Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 37
Q U E M V O C Ê F O I? - parte dois


Notas iniciais do capítulo

Originalmente não teria parte dois, mas achei necessário. Eu queria uma visão de Calum.



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CALUM, 16 ANOS.

Antes mesmo de abrir os olhos, Calum sabia onde estava, porque tudo ali era inconfundível e ele tinha mais experiências com quartos de hospital do que gostaria - sua irmã havia vivido praticamente um ano ali, esperando a morte, e sua melhor-amiga/quase-irmã uma vez seguiu os passos dela.

Oh, Calum tinha experiência com colchões duros, lençóis farfalhantes, cheiros antisépticos e luzes brancas incandescente - Calum tinha muita experiência - mas era a primeira vez que ele estava do lado de lá, do lado deitado numa cama, ouvindo seus próprios batimentos cardíacos recriados por aquela máquina para que todos soubessem que ele vivia.

Calum não sabia o que era pior - de um lado estava ver alguém que amava sofrer e do outro ver alguém que amava sofrer por ele. Ele não queria abrir os olhos e encontrar quem quer que estivesse ali, quem o tinha encontrado caído na sala logo depois que seus amigos saíram, ao seu lado .

—Eu sei que você está acordado - murmurou Liz, suavemente ao deslizar os dedos pelo seu cabelo.

Tão suavemente que Calum tinha certeza que ela achava que ele dormia e sentiu-se pior, porque já tinha feito isso, fingindo todas as conversas que teriam com Malia quando ela saísse do hospital ou desejando que dizer "eu sei que você está acordada" fosse fazer Julie acordar do coma depois do acidente que levou Andrew.

—E pode ter certeza que você está de castigo assim que sair daqui. Sério, Calum? Esconder tudo isso? Eu esperava isso de qualquer um, de Ju... Não, dela não, aquela não sabe manter nada para si, mas não de você.

Liz parou e Calum não precisava abrir os olhos para ver a raiva nos olhos dela, porque emanava do seu corpo, porque a conhecia. Liz quebrava o que estivesse a sua frente igual a Julie quando estava com raiva, mas quando estava realmente com raiva? Ela parava e pensava e se fechava; ela esperava se acalmar para poder conversar depois. E ele devia estar desacordado por bastante tempo, porque Liz recomeçou rapidamente.

—Estou me sentindo tão culpada por não ter visto que tinha algo de errado, que você escondia algo, porque você é um péssimo mentiroso, o pior de todos. E mais um castigo por essa culpa. Céus... - suspirou ela. - Esconder isso não é coisa que se faz, você deveria dizer qualquer coisa a mim, eu te amo, eu sou sua amiga, eu sou... Você é como um filho para mim. Você é meu filho. E... E eu acho que eu também posso ser como sua mãe...

—Você não é como minha mãe - murmurou Calum, abrindo os olhos e vendo-a se espantar, os olhos se enchendo de lágrimas e dor. - Não! - exclamou, percebendo o que aquelas palavras poderiam significar. - Não foi isso que eu quis dizer. Eu quero dizer que você não é como, você é. Você é minha mãe. Eu te considero uma mãe. A minha.

—Owwnn... - começou Liz, passando a mão no nariz e fungando. - Você é tão fofo. Como eu conseguir um filho tão fofo assim?

—Você é igualzinha a Julie - disse, espantado.

Não importava quantas vezes isso acontecesse, como acontecesse, Calum ainda achava impressionante e assustador com o quanto mãe e filha eram idênticas. Não importava o que elas dissessem, que se recusassem a enxergar isso, era verdade. Farinhas do mesmo saco.

—Sim, filho - disse ela, revirando os olhos. - O que quer que você diga. E eu falo sério sobre o castigo.

—Liz - reclamou.

—O que? - Ela sorriu. - E é mamãe.

—Você é igualzinha a Julie - murmurou Calum novamente para si. - Quando vou poder sair daqui? Por que você não chama um médico para dizer o que quer que eu tenho e passar um remédio...

—Calum? - interrompeu Liz. - Você não estava acordado? Ou você não... Tem algo que você queira me dizer?

Não, não tinha. Não tinha nada que Calum queria dizer, mas tinha algo que ele sabia que devia ter dito - ele devia ter falado do cansaço, das dores, das manchas. Ele devia ter falado sobre todas as coisas que sentia assim que começou, mas falar era tornar aquilo verdade, era dar um passo para a realidade.

E se realmente fosse o mesmo que sua irmã teve?

E se ele também fosse morrer?

—Não é por isso que estamos aqui? - questionou Calum ao invés de responder.

—Isso não é resposta, mocinho - disse Liz, estreitando os olhos. - E terceiro castigo para você. E sem Julie por tempo indeterminado quando você sair, ela é uma péssima influência.

—Ela é sua filha.

—Por isso eu sei do que estou falando - retrucou Liz. - Ao menos, ela está namorando e sobra mais tempo para a Operação...

—O-operação? - gaguejou Calum, sentando e vendo o mundo girar. Ele estava tão ruim assim para ser operado? - Eu vou ser operado?

—O que? Do que você... - assustou-se Liz, encarando-o com os olhos arregalados até que relaxou na cadeira, começando a rir. - Oh, meu Deus, não!

—De que operação você...

—Eu não falei operação - interrompeu ela, parando de rir do nada e encarando-o séria.

—Você...

—Eu não.

—Você não - concordou Calum.

Tinha que ser um idiota para não concordar, porque se Liz dizia que não, era não. Se Liz não queria falar sobre aquilo, Calum não queria ouvir.

—Ótimo - suspirou ela, levantando-se e alongando os músculos tensos. - Ah, Deus. Eu vou pegar mais um pouco de café, porque não acho que posso ficar acordada por mais tempo.

—Que horas são? - questionou Calum, pensando pela primeira vez sobre quanto tempo estava ali.

O quarto estava claro, mas isso não significava nada - podia ser meia-noite ou meio-dia, não teria diferença.  Liz podia estar alguns minutos ou uma noite inteira ao seu lado, naquela cadeira desconfortável, preocupada e ansiosa sobre quando ele acordaria.

Sentindo sua preocupação, Liz sorriu e as rugas ao redor dos seus olhos apareceram apesar da idade, porque eram marcas de alegria e riso e felicidade; e seus olhos se suavizaram enquanto sua mão pegou a dele, confortando-o.

—Não foi tanto tempo, é que eu apenas não dormi direito. Eu viajei o dia todo e estou cansada, é apenas isso - explicou Liz. - Mas está tudo bem.

—Me desculpe - disse Calum, mesmo assim, porque era sua culpa. Ele deveria ter falado logo, antes. Ele deveria ter enfrentado o que acontecia e evitado essa preocupação para as pessoas que amava.

—Não se desculpe, querido, não é sua culpa. - E repetiu, firme e suave e acolhedora: - Não é sua culpa.

—Você... - Calum desviou os olhos culpado pelo que diria. - Você ligou para minha mãe? Minha outra mãe?

—Sim - respondeu Liz, simplesmente, não oferecendo mais nada, nem um complemento, nenhuma esperança, mas Calum não pode sufocá-la, porque ela sufocava-o, subindo pela sua garganta lentamente, torturando-o.

—Ela está... - começou Calum apesar de dizer para si mesmo não ir por esse caminho.

—Eu não sei - interrompeu Liz. E completou, cantarolando: - Mas os garotos estão lá fora.

—Garotos?

—O que? - questionou Liz, chocada, com a mão no coração. - Se esqueceu dos seus outros irmãos? Julie, Ashton e Luke?

—Julie não é...

—Não é? - Liz levantou sua sobrancelha, porque aquela não colava.

—Ashton não é meu irmão - decidiu Calum .

—É seu cunhado - explicou ela - porque Julie é sua irmã, e em algumas culturas cunhados são o mesmo que irmãos

—Hum - avaliou Calum, incapaz de negar essa verdade. - Certo.

—E Luke?

—Luke?

—Luke é seu irmão? - provocou Liz, levantando a sobrancelha como apenas seu filho, apenas Luke, sabia fazer.

—Eu não... entendo. - O tom dela dizia provocação, mas Calum não entendia o porquê. - Luke é meu amigo - afirmou, embora soubesse que era mentira.

Liz zumbiu em reconhecimento e bateu a porta, ecoando a mentira que ele sabia ser óbvia.

Luke era muito mais do que seu amigo. Amigo não chegava perto de descrevê-lo; amizade não era suficiente para abranger o que eles tinham, mas, por palavras melhores, palavras que não existiam ou que ele não conhecia, Luke era seu amigo.

Seu melhor amigo.

E isso nunca iria mudar.

Não poderia.

Não podia.


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Notas finais do capítulo

Quem leu Isso não é... Vai saber o que aguardar, quem não leu estou deixando dúvidas e questionamentos e um gostinho do que vem a seguir.



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