Sem Clichê escrita por Anthony Luiz


Capítulo 1
Calouros do Colegial


Notas iniciais do capítulo

Encontrou algum erro de português? Me manda uma mensagem privada, por favor. Tentei revisar, mas vai que meus olhos não notaram alguma coisa.



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As coisas nunca aconteceram tão rápido para mim. Eu me encontrei em um banco de madeira que havia sido vernizado recentemente, ao lado de um lindo canteiro de flores na qual espécie eu desconheço – Odeio flores, mas aquelas caíram bem para o clima – quando ele chegou. Ele desfilava em minha direção, seu olhar era tão penetrante que senti meus olhos afundarem, foi desconfortante, mas foi bom sentir aquilo. Quando havíamos marcado aquele encontro? Não me lembro, mas eu não queria ir embora, então fiquei observando ele vir em minha direção. Ele parou. O que eu fazia agora?

Apenas fiquei sentada.

Me veio à cabeça o fato de nunca termos conversado sobre isso pessoalmente. Vasculhei minhas mensagens no meu telefone. Nada. Aquilo era apenas um encontro promovido pelo destino. Obrigado destino.

Quando guardei meu celular no bolso, percebi que Maçaneta – Esse era o apelido dele – estava realmente vindo em minha direção. Ele havia comprado churros, esse o motivo de suas pausas. Eram dois, com certeza um desses era para mim. Lambi meus lábios.

— Oi. – Disse ele. – Você gosta de churros?

Eu confirmei com a cabeça.

— Aceita um?

Eu confirmei com a cabeça.

— Pode ser esse de Doce de Leite?

Eu confirmei com a cabeça. Ele me entregou e logo se sentou ao meu lado.

Passaram-se alguns momentos.

— Está gostoso?

Eu confirmei com a cabeça, embora sentia que algo me dizia que aquilo não me faria bem.

— Você sabe falar?

Eu confirmei com a cabeça. Comecei a me sentir mal.

Ele começou a me observar de uma maneira estranha. Eu fiquei de certa forma constrangida. Saquei meu celular do bolso e me observei na câmera. Algo naquele churros havia me causado uma alergia, meus lábios estavam tão grossos a ponto de causar inveja em uma Kardashian. Dessa vez eu tentei falar algo, mas não saiu, então comecei a me remexer pedindo ajuda, eu estava me sufocando.

Uma parede de estranhos se juntaram ao meu redor. Oh, Céus! Foi constrangedor. Não me recordo de já ter passado por alguma situação semelhante.

Ele me agarrou e me deitou no banco. Ouvi sua voz claramente, ele pedia para que se afastassem. Alguém da rodinha dos curiosos perguntou se alguém era médico. Ninguém se prostrou, e eu entendo. Se avesse um médico por ali, ao me ver naquela situação não esperaria ninguém perguntar se ele estava por ali, apenas teria entrado em ação e feito seu papel.

Aquela era uma situação imperfeita mais perfeita que eu já havia visto. Percebi que a chance que eu tinha era única. Com uma de minhas mãos indiquei meus lábios para ele. Ele havia percebido, e foi mágico. Trágico e constrangedor, porém mágico.  Ele fez uma respiração boca-a-boca em mim tão perfeita que considerei aquilo como nosso primeiro beijo. Tudo estava de certa maneira bom, porém o medo de todo estudante do colegial me chamou.

BEP, BEP, BEP!— Todos sabem como um despertador eletrônico faz.

Eu acordei desesperada, apalpei o nada que estava à minha frente tentando encontrar o garoto que havia beijado. Ninguém estava lá.

— NÃO! – Gritei, então enfiei minha cara no travesseiro tentando voltar ao sonho. Isso era inútil. Com certeza os minions que comandavam a fábrica dos sonhos da minha cabeça estavam dando risada de mim agora. Se tentaram me deixar nervosa bem no meu primeiro dia de aula do ensino médio, parabéns! Eles conseguiram.

Não pense que eu sou a garota clichê que sonha com o garoto popular da escola e que provavelmente passa a tarde lendo livros de química e biologia fechada em um ciclo social desprezível. Eu tenho amigos. Também tenho livros de Química e Biologia, mas eu quase não uso eles. Na verdade, eles têm um papel realmente importante para mim, que é segurar a porta do meu banheiro que já não fica mais fechada sozinha. Nunca parei para pensar em quantas pessoas queriam ser esses livros e ter a oportunidade de me espionar no banho, e vou fingir que esse pensamento nunca passou pela minha cabeça.

Eu levanto indo em direção ao chuveiro. Ao começar a tirar minhas roupas me senti desconfortável perto daqueles livros.

Terminei essa tarefa dentro do box. Demorei aproximadamente uns cinco minutos no banho, e durante o mesmo pensei que um dos meus livros poderia ser o Maçaneta, então sai do chuveiro, me enrolei na toalha e na saída aceno para os livros. O que eu tenho? Preciso de um psicólogo.

Coloca uma roupa normal, nada muito exagerado e nem chamativo. Algo que eu usaria para ir num cinema com meus amigos – É sério, pessoal! Eu tenho amigos – num sábado qualquer.

Desço para tomar meu café.

— Bom dia, Ariana. – Disse meu padrasto. Ele estava lendo um jornal.

Eu repito, me referindo a ele, óbvio.

Minha mãe estava com fones, estava escutando o noticiário como toda manhã fazia.

— Ela deveria te ensinar a ser mais moderno. – Ironizei para Paul.

Ele riu sem desviar seu olhar. Não respondeu.

Peguei meu sanduiche preparado por minha mãe, acenei para ela me despedindo. Ela percebe e deixa seu fone suspenso a seu pescoço.

— Já vai ir? – Pergunta ela.

Eu respondo que sim com a cabeça enquanto me satisfaço com aquele sanduiche. Engulo a massa.

— Preciso ir mais cedo. Vou passar na casa da Jéssica. Chegar no primeiro dia de aula sozinha sempre pega mal.

Ela revira seus olhos.

— Vocês, adolescentes dos dias de hoje se preocupam muito com o que acham de vocês. – Comenta Paul.

Eu sabia que era verdade, então só concordo.

— Eu vou indo. Tchau para vocês! – Eles também se despedem.

Fecho a porta num movimento acompanhado com mais uma mordida no sanduiche. Ele está quase acabando.

***

Chegando na escola percebo que todos estão muito animados para o início das aulas. Nunca frequentei este local antes. Grupos Marceloz era o mais novo colégio da cidade, então para todos que estavam ali o campus seria uma novidade. Jess estava ao meu lado. Conheço ela desde a sétima série, e a partir daí ficamos inseparáveis.

Logo na entrada principal, alguns alunos discutiam como realmente se pronunciava Marceloz. Se fala como se tivesse um S no final ou puxava o som do Z? Eu quase entrei na discussão, parecia um assunto importante para debater logo no primeiro dia de aula.

Mikael chegou, ele é outro amigo. Nos juntamos formando um trio.

Pelos corredores, debatíamos sobre nossas férias e sobre as pessoas que gostaríamos e que não gostaríamos de ter que lidar neste novo ano letivo. Em algum momento a conversa se voltou para os nossos sonhos, e não me pergunte como chegamos a esse ponto. Lembrei do meu pequeno delírio que me aborreceu essa manhã. Será que Maçaneta frequentava Grupos Marceloz? Decidi guardar aquela história só para mim. Eles estavam falando sobre pôneis e sobre o Batman e não sobre paixões adolescentes. Isso era clichê, mas saber disso me deixava muito contente. O clichê só é clichê porque sempre funciona, ou na maioria das vezes, então eu tinha esperança.

Mikael percebeu que eu estava voando pelos meus pensamentos e chamou minha atenção.

— Que? – Perguntei.

Ele me olhou com um tom irônico e certamente decepcionado.

— Supera. – Jessica comenta.

Eu reviro meus olhos.

— São uns bocós mesmo.

— Somos? – Mike parecia tentar me desafiar.

Eu coloco a palma da mão na testa e dou três tapinhas.

— Isso é passado. Vocês acham que eu quero alguma coisa com o Maçaneta?

— Vamos descobrir isso agora. – Mike diz logo levando os dois a rirem.

De início eu não entendo, mas Jess aponta para frente disfarçadamente. Meu lado de lesada me leva a olhar, indo de encontro com a imagem de Markus Neto, o tão famoso Maçaneta, um apelido que soa tão ridículo para um garoto tão bonito como ele, com sua pele morena e macia, embora nunca havia tocado para ter certeza, mas boatos diziam que era. Meus olhos se regalam, dou meia volta e troco a direção do meu percurso.

DESENCANA! DESENCANA!— Meus amigos começam a formar uma torcida que era quase como um sussurro gritado, se é que isso existe.

Jess me pega pelo braço.

— Então você ainda gosta dele.

Pessoal, uma pausa na história. Vocês devem estar me imaginando como uma garota de Maria Chiquinha com um macacão muito ultrapassado que após ver sua paixão de colegial abraça seus livros e troca de rota, mas eu não sou assim. Acredite.

Acontece que o motivo pelo qual eu alterei a direção em que caminhava não era só pelo simples fato de que eu gosto do Markus, e também pela vergonha embaraçosa que passamos no fim de aula do ano passado, quanto acidentalmente derrubei meu café em um de seus livros de ficção-científica. Após o incidente ele me disse que estava tudo bem, mas eu fiquei parada, quase tive um troço na hora, então eu simplesmente não disse nada, me virei e sai correndo. E eu não tinha Maria Chiquinhas que iam em direção do vento conforme eu corria.

Penso em como o Markus deve me achar escrota por eu não ter pedido desculpas, mesmo ele dizendo que estava tudo bem. Nunca cheguei a comentar isso com Jess e Mike. Eu não pretendia e nem pretendo até esse momento da história.

Prosseguindo.

Fui obrigado a ir na direção dos meus camaradas, não que eu quisesse, mas eles me forçaram a isso. Decidi conter a vergonha e andar como uma pessoa não imatura, até que o Maçaneta me encarou e.… sorriu. Ele sorriu para mim, e eu nada boba sorri de volta. Ele ergueu um de seus livros para me mostrar rapidamente, e então riu. Era o livro no qual eu havia jogado café, ou melhor, outro livro da mesma história porque aquele havia sido detonado, acredito. Eu aperto meus lábios um contra o outro. Nossos olhares desviam e cada um seguiu seu caminho.

***

Ouve um grande discurso do diretor da escola. Na hora das dúvidas, muitos queriam saber como se pronunciava Marceloz. A final, isso foi a única coisa proveitosa daquele período, mas senti que o diretor Roger respondeu com um pouco de incerteza, então não vou falar aqui a maneira como ele disse que se pronunciava. Vai que eu passo informação errada.

Tivemos aulas de Química e me veio à mente meu livro da nona série que havia ficado como escora da minha porta do banheiro. O professor era chato, ranzinza, aparentava estar na casa dos cinquentas, mas não se passaram quinze minutos de aula e ele dormiu, então a sala virou uma zona. Depois fomos para a aula de Álgebra, já com enormes diferenças. A professora era muito gente boa e acredito eu que ela nunca havia trabalhado com colegial antes, forçando-nos a fazermos uma breve apresentação sobre cada um de nós e ressaltando séries ou coisas que achamos interessantes. Não digo que foi chato. Percebi que haviam muitos garotos e garotas que gostavam de livros e séries, embora a maioria queria se tornar esportista ou modelo. De certa maneira foi engraçado.

Após o intervalo tivemos mais outras aulas e uma palestra sobre bullying. O último sinal anunciou a saída dos alunos, algumas moças distribuíam camisinhas nos portões principais. Era obrigatório pegar ao menos uma. Um garoto calouro recolheu umas cinco ou mais, porém com certeza ele não iria usar aquilo tudo em menos de três anos. Ele parecia tentar mostrar para algumas meninas as suas camisinhas, levava elas como se fosse um troféu, espalhadas em forma de leque na sua mão direita. Senti vergonha-alheia quando percebi que algumas meninas do segundo ano que haviam se transferido para cá estavam rindo dele. Coitado.

O pai de Jess á esperava em frente ao colégio, parecia estar ansioso. Falou para sua filha que precisavam lhe contar algo muito importante então gostariam de almoçar fora. Ela jogou sua cabeça em minha direção, eu saquei, o pai dela me convidou para ir junto.

— Poxa, Sr. Pablo. Infelizmente hoje não dá. Também tenho um compromisso com meus pais. – Eu notei que planejavam um momento em família e eu não gostaria de ser a intrusa. – Fica para uma próxima oportunidade, ok?

Eles concordaram. Me despedi de Jess e fui em direção ao estacionamento. Mike estava lá, tentando encontrar sua bicicleta no mutirão de mesmas.

— Perdeu sua magrela?

Ele olhou por cima dos ombros.

— Pois é. – Ele retornou a buscar sua bike.

— Precisa de ajuda? – Me ofereci.

—Sim, sim. – Aquela conversa estava estranha, parecia que não nos conhecíamos.

Eu comecei a procurar. Sua bicicleta era vermelha com um banco bem alto igual seu guidão, Mike também era alto.

— Ali está ela. – Apontei para uma entre as dezenas que estavam a nossa volta. Se encontrava quatro fileiras para frente.

—Obrigado, Aria. – Ele me agradeceu e eu sorri.

Não demorou muito para que ele pegasse sua bicicleta, indo em direção ao desfiladeiro que levava a saída do campus. Ele se virou para mim.

— Ei, Aria! – Chamou minha atenção. – Gostaria de sair comigo um dia desses? Quem sabe ao cinema ou a sorveteria.

De imediato fiquei nervosa, tive medo de gaguejar durante minhas falas, então disse a primeira coisa que veio em minha cabeça.

— Ah, claro. – Ele sorriu. – Podemos chamar a Jess e cair na noitada. – Então sua expressão ficou muda.

— Óbvio! Como pude esquecer da Jess?

Ops. Eu sabia que havia feito caquinha. Não é de hoje que sei que o Mike tem uma quedinha por mim, e não vou mentir, ele é bonitinho, mas somos quase melhores amigos eu acho, então a hora que esse assunto sai e eu percebo que ele está tendo uma recaída de paixão por mim, acabo me enrolando na hora de falar.

Vejo Mikael se afastando da escola. Ele é um bom garoto.

Será que ele sonha comigo levando churros para ele? Eu espero que não.

***

Durante a caminhada de volta para casa eu pensei em todos os clichês que ocorriam comigo. Me apaixonar por um dos garotos populares da escola. Meu melhor amigo gostar de mim e eu simplesmente não querer corresponder. E não é só isso. Já me ocorreram diversos outros clichês, mas isso é assunto para outra hora. Meu anjo do destino é muito sacana, e deve ser daqueles bem preguiçosos que não sabe mais o que fazer comigo, decide entrar na internet divina e dar um Ctrl+C e Ctrl+V em um tópico dos fóruns “Como dar um jeito na vida das pessoas durante a puberdade”, e ele não é o único. Não é nada original. Eu queria ter uma vida original, mas isso é o que toda pessoa que sofre da síndrome do clichê diz.

Eu entro em casa e por incrível que pareça não á ninguém nela. Subo as escadas e vou em direção ao meu quarto. Meu laptop ficou carregando durante toda a manhã, então desconecto da tomada e deixo o mesmo no meu colo. Me acomodo entre os travesseiros da minha cama deixando as costas escoradas na cabeceira.

“Síndrome do Clichê”

Me pego pesquisando sobre isso. O google não me ajuda, apenas me mostra depoimentos de outras pessoas que sofrem da mesma coisa. Descendo me deparo com um dos comentários que dizia “O principal sintoma é trouxisse aguda. Dói muito quando percebe que você tem”, e aquilo era verdade. Parei para pensar, e como doía. Aposto que doeu no Mikael tanto quanto em mim. Aposto que a Jess já deve ter sentido, ou não.

Eu poderia mudar de vida. Sério, Ariana? Que clichê. Mas como eu disse, todo clichê é verdadeiro e sempre funciona, ou na maioria das vezes. Pensei muito sobre aquele assunto. Como poderia largar essa situação. Não quero ser conhecida como A Garota Clichê no ensino médio, embora nunca seria chamada assim, se não mais que a metade dos adolescentes seriam apelidados da mesma coisa. Peguei minha caderneta.

“Regra nº 1 – PARE DE SOFRER POR AQUELE CARA!!!!

 

 Risquei várias vezes em volta, deixando como se fosse uma lista negra da morte. Queria ver se aquilo realmente entraria na minha cabeça.

Jess me mandou uma mensagem.

“Minha mãe está gravida. ”

Uau! Eu não sabia identificar se aquilo era um clichê ou não. Considerei aquilo como um começo para a vida original. “Toma, vagabundo! ” Pensei. Espero que meu anjo do destino tenha entendido que o recado era para ele. Peguei meu celular e digitei para a Jess.

“Parabéns! ”


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Notas finais do capítulo

Então, o que você achou? Sua opinião sobre a história é muito importante. O que mais gostou? O que não gostou? Obrigado.



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