Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 60
Loucura




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loucura

LUKE, 12 ANOS.

O acampamento não era como Luke esperava. Ele esperava cabines duplas, banheiros individuais, atividades interessantes como arco e flecha, descer de rapel, aprender a fazer fogueiras pelo atrito entre duas pedras e, claro, festas até altas horas e escapamentos para as cabines vizinhas.

Mas, é claro, os filmes enganavam e Luke não conseguiria dizer a sua irmã que suas férias foram melhores do que as dela, porque o que ele tinha, onde ele estava era um campo de ditadura.

Luke suspirou enquanto rolava na sua cama às 20 horas, cansado demais para dormir e proibido de se levantar, pois as luzes se apagavam às 19 horas e qualquer um que fosse pego fora da cama teria que lavar os pratos. Todos os pratos. De todos os que estavam lá. De todos os campistas e tutores e responsáveis e o que fossem. E isso era tudo que Luke não queria.

—Você vai cair dessa cama – murmurou seu colega na cama de baixo da beliche. – E, quando isso acontecer, eu vou rir de você.

—Estou torcendo para isso – disse Luke em retorno. E contra seu melhor juízo, sua certeza que aquela era uma péssima ideia, ele olhou para baixo e viu desenhos antigos, pequenos quadradinhos, se movendo. - Oh – sussurrou, admirado. – Isso é um vídeo game?

Talvez algo em seu tom de voz tenha parecido encantado, como se conhecesse alguém da realeza, entretanto aquilo era um videogame e tudo que Luke mais queria era algo tecnológico em suas mãos, seus dedos coçavam para pegá-lo, como se fosse um gatinho pedindo para ser acariciado, e fazia o que? Apenas um dia no acampamento e Luke já estava ficando louco.

—Não – negou seu colega, embora fosse óbvio para Luke que era um videogame, quase esperando que ele escondesse e o ameaçasse, mas seu colega não escondeu o vídeo game, apenas o olhou e corrigiu, irritado: – Isso é um videogame antigo portátil.

—Videogame antigo portátil, vídeo game, qual é a diferença? – questionou Luke.

—Como você não consegue entender a diferença? – questionou seu colega, balançando a cabeça incrédula. – Isso funciona a pilhas! – ele exclamou. – Esses videogames de agora usam energia!

Luke fechou os olhos por um momento, fechando as mãos em punho por um momento e então respirou, abrindo as mãos devagar. Não importava para onde ele ia, onde ele estava, Luke Hemmings estava cercado de pessoas loucas, obsessivas por gramática e nerds – salvo sua irmã que era geek. Luke suspirou, abrindo os olhos, decepcionado por estar ficando igualzinho a elas, auto corrigindo-se, e perguntou:

—Posso jogar?

—Não.

—Por favor?

—Não.

—Eu tenho quase certeza que ter um videogame antigo portátil é proibido – ameaçou Luke num sussurro, tão assombrado quanto seu colega com o que fazia.

Tipo... Qual foi a última vez que ameaçou alguém e não foi ameaçado? Num tempo muito, muito distante, numa terra muito, muito longe, numa vida muito, muito antiga... Luke não conseguia se lembrar quando foi um mau caráter e chantagista, não fazia parte do seu DNA – ele estava realmente pegando a loucura da família, estava no seu DNA afinal.

—Você está me ameaçando? – perguntou seu colega, olhando para cima devagar.

—Hã... – Luke olhou ao redor, observando que todos dormiam, que o responsável por eles roncava, antes de concordar, hesitante: – É...

—Você chamou isso de videogame antigo portátil?

—Sim...

—Eu sou Michael – apresentou-se Michael, passando o videogame antigo portátil como um presente de boas vindas.

—Luke – disse Luke automático, não pegando. – Por que você...

—Vamos, pegue – insistiu Michael, balançando o aparelho. – Você é o primeiro daqui que me ameaçou, eu me sinto emocionado.

—Okay – disse Luke lentamente, esticando os dedos devagar, esperando que aquele garoto dissesse que tudo era mentira, uma brincadeira. – Você é... Tem algum...

—Se sou louco? Tenho algum problema? – completou Michael as perguntas não feitas. – Sim, pode ter certeza que sim. E você é irmão da Julie?

—Como você...

—Vocês são idênticos – respondeu Michael antes que Luke fizesse a pergunta.

—Não, não somos – retrucou Luke, irritado. - Julie é Julie e eu sou eu, não somos nada parecidos.

Como alguém podia achar que ele e sua irmã eram idênticos? Eles não eram nada parecidos. Tudo bem que ambos eram loiros, tinham olhos azuis e tamanhos iguais, contudo não havia mais nada parecido. E Luke tinha juízo, tinha a cabeça no lugar, enquanto sua irmã...

—É o que eu digo sobre videogames antigos portáteis e videogames – comentou Michael calmamente, de modo petulante e provocador. - E – completou ele – você não pode dizer que sou louco ou tenho algum problema tendo ela como irmã.

Luke não podia discordar. Seria muita hipocrisia chamar as pessoas de loucas ou dizer que tinham problemas quando tinha Julie como irmã, mas...

—Eu posso – afirmou Luke. – Porque essa é Julie e não eu, e não é como se fosse mentira.

—Verdade e verdade – concordou Michael, inclinando a cabeça para o lado, pensativo. – Em ambos os casos.

—E não chame mais minha irmã de louca. Ela não é louca. Ela é apenas... – Luke pensou em algo que não fosse mentira e nem ofensivo. Era difícil, a verdade doía. – Excêntrica.

—Você sabe – começou Michael – é assim que são chamados os...

—Michael - avisou Luke simplesmente, esperando que Michael percebesse que ele estava sério.

Havia um limite ali sobre o que brincar e o que não deveria chegar nem perto, e Michael tentava ultrapassar tudo. E Luke não gostava desse tipo de brincadeira. Quando diziam que sua irmã era louca não era um elogio e Luke não gostava de ouvir ninguém falando mal da sua irmã. Ele era o irmão dela! Ele a protegeria sempre! Mesmo quando estivesse errada!

—Tudo bem – rendeu-se Michael. – Sem verdades ofensivas.

—Obrigado.

—E aquele seu amigo...

—Calum – respondeu Luke, embora... pudesse não ser Calum.

Calum não era o seu único amigo, mas, para Luke, as palavras eram meio que correlacionadas – amigo é igual a Calum, amizade tinha sobrenome Hood.

—É, Calum – concordou Michael. – Ele é...

—Não é da sua conta – salientou Luke, sem saber o que Michael queria, mas fosse o que fosse não era da conta dele.

Sempre que uma conversa começava com "ele é...", como se quisessem que Luke confessasse algum segredo, dissesse algum fato obscuro e maligno do seu amigo, Luke sentia-se ranzinza. Não era da conta de ninguém e se fosse quem diria seria o próprio Calum. O que eles esperavam? Que Luke não fosse um amigo e fosse a primeira pessoa a falar mal dele, quando virasse as costas? Essas pessoas eram as verdadeiras loucas.

—Sim, o que for que você ache que eu quero saber não é da minha conta – concordou Michael. - Mas eu só queria comentar que ele não fica muito longe na categoria... Você sabe. Loucuura – cantarolou.

—Calum é a pessoa mais centrada que conheço – discordou Luke, balançando a cabeça. Aquele era um dos casos que se Calum fosse louco, qualquer pessoa seria.

—Sim – disse Michael, não acreditando. – O que quer que você diga.


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