Experimento escrita por Sarah


Capítulo 1
Experimento




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Experimento

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Sebastian estava completamente nu, a não ser por uma venda nos olhos. Tinham amarrado seus pés e seus pulsos, e a carne começava a pinicar pela falta de circulação. Podia ouvir os passos dos homens que o capturaram rodeando-o e sabia que a dormência logo se tornaria um incomodo irrelevante em comparação com todo o resto.

O primeiro golpe o pegou tão forte que ele sentiu gosto de bile e sangue subindo pela garganta. Aquilo ia como esperado. Oh, ele também gostava de começar suas surras dando um soco no estômago: era bastante efetivo, os mais fracos costumavam ficar desesperados com a falta de ar que o golpe provocava e às vezes tudo terminava ali. Caso contrário, o movimento servia para alongar os músculos.

O seu agressor estava apenas se aquecendo, porque se dependesse dele aquilo estava muito longe de acabar. O golpe seguinte foi na face, e seus dentes cortaram a parte interna da bochecha com o impacto. Era um padrão eficiente, Sebastian pensou, o tapa no rosto servia para fazer a pessoa se sentir ainda mais vulnerável. O cara que tinham designado para torturá-lo era bom.

De certa forma, isso o confortou. Um idiota qualquer poderia matá-lo sem querer, mas um homem treinado sabia prolongar a dor e ainda deixar o interrogado em condições de suportar mais.

Sebastian já tinha sido capturado antes, no exército. Havia aguentado três dias de inferno sem dizer uma palavra até ser resgatado. Aguentaria muito mais por Jim.

Um arrepio passou por suas costas ao imaginar o quão furioso Moriarty ficaria ao saber que ele tinha se deixado apanhar. Ainda assim, tinha certeza de que Jim não o permitiria que ele ficasse nas mãos daqueles homens por muito tempo. Ele precisava apenas esperar. Cerrou os dentes ao receber um soco, pesado e certeiro, sobre as costelas. O próximo impacto atingiu sua boca, e Sebastian sentiu seu lábio se partir. Sangue escorreu por seu queixo e pingou no chão.

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Sebastian desmaiou em algum ponto, porém sua inconsciência não durou muito. Despertou com alguém derramando um balde de água gelada sobre o seu corpo. A temperatura estava beirando os graus negativos, e a água enregelou seus ossos. Seus músculos se contraíram de frio. Não houve nada que ele pudesse fazer para evitar tremer.

Ouviu o deslizar da lâmina de um canivete se abrindo e soube que ainda não estavam prontos para deixá-lo em paz.

— Você tem muita sujeita sob as unhas — um dos homens disse, perigosamente perto. — Provavelmente vai ficar melhor sem elas.

Sebastian engoliu em seco. Suas articulações estavam rígidas e cada músculo do seu corpo doía, mas se quisessem arrancar suas unhas iriam ter que soltar suas mão,s e então ele poderia tentar roubar a faca. Fraco e vendado, suas chances de sucesso eram quase nulas, mas talvez conseguisse causar algum dano, e isso parecia melhor do que nada. Achava que Jim iria gostar que ele ao menos tentasse.

O agarraram com brusquidão. Sebastian se preparou para tentar um assalto assim que o desamarrassem, mas nunca chegaram a cortar as amarras. Antes que pudessem fazê-lo uma voz, estranhamente distorcida por equipamentos eletrônicos, soou por todo o galpão onde estavam.

“Já chega. É o suficiente” — alguém ordenou através de alto-falantes. Nenhum dos homens contestou o comando, em vez disso soltaram-no imediatamente e se afastaram sem trocar nenhuma palavra.

Sebastian contou os passos deles até que o som se tornou inaudível. Depois disso o mundo se resumiu à dor e à sua própria respiração, e de certa forma isso era mais assustador do que a tortura.

Passaram-se alguns minutos de completo silêncio até que Sebastian distinguiu os passos de uma única pessoa se aproximando. O sujeito parou diante dele, se agachou e retirou a venda que cobria seus olhos.

Sebastian tinha passado as últimas sete horas vendado, e a luz o ofuscou. Quando finalmente conseguiu focalizar alguma coisa através da claridade, encontrou Moriarty o encarando com uma expressão consternada.

Sebastian percebeu imediatamente que a voz que havia dado a ordem para os homens irem embora era dele.

— Você foi muito bem, Seb — Jim elogiou.

Sebastian o mirou sem entender. Teria erguido as sobrancelhas se não achasse que o gesto provocaria dor.

— O que isso significa?

— Significa que foi tudo um teste, obviamente — Jim explicou em um tom absolutamente natural.

O atirador sentiu seu coração disparar, tomado de raiva. O ferimento em sua fronte latejou, e o sangue fluiu com mais intensidade por seu rosto.

— Mas que porra, Jim! Eu morreria antes de contar o que quer que fosse a alguém. Você já deveria saber disso, seu filho da puta!

Moriarty cerrou os olhos e balançou a cabeça negativamente, como se Sebastian não tivesse entendido algo muito simples.

— Não, não, doçura. O teste não foi para você, foi para mim.

Não tinha sido Moriarty a ser torturado durante as últimas horas, então aquilo não fazia nenhum sentido. Jim puxou um punhal do bolso, fino e elegante, e cortou as cordas que o prendiam. Uma vez livre, Sebastian se sentou, massageando as extremidades doloridas. Gostaria de sacudir Jim pela gola daquelas roupas caras e fazê-lo experimentar um pouco do sofrimento que tinha sido infligido a ele, mas naquele instante não confiava o suficiente em seus ossos para surrar o outro. Moriarty devia saber disso, ou não teria se dado ao trabalho de soltá-lo.

— Que tipo fodido de teste foi esse?

— Foi sobre dor — Moriarty disse e se agachou à sua frente. Em um gesto afetuoso, Jim pousou as mãos sobre suas costelas, acariciando a pele machucada. Havia um corte aberto logo abaixo do peito, onde um dos homens tinha golpeado com um soco inglês. Moriarty contornou o ferimento com a ponta dos dedos, muito delicadamente, parecendo intrigado. — Você sabe, eu sou um psicopata, a agonia sempre me fascinou. Mas não a sua. A sua dor me desagrada, Sebastian.

Sem nenhum aviso Jim enfiou os dedos no corte em seu torso, puxando a pele para baixo, rasgando-a, abrindo o ferimento. Sebastian gritou de surpresa e dor. Moriarty deteve-se.  

— Não, não, não. Está vendo? — Jim questionou com uma expressão torturada — Fazer isso não me causa nenhum prazer. Pelo contrário, me faz sentir mal! Não gosto de ver você sentindo dor Sebastian, o que isso quer dizer?

Sebastian arfou e curvou-se sobre si mesmo, apertando o lugar machucado. Relanceou o olhar para Moriarty, e ele parecia genuinamente perdido.

— Você não é o gênio aqui, seu puto? — cuspiu, e sua voz soou embargada pela agonia. — Você não gosta de me ver sentindo dor porque me ama, Jim.

Moriarty arregalou os olhos e formou um “o” com os lábios, como se uma epifania impensável o tivesse atingido. Logo em seguida ele se levantou e passou a andar em círculos, meio curvado, enquanto murmurava coisas ininteligíveis, tentando processar aquela nova peça de informação. Sebastian apenas esperou, sentindo espasmos de frio retesarem seus músculos.

Ficaram assim por longos minutos, até que Moriarty finalmente parou e voltou-se para ele.

— Parece uma resposta lógica — disse num tom surpreendentemente gentil. Em seguida tirou o casaco que usava por cima do terno e o jogou sobre o corpo gelado de Sebastian. A peça de roupa era pequena demais para ele, mas, mesmo assim, Sebastian se aconchegou contra o tecido.

— Isso foi você se declarando? — perguntou, apontando para Moriarty com a manga do casaco.

Moriarty deu de ombros e Sebastian interpretou o gesto como “entenda da forma que quiser”.

— Você precisa ser costurado.

Sua boca estava tomada pelo gosto de ferro, e suas mãos estavam empapadas de vermelho, então Jim devia estar certo.

Moriarty o ajudou a ficar de pé e o amparou quando começaram a andar, passando o braço direito por suas costas. Sebastian lançou-lhe um olhar surpreso.

— Vai manchar suas roupas de sangue — avisou. Poucas coisas no mundo irritavam tanto o consultor criminal quanto danos em suas roupas de marca.

— Não me subestime, Seb. Eu posso substituir essas vestes por outras ainda mais caras em um estalar de dedos.

Havia um tom definitivo na voz dele, por isso Sebastian não disse mais nada.

Um carro preto estava estacionado do lado de fora do galpão, esperando por eles. Moriarty depositou Sebastian no banco traseiro e tomou o assento do motorista. Sebastian esperava vagamente que Jim o levasse para algum dos médicos clandestinos que ele pagava para remendar machucados suspeitos sem fazer perguntas, mas não questionou quando percebeu que iam direto para a casa do consultor criminal.

Procurou não pensar na figura ridícula que devia estar fazendo quando estacionaram e seguiram para dentro da residência, arrastando-se ao lado de Jim, coberto apenas com um sobretudo muito pequeno.

— Você sabe onde fica a cama — Moriarty disse assim que entraram, sumindo em seguida.

Sebastian sabia muito bem. Empurrou a porta do quarto de Moriarty e deixou-se cair na cama. Já tinha dormido ali inúmeras vezes. Respirou fundo, sentindo o cheiro de Jim impregnado nos lençóis. Oh, quando se encontraram pela primeira vez Jim era uma maldita donzela, e ele tampouco sabia direito o que fazer com um homem.

Era óbvio que em algum ponto ele tinha se tornado mais do que um simples capanga, Jim jamais abriria as pernas para ele se Sebastian fosse apenas isso. Ainda assim, dizer que Jim o amava havia sido um impulso e uma suposição, além de absurdamente perigoso. Que o consultor criminal tivesse concordado com o fato parecia mais assustador do que plantar bombas em velhas senhoras, e por um instante Sebastian se perguntou se algum dia Jim conseguiria assustá-lo o suficiente para fazê-lo fugir.

Quando reapareceu, Jim trazia uma maleta de primeiros socorros e um estojo de couro. Abriu o estojo primeiro, tirou um pequeno vidro de dentro e despejou um rastro de pó branco sobre o criado-mudo, em seguida pegou agulha e linha para sutura da caixa de primeiros socorros. Depois de separar gaze e peróxido de hidrogênio, ele pareceu pronto para começar os curativos, mas então reparou que Sebastian não havia se movido.

— O que está esperando? — ele perguntou, lançando um olhar irritado para o atirador e apontando sugestivamente para o montículo de cocaína sobre o criado-mudo.

— Não vou me drogar, se é isso que você está esperando.

Moriarty rodou os olhos.

— Achei que eu tinha deixado claro que a sua dor não é bem-vinda para mim, Seb. E isso vai doer.

— Você pode evitar esse incomodo no futuro. Basta não me sequestrar e não pagar homens para me torturar.

— Essa é sua ideia de vingança? — Jim perguntou, fazendo uma careta de desgosto. — Por favor, Seb.

Oh, aquilo era doentio. Sebastian rolou os olhos. Lentamente, sentindo cada machucado arder, se curvou sobre o criado-mudo e aspirou. Perdoar sessões de tortura, matar pessoas inocentes, se drogar; aparentemente não havia nada que ele não fizesse por Jim.

E talvez fosse a cocaína, ou a dor, ou as mãos de Jim, delicadas, costurando a sua pele com leveza, mas, naquele instante Sebastian achou que também o amava.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido! Reviews me farão contente. ^^



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