Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 39
Aqui OU Ali




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aqui OU ali

CALUM, 11 ANOS.

O primeiro passo, Calum sabia (tinha aprendido) era sair da cama - colocar os pés no chão já era meia batalha ganha, embora as vezes ele tocasse, sentisse o piso gelado, e então os retirasse rapidamente, porque era muito frio para ele aguentar sozinho.

Seus dedos tocaram hesitante o chão, torcendo para estar gelado e ter uma desculpa para continuar deitado, mas o chão estava quente. Seus pés estavam quentes. Seus pés estavam de meia.

Olhando-os, movimentando-os para ter certeza que calçava meias cintilantes e estreladas, demorou um pouco para Calum lembrar que ele tinha realmente calçado e estava acordado, que ontem tinha sido real.

Calum fechou os olhos, balançando os pés e sentindo apenas as pontas dos dedos deslizando suavemente contra a cerâmica, e pensou que ontem tinha sido um bom dia e que ele havia dormido de meias querendo que hoje também fosse e que nada (ele próprio) impedisse.

Calum ainda podia sentir Julie deitada ao seu lado e Luke aos seus pés; ela falando enquanto seu irmão lia e Calum apenas ali, não escutando nem não ouvindo, mas apenas... ali.

Sua irmã não estava com eles e havia aquele espaço vazio, aquela sensação de buraco negro no seu estômago que sugava tudo, e Calum... apenas... ali.

Estar com seus amigos era tão bom, não ter a sensação de estar sendo julgado era maravilhoso. Aquela companhia silenciosa e ainda sim confortável? Aquele era o tipo de silêncio (não que Julie estivesse calada) que Calum gostava, que o fez se sentir bem, quase-que-completamente bem, porque o espaço vazio estava.

(E sempre estaria.)

Mas que era - que foi - de alguma forma, suportável.

Parado no alto da escadaria, Calum pensou se não deveria voltar alguns passos e fingir que não ouvia o que diziam, mas ele queria ouvir. Ele queria saber o que pensavam, o que escondiam.

—Se você sair por essa porta - disse Kora, sua mãe, apertando as mãos em punho fechado - saiba que você não entrará mais por ela, que eu não estarei em paz enquanto não arrancar todos os centavos das suas contas. E, oh, eu conheço muitas.

—Você acha que irá conseguir?

—Veremos - disse ela categórica.

—Você acha que eu me importo? - questionou Noah, recuperando-se rapidamente da sua breve hesitação. Ele se importava, oh, como ele se importava. - Eu estou cansado de você me dizendo o que fazer!

—Você está cansado de eu não estar mais te escutando - retrucou Kora, sem pestanejar.

—Se eu sair por essa porta - ameaçou Noah. - Saiba que...

—Vá - interrompeu Kora. - Apenas vá embora de uma vez.

Calum olhou de um para outro, sem acreditar que aquilo acontecia. Seus pais..  estavam... se separando? Sim, não era como se eles se amassem profundamente e Calum não pudesse acreditar, mas eles acreditavam em casamento para todo o sempre - e não por motivos religiosos, de votos e promessas, mas porque se separar seria uma vergonha e ter Calum Hood como filho já era o suficiente.

(Calum sabia disso, mas ouvir as próximas palavras ainda o matou, ainda o fez fechar os olhos e ficar triste por ontem ter sido um bom dia, por ter acreditado que hoje também seria.)

—Eu estarei mais feliz longe de você e daquela outra que... - A mão do seu pai apontou para a escada e seus olhos seguiram a mesma direção, finalmente o vendo.  - Callie.

Noah deu alguns passos em sua direção, cambaleando como se estivesse bêbedo, mas sua mãe o parou, firme e forte e inabalável. Suas unhas pintadas de preto descascado empurrando o peito do seu marido, segurando-o, impedindo, empurrando-o para fora de casa

—É Calum - disse ela, rangendo os dentes. - E nunca mais volte.

—Mãe - murmurou.

Calum pensou... Ele não sabia, ele não estava pensando sobre pensar, porque tudo ainda estava tão fresco em sua mente, tão assustador.

Talvez que sua mãe fosse olhar para ele com lágrimas deslizando pelo seu rosto, e abrir os braços, convidando-o para um abraço, e sussurrar "Calum". Apenas isso. Apenas uma palavra. Apenas seu nome. E talvez eles teriam um momento, uma conexão, um entendimento e descobrissem algo em comum e tudo seria melhor.

Mas não foi o que aconteceu.

Kora levantou os olhos e ali não havia lágrimas, só raiva, e quando ela falou foi como se o inverno tivesse chegado mais cedo, oferecendo lascas de gelo afiado e não neve fofa e branca.

"O que você está fazendo aqui?", questionou ela.

E então a ficha caiu em Calum.

O que ele estava fazendo ali?

Não era para ele estar ali.

Não era para... ele... estar ali.

Alguma parte de Kora esperava que ele ser ele fosse uma fase e fosse passar, assim como seu pai acreditava. Ou que talvez tudo fosse um sonho e Malia fosse estar viva (e ele morto no lugar dela?). Talvez fosse outra coisa, mas fosse o que fosse, ela não o queria ali.

Calum não sentia que era para ele estar ali.

O que ele estava fazendo ali?

Não era para ele está ali.

Ali... Ali não era o seu lugar.


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