Adão e Eva, do inferno ao paraíso escrita por Paloma Her


Capítulo 4
O nascimento de Êve (continuação)


Notas iniciais do capítulo

A nova primeira atriz havia jurado tirar James da fidelidade. Não que ela o amasse, mas por puro desafio. A fidelidade entre as damas da França não existia mais, era coisa do passado. Das avós. Havia um ar de orgia romana na sociedade moderna, e as relações amorosas grupais era comum. Homossexualidade .....



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E foi naquele dia, que Êve ficou múmia, sem sequer piscar, olhando para o homem mais lindo que viu na vida. Moreno, olhos verdes, sobrancelhas densas, olhar enigmático, e uma boca que convidava a beijos. Sorria como anjo, mexia-se como uma gazela, e a plateia nem respirava com sua voz perfeita que eletrizava o recinto.

Mirelle deu uma cotovelada nela e soprou ao ouvido: - Esquece, amiga, ele é gay! Mas Êve não entendeu. Ela própria era chamada de lésbica na Universidade pelo seu desinteresse pelos homens. Na França, era assim mesmo. Ou se era puta, ou então se era lésbica. Não existia termo mediador. Com certeza, ele esperava-a com juramento de castidade. Igual a ela, que nunca beijara ninguém, e estava a sua espera. Perguntou para Mirelle no seu ouvido: - Conheces ele?  Ela respondeu no sussurro: - Conheço um amigo dele... Êve falou: - Depois da peça vamos aos camarins?  Mirelle lhe respondeu: - Mas não fala depois que eu não te avisei!

James estava tirando a maquiagem quando viu a mulher maravilha, através do espelho. Parecia uma assombração. Uma estátua grega vestida de branco, um ombro descoberto, cabelos negros caindo em cascatas além da cintura, olhos azuis, e boca vermelha como fogo. E estava olhando-o como se estivesse mirando uma figura sagrada dentro de uma igreja. Terminou de limpar o rosto, e a viu chegar perto, ladeada de duas pessoas. Abraçou-a, e lhe sobreveio algo estranho.  Só de encostar-se a ela seu sangue fervia. Essa estranha fêmea conseguia fazê-lo excitar-se, algo que nunca acontecera com dona nenhuma. Apanhou o cartão com o número de telefone dela, sorrindo, tomou o cartão da amiga dela, beijou-as mais uma vez, e as viu desaparecer. Como esse camarim estava lotado, não dava para fazer mais nada naquela noite. A estátua grega de medidas perfeitas se foi, e depois daquele dia ele nunca mais foi o mesmo. Teve pesadelos com ela, sonhos eróticos, e acordava suando, pois a excitação não o deixava em paz.

Depois de cinco dias, James apareceu na Universidade num conversível enorme. Ficou parado na porta, esperando por Êve. Ele abraçou-a, beijou-a no rosto, e convidou-a sair.  Invitou para um passeio pelo rio Sena, jantar à luz de velas, com um vinho tinto à mesa, ou fazer outro programa.

Êve sorriu. Subiu no carro, e se deixou levar.

Depois do jantar, olhando para as águas do Sena na Pont-Neuf,  James deu-lhe o primeiro beijo, e Êve  soube que finalmente encontrara o homem de sua vida. Sem medo de ser feliz, saiu correndo com ele para um hotel elegante. E James perguntou-lhe:

— Você é virgem?

— Era! Agora não sou mais...

E James caiu na gargalhada. Deu um beijo no seu pescoço, pois sua amante era afrodisíaca. Excitante. Incansável. Gostosa. Ele estava esgotado. Ela só perdera a virgindade. Como seria depois?

Depois de cinco meses de namoro, James foi à casa humilde de Pierre para pedir Êve em casamento. Ele já comprara um chateau e a lua de mel seria nos Alpes Suíços. Êve continuaria estudando Design na Universidade, mas deixaria de fazer desenhos para a Estamparia, pois ele era rico. Podia se dedicar só a pintar, arranjar outras exposições, e um dia ser uma pintora famosa. A maior da França.

Mas antes do casamento, Êve teve que dizer adeus a seu melhor amigo. Alain estava tão deprimido, que foi para sua casa para beber uns drinques, tentando fazê-lo entender que o amor era assim mesmo. Ninguém escolhia a quem amar. Alain lhe disse:

— Mas você vai fazer uma promessa para mim...

— Juro!... Só não me peça casamento... 

— Agora não... Jure que se um dia der tudo errado, você volta para mim...

— E se você estiver casado?

— Mesmo assim... Depois a gente decide o que eu faço comigo mesmo... Mas me busque. Assim que sofrer a menor desilusão, você me procura...

— Juro...

Depois se abraçaram e choraram por algum tempo, pois Êve teria gostado de ter-se apaixonado por ele. Alain era um homem sem defeitos. Faria feliz qualquer mulher que entrasse na sua vida.

Durante a Lua de mel nos Alpes Suíços, Êve viu a neve só pelas janelas.

Fizeram amor tempo todo.

James estava tão feliz, que começou a fazer de tudo para evitar filhos que chegassem a separá-los. Contava matematicamente os dias férteis de sua mulher, evitando deixá-la prenhe.

E a vida deles foi perfeita durante dois anos.

A amargura de Êve apareceu, quando James e os atores deram início aos ensaios da nova peça.  Uma obra de Tennessee Williams, com cenas ardentes no palco.

A nova primeira atriz havia jurado tirar James da fidelidade. Não que ela o amasse, mas por puro desafio. A fidelidade entre as damas da França não existia mais, era coisa do passado. Das avós. Havia um ar de orgia romana na sociedade moderna, e as relações amorosas grupais era comum. Homossexualidade era chamada de bissexualidade, pois as mulheres não se importavam em seduzir um gay. Só para saber como é que é. Por esse motivo, a fidelidade de James tinha hora marcada para acabar. A orgia romana estava esperando-o. As amantes que nunca tivera, estavam à espreita. Excitadas. Ansiosas. Além do que, James além de ser belo e atraente, era riquíssimo. Um peixe grande.

Durante os ensaios da peça, a nova atriz, nas cenas de amor, se esfregava sadicamente contra James, e de vez em quando uma mão sem-vergonha passava no seu membro, ou no traseiro. Ser fiel tornou-se muito difícil. Um pesadelo.

E o grande dia da estreia da peça de Tennessee Williams aconteceu.

Êve e sua família sentaram juntas, para ver o melhor ator de Paris demonstrar sua arte. Depois, a plateia aplaudiu meia hora em pé, e no dia seguinte a crítica nos jornais só fazia elogios.

Mas dentro do lar, Êve sentiu uma diferença.

James começou a chegar mais tarde, estafado, e as horas dedicadas ao amor passaram a ser mais curtas. Êve culpou o trabalho. Foi compreensiva. Deixou passar. Concentrou-se na pintura, pois outra exposição estava marcada, desta vez na galeria mais quente de Paris. A Galeria Véro-Dodat, onde também havia um hospital de bonecas, butiques chiques, e onde a nata da França se reunia.

Mas Mirelle chegou a conversar com ela numa tarde. Sabia que James estava de caso com a primeira atriz, e não era justo que Êve passasse por imbecil, e que todos rissem nas suas costas. Foram juntas para ver a peça, e depois foram até o camarim, onde James continuava as cenas românticas fora do palco. Êve abriu a porta, e seu coração parou. A primeira atriz estava apoiada numa mesa,  e James beijava o pescoço e acariciava seus seios. Respirou forte, e saiu correndo seguida por  Mirelle, que não queria que ela  fizesse uma burrada.

Êve desatou em choro, no maior desespero de sua vida. Caminhava em círculos, olhava para cima, e se perguntava a si mesma:

— O que vou fazer agora?

— Nada! Ele vai rastejar e pedir perdão, e mandar essa meretriz para o inferno!

— Não! É outra coisa! James não é minha alma-gêmea. EU ME ENGANEI! O que vou fazer agora?

— Nada! Quando tua alma-gêmea aparecer, dás um pontapé no traseiro do James, e não esquece que são casados. Tens direito a metade de tudo...

— Cadê o Alain?

— Em Londres... Tenho o telefone dele bem aqui...

— Obrigada! Conta para minha mãe que fui para Londres...

— Podes deixar... Tem um avião que sai de madrugada... Não faça loucuras, tá? James não te merece... Nunca te mereceu...

— Eu sei... Tu me avisaste, e eu fui burra em não ouvir...

O encontro de Alain e Êve foi entre lágrimas. Êve achava-se dilacerada pela desilusão. Alain porque ela havia demorado demais em aparecer. Ele mantinha um namoro com uma inglesa, que se encontrava grávida com 5 meses. Deixar um filho sem pai, por causa de Êve, estava agora fora de questão.

 Mesmo assim, se registraram num hotel, e fizeram amor pela primeira vez. Mas, Êve se falou a si mesma, que o verdadeiro amor, nada tinha a ver com tudo isso. Alain continuava sendo apenas seu irmão amado. 

 Antes de voltar para a França, Êve já sabia que estava com uma filha de Alain dentro de si. Ele deu-lhe sua melhor fotografia, e jurou que a visitaria uma vez a cada ano. Beijaram-se pela última vez e Êve voltou para casa de Manon. Queria que seu neném chegasse ao mundo em meio da harmonia de um lar, e nada melhor que entre Pierre e Manon, que nunca olharam para mais ninguém além deles mesmos. Sua mãe sempre tivera razão. Nenhum camarada possuía amantes. Aliás, os comunistas que Êve conhecia eram muito mais puritanos do que um homem de igrejas. Só bebiam vinho, junto às comidas, como um complemento alimentar. Não existiam alcoólatras, nem viciados em drogas, e só frequentavam festas de família, ou de amigos do partido. Nenhum boêmio.

Quando James encontrou Êve, sua barriga já dava para notar. Ele caiu chorando aos seus pés, pedindo desculpas, e jurou que amaria essa criança, pois sabia que não era dele, e que a cuidaria com zelo. Prometeu e jurou que jamais cairia na tentação novamente, e que amava Êve com ardor.

Êve sabia que tudo era verdade. James só era um homem fraco, como muitos homens modernos, que se deixavam seduzir por mulheres lindas. Mulheres que gostavam dos homens casados, porque eram bons de cama. Competentes. Era algo assim como um vício moderno. As mulheres só queriam o orgasmo. Só isso. Êve se perguntava a si mesma do porque elas não se masturbavam que dava na mesma. Mirelle lhe dizia que tirar o marido de alguém era mais tentador. Um esporte contemporâneo, nacional, e mundial.

E como  Êve  achava que sua verdadeira alma-gêmea estava num sonho distante, numa outra encarnação, voltou para sua mansão maravilhosa, para usufruir das mordomias da riqueza. Sua filha Marta nasceu como uma princesinha, lindinha, curando seu desapontamento com sua carinha de anjo.

E a vida foi perfeita, novamente, durante longos anos.

Marta começou a estudar piano aos sete anos, e com seu talento encheu de alegria a vida do chateau. Ela cresceu tocando Chopin, que fazia Êve lacrimejar. Êve amava Chopin. As notas tocavam sua alma lá no fundo, fechava os olhos, e se dizia a si mesma que esse êxtase musical deveria ser parecido ao amor de verdade.

Marta iniciou suas primeiras apresentações no teatro, como um gênio. Aos doze anos, Êve e James seguiam o ritmo de suas melodias, emocionados. Mais felizes do que eles só os avós  Manon e Pierre, os tios Paul e Georges, e alguns camaradas com seus filhos, que jamais perdiam um concerto de Marta.  Depois dessas apresentações, iam todos para o chateau festejar com banquetes, pratos finos com queijos, escargot, caviar, tudo o que se servia entre gente fina.

 Nos anos seguintes, Êve acompanhava sua filha aos concursos anuais de “Gênios da música”, onde sempre ganhava alguma distinção importante. Quando Marta viajava para Londres para tocar, Alain sempre estava lá, esperando-a, protegendo-a, pois ele falava que como amigo de Êve, ela era como sua própria filha. Na verdade, Marta o adorava. Ele era engraçado, lindo, e não entendia o porquê Êve não havia casado com ele. A conversa dele era sempre diferente, contando coisas novas para ela:

— Sabe, filha, o gerente do Banco me perguntou se tinha assaltado alguém. Eu nunca tive tanta grana como agora...

— O que estás aprontando?

— Publicidade! Sua mãe tinha razão. O futuro é a arte ao serviço da indústria. Imagina que um Lay-out  custa o preço de meu aluguel semanal. E esta semana já fiz cinco...

E Marta ria junto com ele, enquanto caminhavam abraçados pela rua.

E quando tudo era perfeito, sem nada que perturbasse a vida familiar, Êve enlouqueceu.

Foi no tempo das terríveis Olimpíadas de Munique, na Alemanha Ocidental, no ano de 1972. Às 5 da manhã, o movimento Setembro negro fez de reféns 11 esportistas israelenses. Eles foram mantidos prisioneiros no interior da Vila Olímpica exigindo a liberdade de 600 árabes.

 Sem que o mundo chegasse a entender o motivo, a policia alemã foi ineficaz, covarde, irresponsável, se retirando da Vila, e permitindo que 2 atletas fossem assassinados nos quartos, e 9 israelenses fossem levados para o aeroporto, onde foram cruelmente massacrados ao anoitecer pelos terroristas árabes, num confronto tardio com a policia.

Foi a pior Olimpíada da história da humanidade.

Atletas inocentes foram trucidados, sem que isso impedisse que os jogos fossem festejados da mesma maneira. Nos dias seguintes, à medida que os atletas ganhavam suas medalhas, era como se nada houvesse acontecido. Como se o mundo não se importasse com os atos de terror que inauguraram esses jogos.

 Êve olhava com atenção os noticiários todos os dias, pois estava apavorada com a violência dos ataques. Depois, via alguns jogos, principalmente os de ginástica, onde homens de corpos perfeitos faziam acrobacias incríveis.

 Durante as apresentações dos ginastas russos, uma voz da televisão despontou como o sussurro de um fantasma: - Êêêvveee, cadê você, meu bem, estou procurando-a pelo mundo inteiro... Ela fixou o olhar mais de perto e viu um russo nas argolas, de uma beleza nunca vista, pois mais parecia uma escultura viva fugida do Louvre, dando cambalhotas com uma facilidade fenomenal. Quando ele ficou como uma cruz no ar, ela reconheceu seu homem imediatamente. Sua alma-gêmea estava ali, na sua frente, em outro país, buscando-a, procurando-a, e havia chegado tarde demais.

Êve desmaiou.

Quando abriu os olhos, seus empregados a estavam carregando para a cama, enquanto  James corria em desespero pelas ruas de Paris.

O martírio de Êve é que a voz desse russo continuava na sua cabeça, sempre como um sussurro: - Me diz onde você está, meu bem... Eu te amo, não posso viver sem você... Êve tampava os ouvidos, mas a voz continuava, sempre falando de amor, do passado, do futuro, como uma tortura. Começou a ter febre, dor de cabeça, perdeu o sono, e James terminou chamando o médico da família.

O médico deu-lhe uma injeção para dormir.

E durante o sonho, Êve viajou com a mente tão longe, mas tão longe, que parecia que estava na pré-história da humanidade. Havia uns animaizinhos correndo, lindinhos, uma paisagem perfeita, com árvores gigantescas, ar puro que doía ao respirar, rios caudalosos, e ela própria estava correndo pela mata espessa, sem saber o que era o sofrimento. Viu seu amado ao seu lado, moreno, pele escura como um africano, e uns dez meninos que pareciam ser seus filhinhos.

Quando Êve saiu desse sonho profundo, desatou em choro.  Ela lacrimejava com convulsões, que dava pena, pois ninguém entendia o que estava se passando pela sua cabeça.

O médico voltou ao chateau, mas desta vez trouxe um especialista, um psiquiatra, que imediatamente diagnosticou: - Esquizofrenia paranoica! Ela foi amarrada numa cama, e levada para um Hospício.

Marta e James ficaram em casa chorando. Depois, foram chegando Manon e Pierre, Paul e Georges com suas esposas, Mirelle e os amigos de Êve, alguns camaradas de partido de Pierre, todos eles sem explicação lógica para tanta desgraça.


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Notas finais do capítulo

O martírio de Êve é que a voz desse russo continuava na sua cabeça, sempre como um sussurro: - Me diz onde você está, meu bem... Eu te amo, não posso viver sem você... Êve tampava os ouvidos, mas a voz continuava, sempre falando de amor, do passado, do futuro, como uma tortura. Começou a ter febre, dor de cabeça, perdeu o sono, e James terminou chamando o médico da família.



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