— Senhores passageiros, pedimos que todos permaneçam sentados. Iremos prosseguir para a próxima estação assim que a nevasca diminuir. Desde já, pedimos desculpas pelos transtornos.  — som do alerta soou, encerrando a chamada.

                O garoto olhou pela janela enxergando apenas a escuridão. Deu um leve suspiro e escorou sua cabeça na janela, onde observou seu próprio reflexo. Sua pele estava um pouco mais pálida que o normal, provavelmente por causa do frio que ali fazia, seus olhos verdes pareciam brilhar ao reflexo e seus cabelos tão pretos quanto à escuridão da rua estavam um pouco mais longo do que se lembrava.

                Ele pegou um jornal que estava no banco vazio ao seu lado, que possivelmente tinha caído da mala de algum senhor que estivera ali anteriormente, e olhou a capa, que dizia em grandes letras garrafais "Grande nevasca se aproxima do estado". Mais um suspiro cansado do garoto, fazendo com que desistisse de ler o jornal.

                Mais ao fundo do vagão, uma garota olhou para seu relógio de pulso observando os ponteiros marcarem quase 23:00 horas. Deu um leve sorriso e colocou uma pequena mecha de seus cabelos ruivos atrás da orelha. Seus olhos cinza rodearam o vagão procurando algo para focar sua atenção e acabando pousando seu olhar no esquema da linha do metro.

                Contou o numero de estações que faltavam para chegar ao seu destino e, com um rápido cálculo, chegou a conclusão de que a estação provavelmente estaria fechada, o que tornaria um pouco mais complicado de achar um taxi para ir a sua casa. Ajeitou seu casaco, como forma de tentar se esquentar, e desviou seu olhar da linha e pousou o olhar em um garoto.

                A garota observou por alguns segundos o garoto, que de fato chamava muito a atenção. A ruiva não sabia dizer o que mais chamava a atenção, se era os exóticos cabelos azuis, a altura do garoto, que provavelmente passava dos 1,90m, ou os olhos tão azuis quantos os cabelos.

                O garoto fechou os olhos e começou, mentalmente, a contar de dez a zero, como forma de tentar acalmar-se. Abriu os olhos e enxergou a garota ruiva o encarando, ela corou um pouco e sorriu sem jeito. Ele maneou levemente a cabeça e depois desviou seu olhar. Enxergou o garoto de cabelos pretos recostado no vidro mais a frente do vagão.

                De repente uma garota loira de pele morena levantou-se e começou a se dirigir ao fim do vagão. O garoto de cabelos azul continuou a observá-la até que a mesma passou por ele e indo ao banheiro.

                A garota loira, após fazer suas necessidades, olhou-se no espelho, ajeitou o curto cabelo, apenas para tirá-lo da frente dos olhos. Lavou suas mãos e seu rosto na água quente, tirando um pouco do frio que sentia no corpo. Deu meia volta e se retirou do banheiro.

                Notou que o garoto de cabelos azuis, que antes ficara a observando, estava agora de pé, lendo algo em sua mão. Ela voltou a caminhar e ele focou seu olhar nela.

                - Você é Tier Hallibel? - perguntou o garoto de cabelos azuis

                - Sim - respondeu ela, apesar de estranhar um pouco o fato de ele saber seu nome.

                - Você deixou cair isso - falou o garoto entregando o papel a Hallibel. A garota notou que o papel era sua carteira de habilitação para dirigir.

— ah.. Sim obrigado... - ela esticou um pouco a palavra como forma de fazer o garoto dizer seu nome

— Grimmjow Jaguarjaquez - disse ele estendendo sua mão.

— Prazer - falou retribuindo o gesto

Ele a deixou passar e retornar ao seu lugar enquanto sentava-se novamente. A garota ruiva, que estava perto o suficiente para escutar toda a conversa, focou em um tópico da mesma. Tier Hallibel. Já havia escutado esse nome em algum local, porem não lhe vinha a mente qual era. Começou a divagar nas antigas memórias tentando se recordar.

Não pode evitar o sorriso que surgia em seu rosto, não tivera a vida mais fácil do mundo, mas também não se arrependia de tudo que havia passado. Lembrou-se de seu irmão, que cuidou dela com todas as forças que pode até seu infeliz acidente de carro que trouxe sua morte. Lembrara também de sua querida amiga, Tatsuki, que esteve sempre junto á ela, auxiliando com tudo que podia até mudar-se de cidade para viver com seu namorado. Deixou um sorriso mais triste se formar quando lembrou sua primeira paixão, Kurosaki Ichigo. Lembrou-se de Rukia, namorada de Ichigo e uma ótima amiga, apesar do envolvimento dela com sua primeira paixão.

Então, como trovão que não anuncia sua chega, lembrou-se de Neliel, uma garota um tanto diferente, por assim dizer. Neliel, ou Nel-chan, como gostava de chamar foi sua grande amiga quando Tatsuki fora embora e, tinha 99% de certeza de que era ela quem havia falado o nome Tier Hallibel. A ruiva, curiosa desde pequena, resolveu perguntar. Caminhou até o local que a loira estava, passou pelo garoto que, se ouvirá bem, se chamava Grimmjow, e sentou-se em frente a Hallibel.

— Ah... - Começou a ruiva com um pouco de vergonha - Você conhece a Nel-chan? Digo, a Neliel Tu O-alguma-coisa? - disse sem conseguir lembrar-se do sobrenome da amiga.

— Odelschwanck - Pronunciou a loira de forma correta, com um pequeno sorriso - Sim ela é uma prima distante - informou a loira.

— Eu sabia que já tinha escutado seu nome em algum local - Disse a ruiva batendo pequenas palminhas - Sou Inoue Orihime, uma ex-colega da Nel-chan - Depois da rápida apresentação, Hallibel e Orihime desencadearam uma conversa sobre as grandes aventuras vividas com a amiga em comum.

O garoto de cabelos negros olhou levemente na direção das garotas, pensando em como as pessoas conseguiam se relacionar tão facilmente com desconhecidos. Colocou a mão no bolso de sua jaqueta preta e retirou seu celular, apertou o botão de desbloqueio e olhou o relógio, que marcava 00:01h.

 "Pelo menos esse atraso serviu de algo" pensou ele desativando o despertador do aparelho. Guardou novamente no bolso e depois começou a mexer no bolso da calça jeans azul. Retirou de lá um pequeno frasco de cor laranja com uma tampa branca, que possuía um ultimo comprimido branco dentro. Tentou, pela milésima vez, ler o nome do antibiótico, mas o médico que o receitou tinha uma péssima caligrafia, nem mesmo conseguia ler Ulquiorra, isto que era seu nome. Engoliu o remédio e guardou a embalagem vazia, finalmente livrara-se daquele tratamento para garganta inflamada.

O som da conversa das garotas foi abafado pelo ringido da porta que liga um vagão ao outro. Ulquiorra observou três homens, claramente embriagados, passarem pela porta falando mais alto do que deviam. No mesmo momento ele pressentiu problemas. Ele não tinha tanta afinidade com bebidas, mas possuía afinidade com bêbados e esses, normalmente, geravam problemas.

Grimmjow viu as garotas ficarem caladas e observou a ruiva fazer uma cara de preocupação. "Ótimo" pensou o garoto de cabelos azuis. Os homens passaram pelo seu lado e ele pode claramente sentir o odor de Vodka. Continuou observando os três homens andarem cambaleantes em direção a Hallibel e a Orihime. Os três embriagados começaram a conversar com as garotas que logo ficaram com os rostos vermelho, provavelmente de vergonha.

O garoto suspirou e levantou-se e caminhou até onde elas estavam e, quando um homem tentou levar a mão para tocar em Hallibel, Grimmjow interveio, segurando-o.

— Ok amigos, acho que as garotas já ouvirão o suficiente e querem descansar - Disse o azulado afastando o braço do homem, com certa brusquidão.

— Vejam só, tem alguém tentando se tornar herói - disse o homem que Grimmjow agarrará o braço.

— Garoto é bom você não se meter nisso - Disse o outro mais distante.

— É, afinal, são três contra um - disse o terceiro homem.

— São três contra Dois na verdade - Disse Ulquiorra se colocando junto ao grupo, fazendo com que os três homens o encarassem.

Um silêncio tenso se formou no ar e Ulquiorra, já prevendo uma briga sussurrou para Inoue que estava ao seu lado "Mulher, peça ajuda". Um dos homens fechou o punho e no mesmo instante somente uma coisa passou pela cabeça de Grimmjow: "E lá vamos nós".

Com certa habilidade o garoto de cabelos azuis desviou do soco do homem, passando por debaixo do braço do mesmo e lhe dando uma cotovelada nas costas, mas isso fez com que perdesse segundos preciosos e acabou levando um soco no lado direito de seu rosto. Retribui o gesto o mais rápido que pode, acertando em cheio o queixo do homem que cambaleou, mas não caiu e, quando ia repetir a dose, fora segurado pelas costas.

Como única possibilidade de fuga do "abraço" do homem, Grimmjow pulou dando um chute com os dois pés no peito do homem a sua frente, derrubando-o. O movimento fez com que o homem que o segurava perdesse o equilíbrio e caísse de costas no chão, com o peso do azulado por cima.

Ulquiorra travava um combate mais duro com terceiro homem que, na visão do moreno, desferia golpes rápidos visando sempre o seu rosto. Naquele momento, agradeceu mentalmente por ter feito aqueles seis meses de boxe, pois, graças a isso que continuava intacto. Ulquiorra desviou de um soco de esquerda do homem e lhe deu um gancho de direita no queixo, nocauteando-o. Olhou para o azulado e viu o mesmo se levantar e os dois homens caídos.

— Até que foi rápido - Comentou Grimmjow.

—----- minutos depois -----

Os quatro observaram os seguranças levarem os bêbados embora. O que aconteceu foi que, segundos após o final da luta, os seguranças da companhia chegaram e iniciou-se um debate sobre quem era o culpado de tudo aquilo e só foi encerrado quando Hallibel ameaçou processar a empresa de transportes por falta de segurança.

Ulquiorra, como havia feito diversas vezes naquela noite, soltou outro suspiro cansado. Virou-se de forma lenta com o intuito de voltar ao seu lugar de origem, mas parou ao ver Inoue a sua frente. A garota, sem conseguir se segurar, acabou abraçando o moreno.

— Obrigado. Muito Obrigado - disse a ruiva deixando algumas lágrimas caírem pelo seu rosto. O garoto ficou sem reação.

— Mulher, não precisa tudo isso - falou tentando acalmar a garota.

— Precisa sim! - disse ela firme - Afinal vocês poderiam ter se machucado - falou ela enxugando as lágrimas nas mangas do seu casaco - Vocês defenderam a gente e eu nem sei o nome de vocês - disse ela rindo um pouco sem jeito no final.

— O meu é Ulquiorra Schiffer - apresentou-se o moreno.

— Obrigado Ulquiorra-kun e Grimmjow-kun - Disse Orihime abraçando os dois pelo pescoço, que não souberam reagir.

— Grimmjow - disse Hallibel se manifestando - Te acertaram - perguntou vendo um filete de sangue começar escorrer da sobrancelha do garoto.

— Hum - disse ele colocando a mão no rosto - É. Parece que sim - falou vendo a mão com resquícios de sangue.

— Oh meu Deus! - Disse a ruiva colocando a mão na boca, que agora formava um perfeito "O" - Nós temos que chamar um médico! - Falou firme

— É apenas um corte superficial - falou ele fazendo pouco caso pressionando a ferida com a mão.

— Não é não - ela falou o que parecia brava - Não é mesmo, Ulquiorra-kun? - ela falou olhando para o moreno, que estava de costas voltando ao seu lugar - Ulquiorra-kun? - falou ela surpresa.

O garoto parou de caminhar e olhou sobre os ombros. A ideia de retornar ao seu assento parecia tentadora, pelo menos mais tentadora do que a ideia de ficar conversando com três desconhecidos em um trem parado no meio de uma nevasca. Observou o rosto da ruiva que esperava uma resposta.

— Deixe pra lá Mulher - falou sério - Ele não vai morrer por causa desse corte. E mais, aonde você arrumaria um médico há essa hora? - Seu comentário, apesar de não expressar a verdadeira razão de o porque não querer estar ali, era totalmente plausível.

— Você - disse Hallibel apontando para Grimmjow, chamando a atenção de todos - pode se sentar. Tenho que fazer você parar de sangrar antes que Orihime tenha um ataque - falou sincera.

— E você é médica? - o azulado perguntou sério.

— Não - Ela respondeu calma.

Grimmjow observou a loira saindo até a sua mochila de viajem. Considerando as opções que tinha, que eram a de esperar o sangue coagular sozinho manchando assim todas as suas roupas até isso acontecer, ou colocar algo sujo por cima da ferida para tentar estancar o sangramento arriscando pegar uma infecção, ou ter a ferida cuidado por uma terceira pessoa que provavelmente a limparia e arranjaria um jeito de estancar sem arriscá-lo a pegar uma infecção, resolveu ficar com a ultima escolha.

— Só não vá furar meu olho no processo Loira, ele é muito útil para mim - falou ele em um tom zombeteiro enquanto se sentava.

— Não me dê ideia azulado - falou ela retirando uma garrafa de água da mochila

— Problema resolvido - falou Ulquiorra voltando a caminhar ao seu banco

O moreno sentou-se e voltou a encarar seu próprio reflexo na janela. A neve na rua agora era um pouco mais forte, e ele gostava de pensar que rapidamente o trem voltaria a se movimentar e o tiraria daquele fim de mundo, porem sabia que isto era apenas um desejo que demoraria a se concretizar. Seus pensamentos foram interrompidos quando o som de alguém se sentando ecoou por sua mente. Retirou a cabeça da janela apenas para ver que a ruiva estava sentada do seu lado. Ela sorriu sem jeito para o garoto que voltou a olhar pela janela.

— Eu achei que você iria ficar conversando com eles mulher? - falou Ulquiorra sem retirar a cara da janela.

— Eles parecem estar em um ritmo diferente - ela comentou sorrindo.

O moreno encarou os outros dois indivíduos sentados mais ao fundo do vagão. Ela estava limpando o rosto do garoto com um pano e pareciam estar conversando, porem não era alto o suficiente para escutar. Para o indiferente Ulquiorra aquilo era algo normal.

— Você por acaso esta vendo a mesma cena que eu mulher? - ele voltou a encarar a janela.

— Hum... - ela fez uma cara confusa - Eu estou vendo a cena da Hallibel-chan e do Grimmjow-kun conversando animadamente - Ele a olhou sem demonstrar nenhum tipo de emoção e depois olhou para os outros dois. Novamente, ambos estavam normais.

— Eu não vejo nada de animado lá mulher - ele novamente se escorou na janela.

— Você não está vendo direito Ulquiorra-kun - ela comentou dando um pequeno sorriso.

— Mulher até onde eu sei, só existe um jeito de enxergar as coisas, e esse jeito é o de como elas realmente são - o moreno comentou ainda encarando a garota, que dava algumas risadas abafadas.

— Você tem que olhar com seu coração, Ulqui-Kun.

— O que você quer dizer mulher? - De repente a ruiva viu os olhos esmeralda do garoto demonstrar uma imensa curiosidade.

— Quer dizer que você tem que olhar todo o contexto - Ela começou devagar - Olhe para eles dois - ela disse maneando a cabeça na direção do outro casal. O moreno se virou também - Eu posso simplesmente dizer que são dois desconhecidos como você falou.

— O que é verdade - ele a cortou

— Sim, realmente é verdade. - Ela confirmou - Porém, veja mais atentamente o Grimmjow-kun - ele focou o olhar no garoto de cabelos azuis - por mais calmo que ele tente parecer, ele está inquieto. Isso pode não significar nada, como pode também significar que ele está começando a se sentir atraído por ela e está envergonhado - ela falou observando o moreno que ainda encarava o casal. Ulquiorra realmente tentou entender o que a ruiva comentou, mas nada daquilo parecia realmente fazer sentido.

— Eu ainda não entendo o que você quer dizer mulher - Ele falou antes de voltar a sua posição original. O moreno fora surpreendido pela garota que surgiu do nada e segurou firmemente seu rosto entre as mãos e, com uma expressão raivosa, lhe disse:

— É Orihime. O-RI-HI-ME - ela separou seu nome para ele entender. Honestamente nunca tinha dado importância para como era chamada pelas pessoas, porém ser constantemente chamada de mulher a irritava.

— O-okay - Ele gaguejou enquanto observava o rosto irritado dela a centímetros do seu - Orihime - ele finalizou.

Quando a garota abrira a boca para falar algo, um forte vento gélido soprou por todo o vagão, lhe causando arrepios. Ela olhou para o fundo do vagão onde Hallibel descia por uma porta para fora do trem. Esfregou as mãos por seus braços rapidamente para tentar se esquentar, algo que não passou despercebido pelo moreno. Ulquiorra segurou a mão da ruiva e percebeu que a mesma estava muito fria.

— Você está com frio Orihime

— É só um pouco Ulqui-Kun - ela mentiu para ele.

— Você está congelando - O garoto, em um ato de cavalheirismo, como tinha aprendido a fazer desde criança, retirou seu casaco e largou sobre as mãos da dela - Vista isso, você irá ficar resfriada - ele novamente se recostou na janela, desviando seu olhar dela.

— Tudo bem Ulqui-kun, você p....

— Não tem discussão Orihime - ele falou firme - Vista-se.

Vendo que o cavalheirismo do moreno soou mais como uma ordem, ela resolveu não argumentar mais. Porem a ruiva sempre aprendeu a não causar problemas para os outros e, retirar o casaco de alguém naquele frio era causar problemas. Foi quando uma rápida ideia passou pela sua cabeça.

Orihime se sentou ao lado do garoto e jogou o casaco por cima de ambos, o que atraiu a atenção dele.

— O que está fazendo Orihime?

— Eu não posso deixar você com frio, Ulqui-kun - ela falou séria e ele apenas continuava a encarar.

Antes que ele conseguisse opor-se, a ruiva escorou sua cabeça no ombro dele e fechou os olhos, enquanto se ajeitava melhor embaixo do casaco que agora servia como cobertor de ambos.

— Você é muito peculiar mulher— Ele falou, frisando a ultima palavra, antes de se recostar novamente na janela.

— É Orihime... - ela falou adormecendo rapidamente e ele sorriu e ajeitou melhor o casaco sobre a garota.

—-----------Quebra de tempo----------------

— Grimm, você está parecendo uma criança, pare de se mexer - ralhou ela.

— Não e seu rosto que esta ardendo - ralhou ele de volta - E eu não sou criança Halli.

— Não e o que esta parecendo. E desde quando eu tenho um apelido? - ela perguntou curiosa

— Desde momento em que você me deu um - respondeu ele como se fosse óbvio.

O garoto de cabelos azuis firmou-se um pouco mais no banco, fazendo com que Hallibel tivesse menos trabalho na limpeza do ferimento. Ele começou a pensar em outras coisas para tentar desviar sua atenção da leve dor que sentia. Foi então que notou algo familiar em Hallibel.

— Seu perfume - falou Grimmjow - ele é o mesmo perfume que eu dei para minha ex-namorada - finalizou ele enquanto ela terminava de limpar o rosto dele.

— Desculpe por isso - disse ela.

— Foi a única coisa dela que eu já gostei na vida - ele falou rindo, arrancando alguns sorrisos dela.

— Rasga pra mim? - pediu ela entregando uma toalha a ele, que a rasgou com facilidade.

Ela começou a enrolar a toalha em sua cabeça para tentar estancar o pequeno sangramento de seu corte. Ela colocou uma das mãos dentro dos cabelos do azulado, para firmar a cabeça dele e constatou que, os cabelos dele não eram só bonitos, como também era sedosos e macios. Ela o enfaixou com calma e sem pressionar muito o corte, afim de evitar qualquer tipo de sangramento.

— Você até briga bem, sabia? - disse ela, tirando uma leve risada dele.

— Onde eu cresci, ou você aprendia a brigar ou virava carne para cachorro - falou ele.

— Nossa - surpreendeu-se ela - de onde você vem?

— Hueco Mundo, bairro dos Hollow.

Hallibel arregalou os olhos. Conhecia a cidade de Hueco Mundo, era uma cidade enorme, tanto populacional quanto economicamente falando. Por muitos era chamada de A cidade que nunca dorme isso porque a cidade tinha a peculiaridade de ter noites mais longas que os dias fazendo com a cidade trabalha-se tanto a noite como no dia. Este era o ponto bom da cidade, no lado ruim existia o bairro Hollows. O bairro era o submundo do crime, que controlava metade da cidade. Hallibel escutara boatos que nem a policia entrava na cidade de tão bem armado que eram os bandidos que ali viviam. Ficou com um pouco de medo do garoto de cabelos azuis mas, podia ver em seus olhos uma humildade acolhedora.

—E você? De onde vem? - perguntou o garoto de cabelos azuis, tirando a loira de seus pensamentos.

— Las Noches - Respondeu ela.

Desta vez foi ele que ficou surpreso. Las Noches era o bairro mais rico de Hueco Mundo, nele só moravam políticos, advogados e juízes. Ele deu uma observada melhor na roupa de Hallibel que usava um casaco preto, quase uma espécie de sobretudo, e uma calça jeans na cor branca, possuía dois brincos na cor prata e uma corrente dourada no pescoço. Grimmjow sentiu-se um idiota, claramente Halli se mostrava uma garota da alta sociedade, não só no modo de se vestir como também nas palavras que utilizava.

— A dama e o vagabundo - disse ele dando uma pequena risada.

— Fique aqui um minuto - ela pediu e se afastou indo até sua mochila, ignorando totalmente o comentário do azulado.

O garoto observou a loira pegar mais uma toalha, sendo essa um pouco menor, ela saiu e foi ate a porta abrindo-a em seguida. " o que essa a louca vai fazer?!" Pensou ele.

A garota pode sentir no rosto todo aquele vento gelado da nevasca que pareciam agulhas cravando em sua pele. Olhou para cima e enxergou uma densa e forte neve caindo. "Deve ser por isso que estamos parados" pensou ela. Deu uma rápida ajeitada no casaco e desceu do vagão. Caiu de pé na neve lamacenta que estava no chão e, no mesmo instante, sentiu seus pés ficarem mais gélidos do que estavam. Com pressa, abaixou-se e colocou um pouco de neve sobre a toalha.

Rapidamente subiu ao vagão e fechou a porta. Retirou a neve que acumulou em seus ombros e deu leves batidas com os pés, tentando remover a lama dos mesmos. Olhou o azulado e viu que ele estava com uma cara surpresa. Caminhou ate o garoto, enquanto carregava sua toalha cheia de gelo, apoiando-se nos puxadores dos trilhos visto que seus pés estavam muito escorregadios.

— Você é louca?! - perguntou Grimmjow quando ela estava mais próxima.

— Só um pouco - respondeu ela

Quando Hallibel terminou de responder a pergunta e se aproximou, acabou perdendo o equilíbrio. Como ultimo recurso para não cair no chão, à loira fechou os olhos e se jogou em direção ao azulado, apoiando as mãos em algum lugar entre o peito dele e o banco. Ela abriu os olhos lentamente e quando pode enxergar observou a imensidão azul dos olhos de Grimmjow.

Ela estava perto, perigosamente perto, deduziu o azulado. Os lindos olhos verdes como as águas do caribe que sonhava tanto em visitar, pareciam o hipnotizar e o leve rubor na face dela somente a deixava mais bonita. Ele engoliu seco e lentamente abriu a boca para falar algo, mas os sons não saiam. "Qual é Grimmjow? Vai amarelar?" ralhou consigo mesmo em pensamentos.

Ao concluir o rápido pensamento, foi surpreendido pela garota que lhe depositava um singelo beijo nos lábios. Naquele momento, pela primeira vez na noite, Grimmjow queria que o vagão não voltasse a andar, que nevasse mais forte, pelo menos pelos próximos segundos, por que assim poderia aproveitar mais daqueles lábios quentes da loira. Separaram-se depois de alguns segundos, ambos corados.

— A Dama e o Vagabundo... - Falou Hallibel, virando o rosto - é o meu filme predileto - ele sorriu para ela.

— Pode ser o meu também - respondeu ele.