Não era você escrita por Leonardo Kruz


Capítulo 1
Não era você




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Eu já disse "eu te amo" algumas vezes cedo demais. 

Na primeira,  mesmo que em pensamento,  você estava deitada ao meu lado na cama. Não tinha nome. Seu olhos,  iluminados por um raio de sol que entrava sorrateiro pela janela lateral,  brilhavam verdes e fatais.  E lá estava aquele sorriso de canto que tanto eu gostava. Foi então que eu disse as três palavras equivocadas:  "Eu-te-amo".  Minha boca dizia feliz na espera de uma resposta. Mas você partiu. E o sonho acabou. 

Na segunda vez estávamos na estação de trem.  Eu tinha te visto algumas vezes na semana,  dei um jeito de faltar ao trabalho,  cheguei em casa mais tarde e algumas vezes não comia nada.  Minha boca recitou as palavras. Você me olhou e novamente teve aquele silêncio que dizia muito mais do que "acho que é muito cedo pra isso". Houve aquele temido silêncio que eu realmente nunca temia,  pois eu vivia provocando-o.  Perdi o emprego.  Fiquei em casa mais tempo do que eu desejava.  E comi mais do que eu precisava. Não era você. 

Achei que tivesse te encontrado na terceira vez. Você tinha cabelos loiros e compridos,  vestia casacos bonitos e estava sempre com um lenço grudado no pescoço. Eu me apaixonei pelo modo que você lia seu livro sentada na escada. Eu gostava de te ver enrolada no lençol branco e gostava quando ele caia e você sorria envergonhada. Gostava dos seus seios e das fodas. Mas depois de alguns meses de beijos e cinemas e abraços apertados soube que era passageiro.  Você gostava de deixar bem claro que não era nada sério. E toda vez em que eu expressava o que eu achava que sentia tinha como resposta apenas um afastamento repentino.  Cheguei a me culpar algumas das vezes. Por fim,  não era ela nem você nem algumas das outras.  

Na quarta vez tentei tomar como lema um ditado antigo,  muito falado pelos tios e tias pelo mundo, que dizia para não meter a carroça na frente dos bois. Mas você apareceu!  E meu coração sucumbia toda vez que te via.  As malditas palavras ficaram presas,  loucas para serem ditas,  impregnadas na garganta. 
Mas eu não disse.  Então te vi mais algumas vezes e você usava pouca roupa.  Tirei o casaco e coloquei em você.  Você sorriu.  Outra vez dos seus olhos caiam lágrimas aos montes,  pois se achava feia demais. Meu coração não concordava.  Ele pulava feliz toda vez que via tamanha beleza em um rosto tão ruivo e delicado. Eu te fiz rir.  E você me amou.  Lembro-me de buscar você de guarda-chuva na saída da faculdade,  você com seus cabelos vermelhos e molhados, tremia de frio.  Lembro que abri a porta do carro e você entrou.  A conversa estava tão boa que ficamos algumas horas sem ver o tempo passar.  Éramos eu você e um rádio ligado em uma estação qualquer.  Chovia lá fora.  Depois veio dias de verão e você ficava linda usando biquíni. Eu nunca gostei de usar sunga.  Algumas folhas caíram no outono e elas combinavam com o seu cabelo.  Veio alguns anos e alguns outros.  Não nos vimos em alguns deles.  Mas nos encontramos em outros.  Te levei ao altar,  você usava um vestido vermelho um tanto quanto polêmico. E eu usava roupas brancas e não vestia nada nos meus pés largos.
Eu disse que te amava e você não tinha medo do que causava.  Eu coloquei um casaco em você quando estava com frio,  dei remédios quando a velhice chegou e  coloquei flores vermelhas no seu túmulo quando se foi.  Chorei todo meu amor. E soube que aquelas palavras presas no início tinham sido ditas todas as vezes em que eu acordava sonolento ao seu lado.


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Notas finais do capítulo

Obrigado pela leitura!



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