Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 6
Feliz


Notas iniciais do capítulo

Esse silêncio é realmente constrangedor.



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feliz

CALLIE, 4 ANOS. LUKE, 4 ANOS.

De longe, Callie observou, impressionado, sua irmã fazer amizade. Era assim que se fazia amizade? Você chegava, apontava para uma folha em branco e dizia o quanto “adolou sua boboleta”? Porque foi o que Malia fez. Olhando-a fazer isso, parecia até fácil. Sorria, seja você...

É claro, isso era fácil para Malia porque Malia era Malia, se fosse Callie ali, no lugar dela... Sem chance de estar fazendo amizades. Sem chance de ter visto uma borboleta numa folha em branco. Sem chance da garota ter olhado como se obvio e sorrido como se não pudesse não retribuir o sorriso da sua irmã – apesar de estar tão longe, daquele sorriso não ser seu, Callie não pode não retribuir o sorriso da sua irmã, o fato da garota não ter podido não retribuir o sorriso de Malia não deveria ser usado contra ela.

—Por que você está encarando minha irmã? – perguntou um garoto, olhando-o desconfiado.

Callie pulou, piscando e piscando ao olhar para o garoto sentado ao seu lado. Ele estava falando com... Aquele garoto falava... Alguém conversa consigo? Callie não podia acreditar.

Certo que seus olhos estavam arregalados, Callie olhou ao redor e, sim, aquele garoto falava consigo. Ou, talvez, já que era irmão daquela garota da borboleta invisível, ele falava com algum amigo igualmente invisível. Era possível. Tudo era possível. Callie não estava ali para julgar.

Olhando para aquele garoto – Luke, se Callie leu certo a placa de identificação na sua blusa (não é porque nunca foi para a escola eu não sabia ler!) – não parecia que ele falava com algum amigo imaginário, parecia que ele olhava para Callie. Realmente, realmente olhava. Callie se viu encarando-o porquê ele fazia o mesmo. E, se ele fazia o mesmo, devia estar tudo bem fazer o mesmo, não?

—Eu estou falando com você – disse Luke, quase cutucando seu braço, mas parando antes, olhando quase como se pedisse permissão.

—Não me toque – avisou Callie, percebendo que ele tinha parado e franzindo a testa. Por que Luke parou? E questionou antes que ele achasse que tinha alguma coisa de errado: – Por que você está encarando a minha irmã?

—Eu não estou encarando a sua irmã – discordou Luke.

—E nem eu a sua – disse Callie simplesmente antes de desviar os olhos para sua folha em branco. Realmente, realmente em branco. O que desenhar? Callie queria ter tanta coragem quanta aquela menina que sua irmã conversava e desenhar o que queria, dizer o que pensava.

Luke não sabia o que dizer, como agir. Callie lembrava-lhe de sua irmã, agindo sem perceber a reação dos outros, mas ele não podia dizer se ela se importava ou não com a opinião alheia. Sua irmã não se importava, mas nem todas as garotas eram como sua irmã.

—Eu não gosto de você – disse Luke depois de um minuto.

Ele não gostava de não entender algo, ele não gostava de Callie em tudo, do sentimento de que algo estava errado quando olhava para ela, como ela parecia tão triste e desanimada. Deslocada. Como ele não sabia o que fazer para ajudá-la. Com Julie era simples, Julie sempre dizia o que queria, o que esperava, mas... Callie queria algo, parecia esperar algo, e Luke não gostava do sentimento de ser o culpado por aquela tristeza.

—Eu não pedi que você fizesse – murmurou Callie, de mal humor... Parando.

Olhando fixamente para o papel, Callie percebeu que não se sentia mal por isso, embora esperasse que se sentisse mal por isso. Luke tinha dito “eu não gosto de você”, ele tinha dito realmente aquelas palavras e... e Callie não se importava.

Luke tinha dito aquelas palavras como se ele próprio não soubesse o que significava não gostar de alguém, e ele tinha dito aquelas palavras sem conhecer Callie. Luke não gostava dele não porque ele era ele, mas porque... porque sim. Não existia uma razão para isso e Callie não podia estar mais feliz.

—Você quer ajuda com... Algo?

—Ahn?

—Seu braço quebrado? – tentou Callie, apontando.

—Você está... oferecendo ajuda? – perguntou Luke, cético. – Depois que eu disse que não gosto de você?

Callie franziu a testa. Ele era surdo?

—Sim – assentiu, devagar.

Luke não a entendia.

 

—Com licença... – cutucou uma garota. A garota que sua irmã estava conversando horas antes. A irmã de Luke.

—Hum? – murmurou Callie. Ela devia ser tão irritante quanto o irmão.

A garota apertou os olhos e os lábios e franziu o nariz, como se estivesse diante de algo repugnante, antes de dizer:

—É falta de educação não olhar para alguém quando ela está falando com você.

—Hum? – murmurou Callie, novamente, levantando a sobrancelha, esperando que aquela garota desistisse do que quisesse e desaparecesse da sua frente, mas ela sorriu.

—Eu sou Julie. E eu vou ser sua amiga se você for meu amigo.

Julie tinha olhos azuis, percebeu Callie. Olhos azuis que nem o irmão. E tinha dito que seria sua amiga se fosse amigo dela.

Callie sorriu e pensou no quanto isso era fácil, no quanto sorrir era fácil quando você encontrava a pessoa certa, que aquela não era uma habilidade exclusiva da sua irmã, porque Callie sorriu e Julie retribuiu sem pensar. Menos animada e menos abertamente do que o sorriso que tinha dado a Malia, mas tão caloroso quanto. E aquele sorriso era seu. Callie não poderia estar mais feliz.


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