo em relação a ele.

— Não – respondi-lhe sincera e com a voz ainda no mesmo volume em que falávamos, não havia motivo para mantermos uma conversa em um tom tão baixo, mas fazíamos mesmo assim. Também não era como se fosse preciso muito esforço para ouvirmos um ao outro, devido a nossa proximidade. Eu até mesmo agradecia por aquilo, pois, caso o contrário, a probabilidade de minha voz falhar seria bem maior.

— Não? – Questionou-me de volta, aparentemente um pouco surpreso por minha resposta.

— Não sinto mais medo de você, Charles, e isso já faz um bom tempo na verdade – um suspiro escapou de meus lábios quanto o seu nariz encostou-se ao meu novamente, enquanto ele ajeitava-se em uma posição mais confortável sobre a estante atrás de nós dois, escorando seu ombro direito sobre a mesma.

Seus olhos encaravam-me curiosos e um tanto ansiosos, dando-me sua total atenção, enquanto ele perguntava em seguida:

— Então o que sente por mim agora? Quando estou a essa distância de você?

Meus batimentos cardíacos aumentaram ainda mais para a minha surpresa e eu comecei a ficar preocupada ao ponderar sobre as possibilidades de eu sofrer um ataque cardíaco naquele momento. Talvez fosse até melhor que eu sofresse um para não ter que dizer o que teria que dizer em seguida para ele, já que mentir para Charles White não era mais uma opção.

Sentia-me quente, tanto pelo calor corporal proporcionado pelo rapaz a minha frente quanto pelo meu nervosismo, e as pontas de seus dedos frios tocando-me eram o único alívio que eu possuía. Os dedos de minha mão esquerda soltaram aos poucos a capa do livro e eu os observei dobrarem-se e tocarem suas superfícies quentes sobre as frias dos dedos de Charles como se tivessem vida própria.

Eu não sabia o que estava fazendo, de fato, já fazia algum tempo que isso vinha acontecendo e numa frequência que estava começando a deixar-me preocupada. Meu lado racional não era tangível naquele momento, não quando meu coração estava acelerado daquela forma e Charles estava tão próximo de mim, perguntando-me tais coisas e penetrando minha alma através dos meus olhos.

Apenas concentrei-me em entrelaçar meus dedos nos do garoto lentamente, com anseio de sua reação e incapaz de olhar em seus olhos, ao dizer-lhe a verdade:

— Eu... realmente não sei, mas não sinto vontade de te afastar.

Observei, com a respiração um tanto ofegante, quando seu corpo enrijeceu ao meu lado e ele ficou em silêncio por um tempo. Era como se seu corpo tivesse mesmo parado de funcionar, já que nem sua respiração eu sentia mais batendo contra minha pele. Levantei minha cabeça, começando a ficar preocupada, e dei de cara com seus olhos azuis colados em meu rosto e seus lábios ainda entreabertos paralisados na mesma expressão neutra. Mudei meu olhar de um olho azul para o outro, aguardando ansiosa por uma reação e já não aguentando mais a expectativa.

Quando seus olhos movimentaram-se, mudando as suas íris de direção, suspirei um pouco aliviada, sabendo que uma resposta para o que eu havia dito estava prestes a chegar. Mas quando eu finalmente percebi em que direção ele estava olhando já era tarde demais. As mãos frias de Charles já encaixavam-se nas laterais de meu rosto e os seus lábios encaixavam-se nos meus.

Tudo o que eu conseguia pensar era como os seus lábios estavam macios e quentes sobre os meus, exatamente como eu havia imaginado mais cedo em um ato indevido. Tudo começou a se passar lentamente e suavemente enquanto eu fechava os olhos e sentia os seus lábios começarem a movimentar-se sobre os meus de modo calmo, como se estivesse testando a maneira que eu reagiria a cada movimento mais ousado seu.

Eu não sabia o que pensar sobre aquilo, era como se minha mente tivesse desligado de vez, mas ao invés de entrar em pânico, eu resolvi apenas entregar-me a aquelas sensações novas, optando novamente por agir por impulso. Guiei minhas mãos para frente de seu suéter e segurei o tecido entre meus dedos, trazendo seu corpo para mais perto do meu. No processo, acabei deixando o livro cair e amaldiçoei-me logo em seguida, pois, um segundo depois, seus lábios não estavam mais sobre os meus e suas mãos já não acariciavam mais o meu rosto.

Apesar disso, meus olhos continuaram fechados, enquanto eu procurava agarrar-me na sensação de seu beijo e começava a sentir-me incomodada com o súbito frio que fazia naquela sala.

Eu podia ouvir o som da minha e da sua respiração soando pelo ambiente, totalmente ofegantes. E essa era a única prova que eu tinha que ele ainda estava ali e que aquilo havia acontecido de fato, que não era só minha imaginação fértil.

Os segundos passaram-se e minha respiração voltava ao seu ritmo normal, apesar do meu coração ainda estar acelerado, sem qualquer previsão de quando também normalizaria. Eu ainda mantinha os olhos fechados, como uma covarde, sem coragem de enfrentar o que precisava e que uma hora teria de ser enfrentado.

Senti uma movimentação a minha frente e de repente sua mão fria segurou a minha, antes de colocar o livro que havia caído sobre ela. Senti seu corpo aproximando-se do meu através de seu calor corporal e prendi minha respiração, ansiando pelo o que viria a seguir e desejando interiormente ser uma repetição do gesto anterior.

Seus lábios ainda molhados tocaram minha bochecha e eu soltei minha respiração, permitindo-me relaxar outra vez, apesar de sentir-me um pouco decepcionada. Sua testa, então, uniu-se a minha e seu nariz encaixou-se ao lado do meu, enquanto sua boca - para a minha surpresa e completo deleite - ia escorregando levemente até a minha, sem de fato encostá-la.

Apertei o livro entre minhas mãos, tentando conter a vontade de juntá-las outra vez e buscando ficar parada, no aguardo do que viria a seguir.

— Por algum motivo, eu também não sinto vontade de te afastar – ele sussurrou nos meus lábios, fazendo com que eles se roçassem bem de leve ao pronunciar certas sílabas. – Boa noite, Autumn.

Antes que eu pudesse tomar alguma providência sobre o assunto ou que pudesse ao menos desejar-lhe uma boa noite, eu já não sentia mais sua presença. Quando finalmente tive coragem para abrir os olhos, a porta de madeira da biblioteca terminava de fechar-se, deixando-me completamente sozinha, frustrada e, acima de tudo, confusa com o que tinha acabado de acontecer.

Encostada sobre a estante, deixei minhas pernas cederem até que eu alcançasse o chão. Um longo suspiro não pode ser segurado quando me dei conta de que a mesma pessoa que havia me proporcionado uma das piores experiências meses atrás, havia também acabado de me proporcionar uma das melhores, e tudo isso naquele mesmo lugar: naquela velha biblioteca, daquele velho orfanato, com todos aqueles velhos móveis e velhos livros, que nunca seriam lembrados da mesma forma depois daquela noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, é isso por hoje, espero que não tenha decepcionado nenhum de vocês.

Como de praxe, sintam-se livres para deixar suas opiniões, teorias, sugestões, críticas, conflitos amorosos, receitas de bolo ou qualquer outra coisa, porque eu vou adorar ler tudo.

Ah, e caso vocês encontrem algum erro, não se esqueçam de me avisar. Não duvido muito que tenha, porque essas 7 mil palavras me deixaram com o cérebro fritando.

Muito obrigada a você que leu até aqui, por toda a paciência e por ainda continuar acompanhando essa estória. Espero que você tenha gostado e que a espera tenha valido a pena pelo menos.

Te vejo na próxima! ♥


Tati.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Autumn Leaves In a Snowstorm" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.