Recomeço escrita por


Capítulo 1
Capítulo um




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Jonny nunca gostou de casamentos. Nunca mesmo. Mas... Pelos Deuses, o que ele não faria á pedido de Maria? Á pedido da mulher que sempre amara? Absolutamente qualquer coisa.

Então, quando Maria ligou para ele pedindo que estivesse na celebração da união de Paula e Aster, ele não poderia negar. E, aliás, sentia enorme apego pelo casal. Por isso, quando eles dois fizeram seus votos, Jonny estava lá, sorridente.

A festa foi linda. Ele não podia negar. Mas a festa não era tão importante. O que importava, no momento, era seu “sexto sentido”, que gritava para que corresse até a casa de Maria, que ela dividia com Lucy, sua filha.

Jonny aprendera com os anos á não ignorar seu sexto sentido.

Ainda de terno, caminhou num passo apressado até a pequena construção feita de madeira que ficava na base da floresta. Ao chegar lá, bateu três vezes na porta pintada de azul. Não recebeu resposta.

Inconscientemente, recolheu suas asas de coruja para junto do corpo. Estas passaram a arrastar ligeiramente no chão, mas ele não se importava. Nunca se importou. Respirando profundamente, tentou girar a maçaneta. Para sua surpresa – e espanto -, estava aberta.

Maria estava deitada no sofá, ainda de vestido. Jonny arriscou um olhar para a porta do quarto onde ele sabia que a pequena Lucy dormia. A porta estava entreaberta.

— Jonny! — Maria o chamou. A voz dela estava fraca. Alarmado, ajoelhou-se no chão, e sentiu algo abaixo de seu joelho. Puxou o que quer que fosse. O objeto se revelou ao mesmo tempo em que um forte cheiro lhe consumia. Era uma seringa. Uma seringa de veneno.

— Maria. Maria, o que aconteceu? — Ele perguntou. Mantinha a calma, como sempre fazia. Era um dos únicos que, nessa situação, não entraria em pânico.

— Fui condenada. Pela Ordem dos Prinks. Não posso e nem pude fazer nada. Eles seguem as regras dele. — Ela falou, a respiração começando a pesar. Jonny tomou a mão de sua velha amiga nas suas, constatando um frio inacreditável.

— Condenada á que, Maria? E por quê? — A bombardeou de perguntas. Ela apontou para a mesa, onde havia uma carta. Mas, antes que ele se levantasse, ela apertou seus dedos. Seu rosto pálido estava coberto por uma grossa trilha de lágrimas.

— Me perdoe. Por não te amar do jeito que você me ama. Não te amar á mais do que á um irmão. — Pediu. Jonny sorriu ligeiramente, se inclinando para sussurrar-lhe ao ouvido:

— Você não precisa se desculpar. Eu sou grato por te ter como uma irmã, minha doce Maria.

— Cuide dela. Por favor, não deixe que eles a levem. Salve minha filha. — Maria sussurrou. Jonny não entendeu, mas apenas assentiu com a cabeça. Maria sorriu uma última vez. E seus olhos se fecharam.

O homem necessitou de um segundo. Talvez tenham sido alguns minutos. Ele não sabia, não se importava. Passado algum tempo, soltou a mão de sua amada e se levantou, suspirando pesadamente. Tinha vontade de chorar, mas não podia. Não ainda. Precisava ser forte, principalmente por causa de Lucy.

Se encaminhou para a mesa de mogno negro que ficava no centro da sala. Em cima desta, havia um papel timbrado com o símbolo da Ordem dos Prinks. O pegou, abriu o lacre e leu a mensagem, sentindo um nó em sua garganta:

 A Kounéli Maria Caspita Bryson, moradora desta casa, foi condenada á morte por descumprir nossa regra mais importante:

Matar um de nós.

A Kounéli, em um acesso descontrolado de raiva, matou um de nossos guardas. Após profunda investigação, foi-se provado que ela tentou sair sem permissão de uma de nossas reuniões secretas, e, após ser segurada, matou o guarda em um único golpe.

Por um julgamento, Maria será executada por veneno, um dos métodos mais piedosos que temos. Sua filha, Lucy Bryson, será pega ao amanhecer para trabalhar para nós, como forma de retaliação pelos erros de sua mãe. Ela não pode e não deve fugir, mas sim ser entregue para nossa Ordem.

“Que nossas regras sejam cumpridas por séculos e séculos.”

Atenciosamente,

Abaixo, seguia-se uma lista imensa com nomes diversos dos praticantes da ordem. Com as mãos trêmulas de raiva, Jonny devolveu o papel á mesa e caminhou rapidamente ao quarto da criança.

Ela dormia jogada em sua cama, também com o delicado vestido branco que usara na cerimônia. Com cuidado para não acordá-la, o híbrido de coruja foi até um guarda-roupa e o abriu.

Provavelmente Maria sabia que ele faria isso. Uma mala o esperava ali, já com algumas roupas e, escondido no fundo, um pouco de dinheiro. Não muito, mas era suficiente para pagar uma hospedagem, por exemplo. Tirando a adaga de seu cinto, a colocou dentro da mala, fechou o zíper e a tirou do móvel. Voltou-se para a cama da pequena e se abaixou.

No chão, havia um par de botinhas, também brancas. Ele a pegou e começou a vestir nos pés da menina, que estavam cobertos por uma meia-calça rosa. Ela se mexeu, abrindo os olhos. Os olhos que Maria tivera em sua vida, que tanto impactavam Jonny.

— Tio Jonny? — Ela perguntou, ainda sonolenta. Ergueu uma mão e coçou o olho, fazendo um pequeno bico manhoso. Ele sorriu carinhoso, e a puxou para seu colo.

— Vamos fazer uma viagem, meu amor. Sua mãe foi na frente, nós vamos encontra-la, tá? Volte a dormir. — Ele comunicou, e ela o fez. Abraçou, com os braços finos, o pescoço do homem, cruzou as pernas na cintura dele e dormiu de novo.

E, então, Jonny correu. Saiu apressado da casa, segurando fortemente a menina com uma mão e a mala com outra. Saiu pela porta de trás, evitando que a criança e ele próprio vissem o corpo já sem vida de Maria.

Não passou em sua casa. Não tinha tempo, o dia estava para amanhecer. No lugar disso, foi atrás da única que poderia ajuda-lo a sair dali. Adentrou a floresta, seguindo a trilha Oeste, atrás da Mãe Natureza. Atrás de sua rainha, Eulëyn.

***

Ele nunca imaginou que estaria, novamente, em um mundo humano. Sobretudo, após prometer á si mesmo que nunca esconderia suas asas. Mas... Bem. Lá estava ele.

Com roupas “normais”, as asas escondidas por magia, caminhando pelas ruas subterrâneas de Londres com uma criança adormecida nos braços. Uma criança que, acima de tudo, não era sua.

O barulho dos metrôs era estranho. Principalmente para Jonny. Lucy se mexeu ligeiramente, mas não abriu os olhos. Segundo Eulëyn, ela havia tomado algum calmante. Um dos planos de Maria, para que a filha não a visse ser assassinada.

Com um pouco de habilidade, tirou o paletó e o jogou nos ombros da menina, para aquecê-la. Não estava com tanto frio, mas sabia que baixas temperaturas causavam certo incômodo na pequena.

— Ainda falta muito? — Ele perguntou, voltando o olhar para a mulher á seu lado. Ela era a mais “normal” dos três, vestida com uma calça jeans e um moletom de mangas compridas. Quem a via assim nem imaginava que estava na presença da Mãe Natureza.

— Há uma hospedaria subindo as escadas. — Ela parou, e apontou um lance de escadas compridas. Ela entregou para ele dois pedaços de plástico, as identidades de ambos.

— Obrigada. Por tudo o que fez pela gente, Eulëyn. — Ele agradeceu, fazendo uma leve reverência, antes de começar a subir o lance de escadas. Lá para o quinto degrau, parou e olhou para trás. Ela não estava mais lá.

Terminou de subir as escadas e deu de cara com uma rua movimentada, cheia de carros e pedestres. Londres, pelo que parecia, era uma cidade que funcionava 24 horas. Continuou caminhando, até chegar á uma rua, chamada Rua Baker. Se dirigiu ao número 15 e bateu na porta.

— Vocês têm vaga? Para uma noite? — Pediu, para a mulher que os recepcionou. Ela sorriu para ele.

— Tem sim. Lá em cima — Apontou para poucos degraus, uma escada fina que levava á alguns quartos. — Vem, eu te ajudo com a mala.

Subiram. No quarto, apenas uma cama. A recepcionista se desculpou. Os outros quartos estavam ocupados. Ele sorriu e balançou a cabeça. Daria um jeito.

Quando ela finalmente foi embora, depois de servi-lhe uma xícara de chá quente e alguns biscoitos, ele colocou Lucy no colchão macio. Tirou com cuidado suas botas e a cobriu, agora com um lençol.

Puxando um outro travesseiro que estava ali, jogou-o no chão e se deitou ali mesmo. Suspirou baixinho, e fechou os olhos, mas os abriu um segundo depois. Uma mão pequena escorregou da cama, á procura da dele. Jonny segurou fortemente os dedos de Lucy, como se quisesse dizer que estava ali.

— Boa noite, papai! — O sussurro foi tão baixo que ele quase não escutou.

— Boa noite, minha doce Lucy. — Sussurrou de volta, e fechou novamente os olhos.

Era o primeiro dia de sua nova vida. O primeiro dia em que deixava toda sua herança mágica para trás e passava a viver em meio á humanos, com uma menina de três anos sob seus cuidados.

Ali iniciava o recomeço de Jonny e Lucy.


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Notas finais do capítulo

Semana que vem tem o segundo capítulo



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