First Love escrita por yumesangai


Capítulo 1
Capítulo único




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O céu estava verdadeiramente cinza, havia até nevoeiro na rua, Hoseok nunca viu um dia tão atípico, ele foi andando pelo acesso de pedestres na ponte, ele descia e dava para as grades do cemitério, ele odiava esse caminho à noite e agora com esse tempo, mesmo à tarde parecia noite.

Ele considerou atravessar para o outro lado, mas não havia uma faixa de pedestres ali e era bem na saída da ponte, ele nunca iria conseguir passar se ficasse esperando.

Os postes estavam com a luz piscando, ele abraçou o próprio corpo e começou a caminhar mais rápido, se filmes de terror haviam o ensinado alguma coisa era a não ficar parado enquanto algo sobrenatural cercava o ambiente.

Uma chuva forte começou. Aquela que em poucas gotas e você já está encharcado. Hoseok abriu o guarda-chuva e correu para dentro do cemitério, era a melhor forma de cortar caminho. Ele correu de cabeça abaixada, ele não precisava olhar para as lápides, para os arranjos ou para a terra ainda macia.

Ele só precisava seguir para o outro portão.

Uma rajada de vento quase arrancou o guarda-chuva de sua mão, e ao mesmo tempo o fez erguer o rosto, e ele viu as lápides, as flores, e também viu um garoto.

Sentado na chuva, sentado numa lápide parecendo cabisbaixo.

Hoseok segurou a respiração.

Mais tarde ele diria que foi o destino, naquele momento, foi uma brisa de coragem que o fez se aproximar, ele estendeu o braço e cobriu o garoto, seus cabelos estavam pingando chuva, seu rosto estava pálido, ele ergueu o rosto parecendo surpreso.

Ele abriu a boca.

Hoseok empurrou o guarda-chuva nas mãos dele e saiu correndo.

― Você pode me ver? – O garoto disse.

Mas Hoseok não ouviu, ele já estava longe e a chuva abafando os sons externos.

***

No dia seguinte, na monótona aula pela manhã, Hoseok encarava o pátio, outro dia de chuva, dessa vez mais fina e sem nevoeiro, ele não precisaria passar pelo cemitério, mas...

Ele culpou a curiosidade, mas mais tarde, ele chamou de destino.

― Sabe, não está mais chovendo. – Hoseok disse ao avistar seu guarda-chuva, com o mesmo garoto, em frente a mesma lápide.

Ele deveria estar sofrendo bastante para continuar ali, com as mesmas roupas.

― É o primeiro presente que eu ganho. – Ele se virou e girou o guarda-chuva, em seguida o fechou e o deixou ao lado da pedra.

Hoseok não havia dado o guarda-chuva, na verdade ele gostaria de tê-lo de volta, mas achou melhor não falar nada.

Foi a primeira vez que Hoseok esticou o pescoço para tentar ler o nome na pedra.

― Min Yoongi. Quem é Min Yoongi?

O garoto arqueou as sobrancelhas.

― Sou eu.

Hoseok riu, mas o garoto não riu, sequer piscou. Ele parecia sério. Hoseok encarou o nome novamente e depois o garoto.

― Isso não tem graça. – Ele estava recuando um passo, a mão apertando com força a alça da mochila.

― Eu também não acho engraçado, mas acho que não dá pra mudar isso. – Ele se sentou sobre a lápide, do mesmo jeito que no dia da chuva.

― Eu estou vendo um espírito, eu estou falando com um! – Hoseok estava em choque.

Yoongi girou os olhos.

― É, não me confunda com um gênio da lâmpada, eu não posso atender pedidos.

― Você acha que isso tem um propósito!? – Perguntou meio que sussurrando. – É por isso que eu posso te ver? Por isso que aquele mau tempo me trouxe até aqui?

― Não, eu acho você se trouxe até aqui porque queria cortar caminho. – Disse apontando na direção que levava a outra saída.

Espíritos deveriam ter senso de humor? Hoseok recuou um pouco ofendido.

― Além disso, eu nunca vi espíritos na vida, por que você?

― Eu nunca morri antes, eu não sei como funciona.

― Você é bem despreocupado. – E isso o acalmou, ele não estava mais ansioso e com vontade de sair correndo.

― Eu estou morto. – Frisou girando os olhos.

Hoseok olhou em volta, procurou alguma câmera, algo que indicasse que aquilo era uma pegadinha idiota, mas o cemitério estava silencioso como deveria ser.

― Por que eu não consigo ver os outros então?

― Eu também não vejo os outros.

― Não? Aqui não deveria ter uma dezena de espíritos?

― E o que você acha que a gente faz? Festa no cemitério?

― Em primeiro lugar, é Festa no Céu. – Yoongi franziu o cenho e Hoseok percebeu que ele não fazia ideia do que ele estava se referindo. – O filme? A animação? – Ainda nada. – Você não vê desenho? – Yoongi o encarava, sim claro, ele estava morto, ele não via nada. – Você não via desenhos?

― Não.

Hoseok o julgou um pouco.

― O que você fazia? Como você morreu? Talvez nós devessemos começar do começo, eu só sei o seu nome.

Yoongi encarou o próprio nome na lápide e suspirou.

― Hoseok não é? Bom-- - Mas antes que começasse o garoto o interrompeu.

― Você sabe o meu nome!? Você consegue ver o futuro?

― Não, você tem uma tag no seu uniforme.

Hoseok encarou a tag presa do lado esquerdo.

― Ops, pode continuar com a sua história.

Yoongi o encarou como se esperasse ser interrompido novamente.

― Eu tinha acabado de me formar, eu produzia músicas, e eu morri num acidente de carro.

― Você estava sem cinto?

― Eu não estava no carro, eu... Hã. Eu não lembro direito.

Ele parecia sincero e um pouco confuso, Hoseok não queria forçar o assunto, provavelmente era doloroso.

― Você acha que tem um propósito estar aqui?

― Não sei, mas eu costumava ter um cachorro, tenho certeza que meus pais o colocaram num abrigo. – Ele não percebeu, mas estava fazendo um bico e com os ombros encolhidos, assim ele não parecia mais velho do que Hoseok.

Ele sabia que Yoongi era mais velho. Ele tinha essa aura que indicava isso, embora seus ombros fossem estreitos e ele não parecesse tão austero.

― Por que eles não ficariam com o cachorro?

― Porque iria doer, e acho que seria muito triste para ele também, com o meu quarto sempre fechado.

Hoseok conseguia imaginar a cena, ele não precisava saber como era a casa ou o cachorro, e isso foi uma pontada em seu coração.

― Eu posso procurar pra você, eu sempre quis um cachorro.

Hoseok sabia que tinha falado por falar.

― Você faria isso por mim? – Mas os olhos de Yoongi brilharam, seu rosto se iluminou, como se isso fosse possível para um fantasma, ele parecia realmente vivo.

O coração de Hoseok palpitou.

― Se for te trazer paz, por que não? Além disso, ele merece um bom lar.

― Holly! – Yoongi pulou da lápide e agarrou o braço de Hoseok, ele achou que fosse como receber um choque ou a sensação de calafrio, mas era apenas um toque, sem calor, vazio. – Ele tem o pêlo castanho como chocolate, é pequenininho, tem o nariz e olhos pretos!

Mas Yoongi tinha energia o bastante, Hoseok sentiu o estômago embrulhar. Seria isso como fazer um pacto com o sobrenatural? Ele não gostava de não via filmes de terror, mas sabia bem como eram essas histórias.

Yoongi pareceu perceber que eles não estavam em sintonia, ele recuou com o cenho franzido.

― Você não precisa fazer isso por mim, Holly é especial, outra pessoa deve ter ficado com ele, talvez uma criança que o ame tanto quanto eu amava.

Hoseok estava negando o que poderia ser o desejo de libertação de um fantasma. Ele odiava ainda mais esse sentimento.

―Não, eu irei procurar nos abrigos.

Yoongi tentou não se mostrar muito empolgado, mas ele não disfarçou muito bem, ou escondeu o sorriso.

***

― Eu sinto muito, mas nós não recebemos nenhum cachorro nessa condição.

O gerente do lugar, ou responsável, ou o que quer que fosse, disse enquanto secava as mãos num avental rosa. Ele lembrava um professor de creche.

― Você não pode olhar no seu sistema ou algo assim?

Hoseok estava um pouco incomodado que ele não havia ido procurar nada no computador, em pasta ou nas gaiolas, ou em qualquer lugar, ele só escutou a história e decidiu puxar da memória que não havia nenhum cachorro chamado Holly.

― Me desculpe, mas eu estou ocupado, nós realmente não recebemos nenhum cachorro como você disse.

― Talvez nessas características? – Ele insistiu, aumentando um pouco tom. Nada típico dele. – Pelo curto, castanho, pequeno, nariz preto.

Seokjin suspirou.

― Você sabe quantos cachorros tem aqui? – Um garoto de cabelo ruivo se meteu, também usando um avental nada convincente, mas sua atitude pegava fogo.

― Taehyung. – O tom do gerente foi de aviso, mas o ruivo cruzou os braços e fez sua presença algo realmente grande.

― Isso é um santuário, nós resgatamos cachorros, nós recebemos cachorros, feridos, abandonados, machucados. Nós cuidamos deles todos os dias, nós não estamos aqui só nos finais de semana pra preencher aplicações universitárias.

Talvez Hoseok não tivesse se expressado muito bem.

― Como eu disse, é um cachorro importante para o meu amigo e seus pais provavelmente o deram depois que ele morreu.

― Você disse “é”. – Seokjin parecia confuso.

― Sim, é um cachorro importante.

― Mas ele morreu.

Claro. Yoongi estava morto, então o cachorro era importante, mas quem ligava para gramática quando ele conversava com um espírito que ele nunca havia visto antes na vida?

― Hyung, rude. – Taehyung se meteu. – Deve ter sido recente, por isso ele está aqui.

― Me desculpe.

―O espírito do meu amigo está vagando, o cachorro dele foi abandonado, e talvez isso o faça encontrar a luz! – Hoseok gritou.

Seokjin e Taehyung ficaram se encarando.

― Isso é sério?

― Ele está falando sério?

Eles disseram o mesmo tempo como se ele não pudesse ouví-los. O garoto ruivo ergueu os olhos para o ambiente como se procurasse uma presença no cômodo, ele era estranho, então Hoseok não duvidava nada que ele realmente captasse essas coisas.

― Vamos fazer o seguinte. – Seokjin parecia ser o mais sensato. – Nós realmente precisamos voltar ao trabalho, mas nós iremos fotografar alguns e te mandamos uma foto, você vai saber reconhecer, certo?

― Claro. – Hoseok fingiu confiança, poderiam mostrar um poodle ou um Schnauzer  ele não saberia a diferença. Ele só conhecia Guts de um anime chamado Kill la Kill e ele tinha certeza que cachorros não andam por aí de moletom.

Ele se perguntou se a recepção no cemitério era boa o bastante para usar o celular.

― Você poderia vir ajudar, sabe? – Taehyung esperou Seokjin ir para os fundos para continuar. – Nos finais de semana, nós precisamos de gente para dar banho, não se importe só com o cachorro do seu amigo, tem outros animais aqui que precisam de ajuda e adorariam companhia.

Hoseok se sentiu mesquinho por todas as vezes em que ficou largado em casa sem fazer nada e olhando para o teto. Ele se perguntou se Yoongi levava Holly para passear ou se esses dois dedicavam todo seu tempo livre para cuidar dos animais.

Foi a primeira vez em que ele agradeceu mentalmente por ter conhecido Yoongi.

― O meu amigo precisa de mim, mas.... eu prometo voltar e ajudar.

O ruivo descruzou os braços, Hoseok finalmente havia quebrado a barreira dele.

― Se alguma universidade ligar para cá pedindo referências eu vou falar a verdade, ouviu!? – Ele gritou quando Hoseok já descia as escadas.

Ele riu, era assim que ele sabia que havia feito um novo amigo? A vida era estranha.

***

― Eu trouxe flores.

Hoseok começou a enfeitar a lápide com coroas de flores e colocou uma pequena jarrinha com incensos. Yoongi abanou a fumaça que estava vindo em sua direção, mas Hoseok tinha certeza que ele só estava sendo dramático.

Ele provavelmente nem conseguia sentir o cheiro.

― Pra que isso tudo?

― Talvez você precise de um pouco de reconhecimento, flores e incensos para ajudar a te enxergar além.

― Pelo menos me traga um livro, flores e incensos são para os vivos, os mortos não precisam de suas oferendas.

― É mesmo? – Ele soou sincero. – Eu trouxe até mesmo moedas. – Disse colocando duas sobre a lápide.

― Pra que?

― Pra cruzar para o outro lado. – Deu de ombros. – É assim nos filmes.

― É assim nos desenhos. – Yoongi o corrigiu, ele deu de ombros novamente. - Eu não preciso de flores ou incesos, mas obrigado, eu acho... – Ele encarou a nova decoração de sua casa.

Era belo, ele entendia porque as pessoas o faziam. Embora deveria haver algo de poético em arrancar flores vivas e oferecê-las até apodrecerem aos mortos.

― Não sei o que fazer. – Ele sentou no chão.

― É? Eu tenho todo o tempo do mundo.

Hoseok não riu, mas sorriu minimamente, Yoongi contou isso como vitória.

***

― Trouxe comida! – Hoseok veio andando com dois picolés, aqueles que vêm juntos e você tem que parti-los.

Yoongi sempre achou que era coisa de casal, e era algo muito típico dos encontros desses mangás. Hoseok precisava interagir mais com pessoas e menos com livros e definitivamente menos com pessoas mortas.

― Eu não como.

Hoseok encarou o picolé em sua outra mão.

― Por que não?

Yoongi esticou a mão, mas ela atravessou o picolé, Hoseok soltou o palito no susto e o sorvete voou direto para o chão.

― Como eu disse, eu não como, eu não preciso comer também.

Ele soou magoado, como se a condição de fantasma só fosse visível nessas horas. Hoseok esticou a mão e tocou em seu braço, ele não o atravessava.

― Por que você é corpóreo para mim, mas você não consegue pegar o sorvete?

Yoongi esticou a mão, o mesmo acabou com as flores ou com o jarro do incenso, mas ele não atravessava a pedra engravada com seu nome. E também conseguia segurar o guarda-chuva.

― Não sei, sempre foi assim.

Foi a vez de Hoseok parecer desanimado, suas energias estavam tão intactas quanto a poça roxa se formando na grama. Yoongi olhou para o céu, ele não acreditava em destino ou que tivesse algum propósito em estar ali.

Além do óbvio, ele estava morto.

Mas ele queria acreditar em algo por Hoseok, ele merecia algo além disso.

― Tem mais uma coisa que você pode fazer por mim.

Não era mentira, mas Yoongi só estava usando a situação em seu favor.

― Claro! – Ele rapidamente se virou, olhos arregalados, prestando atenção e em expectativa.

― Eu produzia algumas músicas, tem um pendrive no meu quarto, você poderia pegar e colocar para tocar.

― Como...? – Seus ombros rapidamente encolheram. – Como eu vou falar com seus pais?

― Quem disse que você vai? É só entrar lá em casa.

―Não. Não! – Ele se acovardou e se levantou da lápide. – Eu não posso invadir seu quarto ou a sua casa, isso é errado.

― Mais errado do que eu continuar aqui? – Ele cruzou os braços, ele não estava bravo porque ele sabia o que estava fazendo. – Eu me dediquei à música e todo meu trabalho vai apodrecer naquele quarto, talvez seja isso, talvez você precise receber algo em que eu dediquei meu suor e lágrimas.

Hoseok mordeu o lábio, sim, ele estava considerando.

Fazia sentido de alguma forma, pegar algo tão pessoal, além disso, era um pouco tarde para quebrar sua promessa de ajudá-lo.

―Ok,mas como eu vou entrar na sua casa?

― A janela do meu quarto está quebrada, é só empurrar e você consegue entrar. Faça isso de manhã, meus pais trabalham.

― Eu estudo pela manhã.

― É? Mate aula.

Hoseok fez uma careta, era injusto que Yoongi falasse qualquer coisa sobre morte. Ele não sabia como contra-argumentar.

― Eu não posso.

Ele não queria, era diferente.

― Você só vive uma vez. – Yoongi disse como se fosse um espírito antigo e sábio, mas ele tinha apenas uma língua afiada.

E ele estava citando YOLO, um estúpido acrônimo para You Only Live Once, que era exatamente o que ele havia dito, ou muito mais provável, ele era fã de Drake e estava citando “The Motto”.

Hoseok também entendia de Hip Hop.

***

No dia seguinte Hoseok assistiu as aulas, mas no outro dia, ele pode ter saído de casa e dando algumas voltas no quarteirão até decidir seguir para o endereço de Yoongi.  A casa era simples, não havia carro na garagem e segundo o garoto, isso era um sinal que seus pais não estavam lá.

Hoseok pensou várias vezes –durante a aula- se deveria seguir com isso, invadir o santuário de alguém e usurpar de um item.

Ok, talvez ele estivesse sendo dramático, mas de qualquer forma ele iria invadir o espaço de alguém, o último lugar que Yoongi esteve com todas as coisas como ele havia deixado pela última vez.

Ele abriu a janela e entrou.

Havia alguns pôsteres na parede, cama perfeitamente arrumada, mesa de estudo com um material organizado, estante com cds e livros. Ele se aproximou do notebook, conforme Yoongi havia dito, ele abriu a primeira gaveta e teve que remexer em alguns papéis até achar o pendrive.

Ele pegou o objeto e antes de sair pela mesma janela, ele olhou para trás.

― Me desculpe. – Disse para o quarto vazio.

Hoseok não seguiu para o cemitério, ele seguiu para casa, onde colocou o pendrive no próprio computador, pronto para copiar as músicas para seu celular.

Havia algumas pastas, haviam projetos prontos e outros não finalizados, havia sons de instrumentos como guitarra e baixo, provavelmente usados com um programa auxiliar e havia o som de piano.

Esse ele tinha certeza que era o próprio Yoongi tocando.

A última pasta havia poucas faixas, mas ele conseguiu ouvir a voz, rouca, rápida e ríspida, ele era um rapper.

― Então foi realmente Drake. – Disse batucando os dedos enquanto ouvia um pedaço da alma de Yoongi.

Talvez isso fosse realmente ajudá-lo a encontrar a paz, mas não ajudou Hoseok, ele ficou ansioso. Ele ouviu parte da alma de Yoongi e ela gritava por liberdade.

Hoseok não conseguiu dormir aquela noite.

***

― Você ouviu? – Yoongi disparou, mesmo quando Hoseok havia sido todo hesitante em colocar a primeira faixa de piano para tocar no celular.

Ele até havia trazido uma caixinha de som portátil.

― Sim, todas as faixas.

Yoongi sabia que ele estava se referindo a pasta confidencial.

― É? Você gostou?

― É bom. – Hoseok ainda não olhava para ele. – Você é muito bom.

― É o meu presente pra você. 

Isso foi o bastante para Hoseok erguer o rosto, ele viu Yoongi sorrindo, quase em paz, ele se levantou de repente, como se o outro pudesse desaparecer a qualquer instante, mas Yoongi apenas pareceu confuso.

― O que?

― Eu achei que você fosse desaparecer, você falou como se estivesse encerrando algo, eu...

Yoongi o olhou em expectativa.

Eu não quero que você vá embora. Ele não disse, mas pensou e seu coração apertou.

―Eu estou encerrando algo, e estou dando para você. Cuide bem do meu santuário.

Hoseok apertou os olhos para não chorar, ele apenas se dignou a baixar o rosto e deixar as lágrimas caírem enquanto seus ombros tremiam.

Yoongi abriu o guarda-chuva e o protegeu.

―Ah, parece que está chovendo.

Mas não estava.

***

Outro dia de sol, Hoseok estava sentado na grama lendo um livro enquanto Yoongi estava deitado em seu colo.

― Você não tem amigos para sair ou filmes para ver? – O mais velho perguntou de olhos fechados.

― Não, eu não tenho amigos, apenas colegas de classe, então nós não saímos fora do ambiente escolar. – Ele não parecia nem minimamente chateado como  fato.

Yoongi arqueou a sobrancelha e se sentou corretamente ao lado do outro.

― Então talvez o meu propósito seja te guiar.

― Voltamos para essa conversa? – Ele fechou o livro. – Eu não tenho nada em comum com as pessoas da minha turma, apenas isso.

― Mude de colégio.

― Estamos no meio do ano. – Ele deu de ombros.

― Siga seus sonhos então, o que você quer fazer?

Hoseok fez uma careta.

― Eu não sei, não tem nada que eu me veja fazendo no futuro.

― Vamos lá, até eu sei que isso é bobagem.

Ele começou a estalar os dedos sem perceber, era um hábito nervoso.

― Eu gostaria de dançar, eu gosto de dançar, mas eu queria entrar numa academia.

― Dance algo.

― O que?

― Dance algo. – Yoongi repetiu se ajeitando contra a lápide para dar mais espaço.

Hoseok olhou em volta.

― Nós estamos num cemitério!

― Bom, eu não vou a lugar algum. – E pegou o celular e mexeu na playlist.

― Eu não posso dançar aqui, é um desrespeito com os mortos! – Ele voltou a sussurrar.

― Sabe, eu estou morto e eu não me importo. Ainda estou esperando. – Ele encarou, mas Hoseok estava decidido a não dançar, o que era um absurdo porque eles estavam sozinhos ali. – Você tem vergonha?

Ele não conseguia aceitar isso. Hoseok encolheu os ombros.

― As pessoas ficam te julgando...

― Problema delas! Julgue de volta. – Ele sabia que isso era um péssima conselho e que não era tão simples. – Olha, você só tem uma vida, certo? Então dance, dance em casa, na rua, no cemitério, apenas aproveite ao máximo como você. Na sua próxima vida você pode não vir com esse talento. Você só pode ser Jung Hoseok uma única vez.

― Você acredita em outras vidas?

― Bom, a minha se esgotou e eu ainda estou aqui, eu preciso acreditar em alguma coisa.

Hoseok abriu a boca para argumentar quando a música parou e o celular começou a vibrar, era do Santuário Animal, ele agradeceu mentalmente por ter sido salvo pelo gongo.

― Seokjin!?

― Eu achei que você tinha dito que não tinha amigos. – Yoongi murmurou ao fundo.

― Sim, sim! Muito obrigado! – A ligação se encerrou e ele começou a mexer nos aplicativos, até abrir um de mensagem.

Havia uma lista de fotos na espera para download.

― É sobre o Holly!? – Yoongi estava de pé, basicamente pendurado em seu ombro.

Hoseok abriu um largo sorriso. Ele finalmente estava retribuindo o presente de Yoongi, ele pediu aos céus que Holly estivesse naquelas fotos. Aparentemente, Seokjin e Taehyung não estavam brincando quando falaram sobre a descrição ser vaga.

Havia muitos “Hollys” ali.

Depois de mais de vinte fotos, ele abandonou o celular na mão de Yoongi.

― É esse! Eu tenho certeza!

Hoseok basicamente se teletransportou para o lado do garoto, a foto era de uma criaturinha pequena e fofa.

― Ok, eu vou falar com o Seokjin. – Ele digitou e reenviou a foto do cachorro.

Em menos de dez minutos o número estava o ligando de volta, ele nem conseguiu falar ao atender a ligação.

Seu cenho foi se franzindo e Yoongi estava basicamente em seu ombro o sacudindo.

― Como assim tem alguém querendo levar o cachorro!? – Hoseok gritou.

― Como assim alguém quer levar o Holly!? – Yoongi gritou em seu ouvido.

Seokjin deveria ter ouvido Yoongi do outro lado, mas ele não comentou nada ou pareceu incomodado.

Hoseok chegou a conclusão que não era hora de pensar em como funcionava a existência de Min Yoongi.

***

― Então você quer que eu vá até o cemitério para falar com o dono do Holly...? – O garoto mais novo repetiu depois de ouvir o maior absurdo de sua vida.

Em primeiro lugar, ele havia saído de casa, pronto para uma boa ação e companhia, ele achou o cachorro perfeito, eles se conectaram, até Taehyung havia dito isso, embora agora ele parecesse um pouco arrependido.

Não bastasse sua escolha, Seokjin pediu que ele esperasse alguém chegar e agora o louco recém chegado queria levá-lo para o cemitério da cidade para que ele falasse com o espírito do dono.

― Exato! Ele precisa pelo menos ver o cachorro. – Hoseok ficava olhando para Holly.

― Isso parece uma história absurda só para que eu não fique com o cachorro. – Jungkook cruzou os braços e apertou Holly ali.

― Eu sei que parece absurdo, mas o espírito do meu amigo não está em paz, ele precisa pelo menos aber que seu cachorro está bem.

Jungkook olhou para Seokjin que deu de ombros e depois para Taehyung que assentia positivamente.

Ele não era nenhum incrédulo e claro que ele gostaria que o dono do cachorro tivesse paz, mas que a situação beirava absurdo isso era um fato.

― Ok, mas se isso for alguma gracinha...

― Não é.

Jungkook não questionou a seriedade dele.

***

O cachorro pulou do colo de Jungkook e correu e começou a latir cercando Yoongi, subindo em suas pernas e o lambendo.

Jungkook arregalou os olhos, ele travou no meio do caminho, Hoseok secou as lágrimas. Yoongi estava abraçando o cachorro.

― Espera. – O garoto mais novo encarava Yoongi ainda com os olhos arregalados. – Você... você me salvou, você morreu.

Yoongi ergueu o rosto, ele pareceu surpreso e então sorriu.

― Ah, eu disse que tinha salvado alguém, foi você, não foi? Você iria ser atropelado.

Hoseok olhou confuso de um para o outro.

― Eu vi você... eu vi você morrer. – Jungkook respirou fundo. – Você... por minha causa...

― Hey. – Ele colocou a mão no ombro do garoto. – Eu fico feliz que você esteja bem, eu detestaria ter morrido em vão. Você tem que continuar bem e... Holly te escolheu, você tem que cuidar dele também.

Jungkook abraçou o cachorro que lambeu suas lágrimas.

― Eu posso trazê-lo aqui as vezes. – O garoto disse controlando o choro.

― Nah, tudo bem, eu só queria ter certeza que ele estava bem. Eu estou bem agora.

Hoseok via como um espectador, isso era um pedaço da vida de Yoongi, de Jungkook também. Como o destino era engraçado, havia juntado esses dois, Holly havia juntado os dois.

Eles conversaram até o entardecer, Jungkook reagiu bem melhor do que Hoseok por ver e falar com um espírito, mas para ele era diferente, Yoongi havia o livrado da morte, eles tinham um tipo de conexão.

Holly, Jungkook, a música, parecia que todos os pequenos detalhes que o levaram até esse momento estavam conectados.

Hoseok sentou no chão, ele dobrou os joelhos e escondeu o rosto, ele chorou até que o choro se transformou em riso, embora as lágrimas continuassem a cair. Ele ficou feliz que Jungkook e Holly não estivessem mais ali para vê-lo daquele jeito.

Yoongi ficou sem reação.

― O que houve?

― Eu estou tão aliviado.

O mais velho agachou na frente dele.

― Por quê?

― Porque ele era a sua conexão, Jungkook, Holly, e você ainda está aqui. Eu pedi tanto que você não desaparecesse assim que eles fossem embora.

Yoongi sorriu, ele esticou a mão e tocou na dele.

― Falta você, Hobi.

Hoseok ergueu o rosto, ninguém nunca havia o chamado assim. Ele não sabia se o calafrio que sentiu fora pelo que ele sabia que iria acontecer ou pelo apelido.

― O que tem eu? – Ele só não queria aceitar.

― Holly, Jungkook, eles seguiram seus caminhos, falta você.

― Eu não...

― Você sabe o que fazer. Eu acho que... era isso. – Yoongi tinha lágrimas nos olhos. – Eu tinha que encontrar você, você me ajudou e... eu acho que te ajudei de volta.

―Hyung... – Ele segurou a mão dele.

― Você tem que entrar naquela academia de dança, você também tem que seguir o seu próprio caminho. Você vai dançar e ensaiar, você não vai mais ter tempo de ficar aqui no cemitério, eu não vou mais estar aqui.

Hoseok soluçou.

― Numa próxima vida?

― Eu disse, você só tem uma para ser Hoseok. Então seja a sua melhor forma, dance no cemitério, dance para uma pessoa na platéia ou milhares. Na próxima, eu não vou ser mais Min Yoongi, mas eu quero te encontrar.

― Hyung, muito obrigado.

Yoongi o abraçou, e Hoseok sentiu frio, calor, sentiu uma energia o envolver. Ele sabia que era o fim desse estranho encontro.

― Hobi.

― Hyung?

― Não se esqueça de mim.

Ele sorriu, e Yoongi ficou realmente contente por vê-lo sorrir uma última vez.

― É impossível, você é o meu primeiro amor.

Yoongi arregalou os olhos com a súbita confissão, as lágrimas finalmente caíram, mas ele sorriu. Não um torcer de lábios, mas um sorriso verdadeiro.

Sua mão tocou no rosto de Hoseok e ele se inclinou para beijá-lo antes de partir.

Quando Hoseok abriu os olhos, Min Yoongi não estava mais lá. Ele tocou os próprios lábios e sorriu. 

Ele abriu o guarda-chuva e o posicionou na lápide para protegê-lo. Hoseok conectou o fone de ouvido no celular, ajeitou os fones no ouvido e caminhou para casa.

Havia uma mensagem no canto da tela de Taehyung o lembrando de ajudá-los no final de semana a dar banho nos cachorros. Jungkook havia enviado uma foto de Holly e a música atual era Far Away de Min Yoongi.

Ele sorriu.

/No final, nós seremos prósperos./


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