Pedaços Transformados escrita por Kurohime Yuki


Capítulo 131
Mentindo




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mentindo

LUKE, 13 ANOS. JULIE, 13 ANOS.

—O que foi? - questionou sua irmã assim que o viu.

—Nada - disse ele rapidamente.

Julie franziu a testa, encarando-o duvidosa, duvidando das palavras dele e duvidando de si mesma por duvidar das palavras dele - Luke sentia-se mal por estar mentindo, mas ele sentiria ainda mais se começasse a falar do que...

Nada.

Nada.

Não aconteceu nada, Luke repetiu para si.

—Você está vermelho - declarou sua irmã, sem olhá-lo.

Luke a encararia se essa ação não fosse causar a sua morte, porque, é claro, aquele era o momento perfeito para sua irmã estava sendo uma pessoa perceptiva, que olhava para alguém além de si mesma.

—É o calor da batalha - explicou, tentando fazer de suas palavras as mais desnecessárias e óbvias possíveis.

—Hum - murmurou Julie, estreitando os olhos ao desviar da lâmina que vinha na sua direção.

Sim, ela sentia-se quente e queimando, mas havia algo de errado com seu irmão e seus instintos geminianos diziam que havia algo.

E eles quase nunca estavam errados.

E eles quase nunca estavam certos.

E Julie nunca sabia o que fazer.

Seguir, não segui-los... eis a questão.

Julie suspirou, ela gostava de se queimar e tudo o que menos queria era que seu irmão desmaiasse de insolação e o RPG fosse cancelado. Ou pior: que ela tivesse que levá-lo para a tenda de pronto-socorro!

—Você quer me dizer algo? - perguntou.

Luke totalmente se via abrindo a boca e dizendo... nada. Não aconteceu nada. Ele abriu a boca para dizer isso, para repetir isso (para tentar se convencer disso) e...

—Cuidado!

Luke a empurrou para o lado, aceitando de bom agrado a espada contra suas costelas, de forma dolorosa - ele odiava como todos aqueles fanáticos não tinha dó nem piedade ao usar aquele pedaço de madeira, (Luke sempre tinha uma mancha ou várias pelo seu corpo, de variadas formas e tamanhos e coloração), mas não se arrependia, porque não importava se aquele era um jogo ou a vida real, aquela era (e sempre seria) sua irmã em qualquer universo ou imitação dele e Luke não estava esperando de braços cruzados que ela morresse.

Nunca mais.

—Você é um idiota - declarou Julie, do mesmo jeito que disse que ele estava vermelho ou dizia que o amava, deixando que seus súbitos lutassem para que ela pudesse suspirar exasperada por aquele movimento não calculado.

Ela tinha um plano!

Ela sempre tinha um plano!

Por que ninguém nunca seguia seus malditos planos?

Sim, eles eram péssimos às vezes, mas isso era porque ninguém nunca os seguia e ela tinha que improvisar na hora e tudo dava errado e ela era a culpada. Ela era sempre a culpada. Culpe a garota que não se sensibiliza por sacrifícios que só trazia mais problema do que soluções - ela era salva hoje e então o que acontecia amanhã? Do que adiantava viver se seu braço direito (seu irmão) não estaria lá? Julie não ficaria surpresa se isso fosse tudo parte de um plano para que seu irmão roubasse sua coroa e seu cetro...

Oh, ele estava morrendo.

Ele não iria roubar seu trono.

Ele não podia morrer, porque, se não, não iria roubar seu trono, e se ele não soubesse o seu trono... acabou a história da sua vida e toda a história que planejava. E ela tinha tanto material para fazer um dark!Luke.

Luke esperava um pouco de lágrimas nos momentos finais dele, algo do tipo "não vá!", "não me deixe!", "eu vou ser uma boa rainha agora!", mas aparentemente ele não valia tanto para esses shows, nem um "vá para a luz, Elizabeth!" ele estava ganhando.

—Você - ele tossiu, colocando a mão onde doía, realmente doía, (podia ser seu coração?), gemendo ao sentir suas costelas machucadas.

—Eu? - repetiu Julie, fazendo caretas para conseguir levantar a sobrancelha e então suspirando, porque não conseguia. (Ou iria). - Eu não sou idiota! - exclamou, ultrajada por aquela insinuação.

Luke usou suas últimas forças para revirar os olhos e passou a mão trêmula no canto da boca, como se limpasse o sangue, e tentou não chorar, porque, por mais falso que fosse tudo aquilo, ele pensou se não estava indo longe demais e se não estava machucando sua irmã. Ou no quão parecido aquela sua encenação foi com a realidade, com seu pai morrendo, com Julie vendo tudo aquilo acontecer - Luke esperava que não.

—Você não está morrendo, Luke - disse sua irmã, suavemente, ajoelhando-se e colocando suas mãos por cima das dele. - Eu não estou deixando.

Luke choraria por quão séria ela estava, se Julie não houvesse começado a cantarolar a música que seu pai cantarolava, olhando-o profundamente, através da sua alma, do seu ser - pelo seu ser; olhando-o como se aquilo fosse real e suas palavras fossem mágicas; olhando-o como se ele, eles, ela (ela, ela, ela ela ela ela) estivesse viva.

Luke estava tão concentrado nisso, nos olhos azuis da sua irmã que eram tão diferentes dos seus apesar de ter a mesma tonalidade, que não ouviu a trombeta finalizando o jogo, que não percebeu as espadas abaixando-se e as parabenizações sendo dadas uns aos outros, que não se importou quando Calum se aproximou, rindo e conversando com os outros.

E não com ele.

(Mentira.)

(Mentira, mentira.)

(Calum.)

(Seu.)

(Seu.)

—Todos os reis e rainhas se apresentem para a contagem dos mortos – anunciou a mesma voz entediada de sempre, desde que eles começaram a participar daqueles jogos há dois anos (aquele era a terceira), e Luke piscou, sentindo o encanto sendo quebrado e a música morrendo nos lábios da sua irmã.

Luke ainda estava surpreso que em dois anos, sua irmã conseguiu chegar ao trono. Um para se acostumar as redondezas e outro para aprender a ser uma dama - ela não tinha ido realmente bem nesse ponto.

Luke tinha sugerido mais um ano de estudo

e sua irmã e Calum tinha revirados os olhos um para o outro, porque, é claro, Julie Hemmings não precisava saber qual era a faca certa para saber qual era a espada certa - uma coisa não tinha relação com outra. E ambas serviam para cortar e sangrar e torturar.

—Você deveria ir. - Sentou-se Luke, perguntando-se se estava vivo ou morto ou se seria agora um morto-vivo.

—Eu não fui chamada - murmurou sua irmã, cruzando as pernas numa posição indiana e e colocando as mãos na terra, levantando a cabeça para o céu, o sol, como se estivesse recuperando sua energia e retirando-a da terra, do ar, da água e do fogo...

Luke a observou, fascinado, por quão altiva e da realeza ela parecia. Em alguns momentos, momentos como esse, quando sua irmã estava quieta e reflexiva, Luke não achava difícil acreditar que Julie era uma Rainha; quando a mente dela corria rápido demais, quando seus reflexos eram mais rápido ainda, Luke conseguia ver uma guerreira, uma lutadora; sempre que a via, Luke enxergava alguém que não desistia, que vivia, que era mágica.

—Inclusive você, Rainha Fada - completou o locutor depois de uma pausa longa.

—Droga - praguejou sua irmã, jogando a cabeça para frente, como se a mola tivesse quebrado, e abrindo os olhos. - Eu odeio o #, sério. Como ele sempre sabe... - Ela suspirou, levantando-se resignada. - Eu tenho certeza que ele ainda está com raiva por eu não tê-lo perdoado pela traição. Ou por ter dançado com #, ao invés dele. Ou... - Julie franziu a testa, observando-o e tentando... se lembrar. - Eu esqueci de algo, não foi? Nós estávamos conversando antes de você quase morrer, não?

—Não - disse Luke. - Não estávamos - completou para não ter dúvidas. - Estávamos numa batalha e mamãe sempre diz "não discutam enquanto lutam" - imitou ele.

—Eu nunca disse nada sobre discutir - murmurou Julie. - Embora eu não duvide que eu estaria discordando de você e não conversando, o que nós leva ao fato de que eu nunca escutaria a mamãe sobre...

—Julie - disse #, interrompendo a reflexão dela. - Sério. Aparece aqui. Ou você vai ser disposta. Tem muita gente que quer isso - avisou ele. - Tem muita gente, como eu - enfatizou - que deseja mais do que tudo ver você no fundo do poço.

Julie bufou, cética, caminhando para longe, para a reunião pós-guerra, e Luke suspirou, quase aliviado e quase perdendo o resmungo irritado:

—O fundo do poço nunca é fundo o bastante.

Ela não poderia estar mais errada, discordou Luke. Não que o fundo do poço nunca poderia ficar mais fundo, mas pelo fato de que o fundo nunca seria o bastante - qualquer fundo já era o bastante, qualquer fundo já era agonizante, qualquer percepção que as coisas não estavam como queria e podiam piorar já era o bastante para Luke não querer piorar nada, quisesse que tudo continuasse como estava.


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Notas finais do capítulo

Isso "O fundo do poço nunca é fundo o bastante" foi algo que eu quis usar há tanto tempo, eu iria colocar em Quem sou eu? minha próxima história e primeira (finalmente) de fantasia, mas saiu primeiro.



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