Seu Chapéu Torto escrita por Voodoo


Capítulo 6
VI




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Penso agora se lhe aborreci, leitor. Descrevi eventos, cenários e figuras, mas não descrevi a minha própria pessoa. Uma tolice. Tolo quem crê conhecer a si, tolo quem se crê capaz de captar as nuances do próprio íntimo. Não sou um tolo destes mas entendo que quer que eu o seja; e que momento melhor para o ser quando estou prestes a lhe contar sobre o internato, a fogo que forjou minha identidade?

Antes de minha estadia no local, sabe como eu era; ingênuo, franco, a típica criança que ainda que incômoda não é senão um produto da família e por isto está isenta de culpa total em consideração ao seu caráter. Foi no internato, porém, que a culpa de meus atos havia se tornado somente minha.

Não julgo meus pais por terem me colocado na escola. Como Evie mesmo havia dito, eles o haviam feito para o meu próprio bem. Parte de mim os agradece, até; foi no local que fiz algumas das mais valorosas amizades que pude cultivar, afinal de contas.

Os professores eram menos tolerantes que minha família. Apenas uma palavra mal-intencionada, ou talvez pronunciada em entonação duvidosa, e isto era justificativa suficiente para que os castigos fossem realizados. É incrível como até hoje ainda tenho as manchas das varas com que me estapearam os braços, e como o meu primeiro instinto quando me deparo com a álgebra é morder a língua. Creio que por meio do trauma eles estivessem tentando domar a minha personalidade atrevida e fala inquieta, mas atrevo-me, agora, longe dos responsáveis por tal, a dizer que falharam.

As cicatrizes e a minha resposta instintiva aos números, no fim, apenas deram mais combustível a minha tendência ao sarcasmo. Não sei ao certo o momento em que deixei de ser o garoto chorão e mimado para me tornar o cínico e debochado que meus professores repudiavam e meus companheiros passaram a prezar, mas estou certo de que transição ocorreu no internato.

Embora meu talento não-existente para a álgebra fosse algo óbvio, eu, por muitas vezes, recebia elogios pelas minhas habilidades atléticas. Era bom em cavalgar, sabia correr e lutava esgrima como nenhum dos outros garotos; para a felicidade de minha autoestima, também possuía alguns fãs. A maioria composta de rapazes mais novos e que mal sabiam como a esgrima em si funcionava, é claro, mas apreciadores eram apreciadores – se ao menos eu houvesse conseguido uma carreira em bradar espadas e furar adversários com elegância, teria sido um homem realizado. Infelizmente, profissionais da esgrima não existiam e o exército não possuía elegância alguma.

Ah, Monarch Institute. Amo-te, mas se a força divina fizeste-te cair ao chão em pedaços neste exato momento, eu apenas riria.

Nos cinco anos que permaneci na instituição, não vi Philippe nem minha família; comunicávamos por meio de cartas, esporadicamente, eu lhes contando o transcorrer, muitas vezes entediante, de minha rotina, e eles me relatando seu cotidiano igualmente monótono. Tal falta de interesse, é claro, aplicava-se apenas às cartas de meus pais e irmã.

Quando Philippe escrevia-me, eu passava o dia inteiro lendo e relendo suas palavras, no canto de meu quarto ou até mesmo entre as aulas, ainda que o conteúdo do discorrido não fosse tão entusiasmante. De fato, ele não escrevia muito, mas com o andar dos meses fui coletando as informações que me passava; contava-me sobre suas aulas, sobre como o Ópera havia se tornado majestoso após a reforma; sobre as bailarinas e como elas eram graciosas e simpáticas, sobre os cantores, que lhe intimidavam e fascinavam ao mesmo tempo; sobre sua professora de música, sra. Agnes, e sua severidade, sobre a família Oxley e como eles haviam se encantando tanto por ele que não mediram esforços ao lhe alugar um apartamento lustroso próximo do Teatro. Sobre como ele gostaria de ver-me novamente e poder contar tudo isto em pessoa, mas não possuía data para voltar; mal sabia se iria voltar.

Às vezes Philippe demorava mais de um mês para escrever-me. Eu passava estes tempos com um marasmo inquietante, onde tudo o que eu conseguia conversar sobre era como ele deveria estar ocupado se não achava tempo para escrever. Neste ponto, praticamente quase todos sabiam quem meu primo era; eu gostava de gabar-me, clamando que a razão d’ele ter entrado para o Ópera fora uma articulação minha, embora a maioria não acreditasse em tais palavras.

— Talvez no fundo ele te odeie e por isso não quer mais escrever – respondia meu amigo, Charles, com uma careta. Quase sempre o comentário era retornado com um chute, ou então ele me dizia que eu era enfadonho demais para que alguém gostasse de mim; a ironia da conversa estava sempre no fato de que Charles e eu éramos mais grudados do que carne e unha naquela época.

Claro, Charles. Acho difícil falar sobre mim mesmo sem ao menos mencioná-lo. Nos conhecemos logo quando pisei os pés na instituição, ele sendo o meu primeiro companheiro de quarto e também primeiro amigo no internato. Éramos diferentes, é verdade; ele era mais brincalhão do que eu, que sempre achava motivos para me zangar e pegar raiva das pessoas, e era dotado de um carisma óbvio que o fazia ganhar amigos aonde quer que ele fosse. Uma mistura estranha, mas equilibrada, que no fim nos garantiu uma amizade duradoura e muitas risadas.

Lembro-me de certa vez em que juntamos um grupo de garotos a fim de incendiar uma das salas do prédio em protesto contra o Senhor Kingsville, professor de Inglês, todos aglomerados pela lábia de Charles e incentivados pelos meus berros exaltados. No fim, fomos pegos e castigados, como de costume. É óbvio que não iriamos fazer nada, mesmo tendo juntando um monte fósforos e papel – mas a intenção estava ali, e por algum motivo o diretor parecia ter muito medo de nós, molecotes de quinze anos e suas ideias perturbadas...

Ah, estou divagando.

Em nosso último ano, no último dia que nos veríamos, definitivamente, como estudantes no Monarch, ao invés de nos juntarmos ao resto da turma para celebrar, eu e Charles fomos até o limite do pasto para ver o pôr-do-sol. De todas as memórias que eu tenho daquele local, esta é uma das nítidas e frescas.

Sentei-me no gramado, a brisa quente do verão contra o meu rosto. Com o canto do olho peguei Charles acendendo um charuto.

— Não consegue passar meia hora sem um desses? – ri.

— Quieto – ele retrucou, tirando outro cigarro de seu bolso e dando-lhe para mim. – E não reclama.

— Eu? Reclamar? Essa palavra nem existe em meu vocabulário.

— Certo – Charles abafou um riso, sentando-se do meu lado e olhando para o horizonte assim como eu o fazia.

Dei mais um tragado no fumo, a fumaça acinzentada ascendo ao céu alaranjado. Esta havia sido sempre a melhor de parte de fumar para mim; poder ver a névoa artificial do cigarro serpenteando e depois dissipando-se ao meu redor. Era ainda mais divertido no inverno, quando o ar naturalmente estava mais espesso a fumaça se formava com mais facilidade.

O sol estava tão... Sereno.

— Ainda não sabe o que vai fazer depois que sair daqui? – Charles tirou-me de meus pensamentos.

— Vou voltar para casa. O que vem depois, não sei.

— Você é sortudo – ele riu.

— Sortudo? Não sou eu quem será chamado de Lorde Baltimore quando regressar à Londres. De fato, não irei para a capital, mas de volta para minha amável mansão de beira de vilarejo. Mal posso esperar para ver todo aquele lamaçal novamente.

— A zona rural não é tão ruim assim.

— Você já esteve lá? – puxei outro trago.

— Não, mas...

— Não está perdendo nada, amigo.

Charles riu.

— Bem, você ainda pode ser outro futuro doutor Venner, no fim. E, quem sabe, sair de lá...

— Hah! Saio de lá e o fantasma de meu pai irá me amaldiçoar pelo resto da vida. Preferiria continuar aqui.

Charles gargalhou, dando-me uns tapas nas costas. Apesar de ser um dos cavalheiros mais bem-apessoados do internato – seu pai era dono de um banco londrino, incrivelmente, e tudo indicava que a posição cairia sobre os ombros de Charles quando ele tivesse a experiência necessária para o cargo –, era também um dos mais despojados e arruaceiros que conheci, embora muitas vezes o culpado de atiçar aquele comportamento nele fosse eu.

— Ora, não pode ser tão ruim assim – ele continuou. – Seu pai já tem experiência no trabalho, logo você será bem recomendado. Além do mais, caso algum dia eu venha a ficar doente, terei atendimento de graça.

Revirei os olhos; ele era inacreditável.

— Continue vivendo sua fantasia, pois é tudo o que essa sua ideia é. Uma fantasia.

— Tem certeza?

— Tenho – retruquei.

— Você me enche de tristeza, Leo.

— Hum, você e mais todos que me conhecem – zombei.

Depois, nenhum de nós dois ousou dizer palavra alguma; nossos olhares estavam focados no horizonte à frente, com o sol, já perdendo sua luminosidade cotidiana, descendo e criando um espectro de cores avermelhados a nosso redor. Mesmo com o silêncio, eu sabia o que Charles estava pensando.

“Eu queria ficar olhando isso para sempre” ele diria, a fumaça do charuto expirada entre os dentes se juntando ao o laranja do céu. Eu iria concordar, como de costume.

Mas ninguém disse nada.

Como esperado, voltei à North Grove em julho. Ainda que minha família estivesse esperando-me, isto não os impediu de chorar quando me viram novamente. Pelo menos minha mãe e Evie o fizeram – Arthur, como esperado, apenas me olhou com seu típico olhar hesitante, sem saber ao certo o dizer ou fazer, mas notei que seus olhos pareciam mais líquidos que de costume.

Minha mãe em especial fez questão de encher-me de beijos e abraços dolorosos, murmurando meu nome a cada gesto. Não pude deixar de perceber que sua fisionomia havia mudado; com o passar dos anos ela havia adquirido um físico mais robusto, e agora seu rosto alojava rugas que eu ainda não havia tido a oportunidade de mapear.

— Pelo que eu saiba apenas me graduei, mãe, e não cumpri meu tempo na penitenciária – caçoei, tentando largar-me de seu abraço estreito.

— Meu filho, não diga isto! Ah! Que saudades que eu tinha de você! Olhe como tem crescido; é agora um homem, e não mais um molecote.

Realmente, eu também havia mudado. A mudança não era tão visível para mim naquele instante, mas com o tempo, e depois de ter retornado à mansão, descobri que a mesma não era nem tão opulenta ou espaçosa como em minhas lembranças. Digo isto pois com a notícia de minha chegada, minhas tias, personagens que detesto mencionar, vieram nos visitar, ou, melhor dizendo, checar como eu estava; era difícil, então, com dezoito anos, encontrar um buraco para me enfiar quando eu não queria ser visto.

Eu agora era obrigado a lhes fazer companhia. Eram as regras do cavalheirismo.

— Quem diria que iria crescer tanto, querido sobrinho – Miriam, a irmã mais nova de minha mãe, comentou, alojada em um poltrona enquanto as demais se encontravam no divã. De todas elas, era Miriam quem mais tinha senso comum, o talvez que poderia ser considerado um elogio para uma pessoa ordinária, mas para minha tia era uma característica de redenção. – Da última vez que te vi, não imaginei que ficaria tão atraente.

— Realmente – concordou Nancy, com sua típica risada forçada. – Está tão alto e forte agora; lembra-me muito de seu pai quando mais novo. Tem até os mesmos olhos castanhos e os cabelos escuros; a única coisa que puxou da mãe, mesmo, foi a teimosia.

Minha mãe protestou contra a fala da irmã, mas eu permaneci quieto. Era estranho como de repente o assunto do momento era eu; minhas tias até mesmo agiam como se nada houvesse ocorrido entre nós. Talvez elas houvessem esquecido, ou, pior ainda, me perdoado; sendo a pessoa teimosa, como Nancy comentou, e rancorosa, como sabia, eu não conseguiria esquecer mesmo se quisesse.

Quando elas nos deram as graças de ir embora após alguns dias, não antes de perguntar se eu já possuía pretextos de cortejar alguma jovem, do qual secamente respondi que não, dei-me conta de como um grupo de mulheres de quarenta ou mais anos olhando-me de cima para baixo fora uma experiência bizarra.

Então, passados alguns dias, quando já havia habituado-me à vida pacata de North Grove mais uma vez, meu pai apareceu enquanto eu fumava na varanda da casa.

— Filho – ele disse, casualmente, aproximando-se de mim.

Engasguei com o ar, pego de surpresa; pensei em jogar fora o charuto, mas Arthur já havia me pego no flagra. Meu pai nunca fora fã do tabaco, mas àquela altura já havia entendido que me repreender não iria fazer com que eu parasse.

— Você aprendeu isso no internato? – perguntou, apontado para o fumo em minha mão direita.

— Certamente não foi aqui – dei de ombros.

— Mandei-te lá para que se tornasse mais prudente, e ainda assim...

— Não seja tão caxias, pai. Todo homem fuma.

— Certo – ele suspirou, dando-se por vencido. – Não foi para isto que vim aqui. Se aprendeu a fumar no colégio, certamente deve ter escolhido alguma vocação também, eu espero.

— Vocação? O que quer dizer? – tossi.

— Sabe do estou falando. Refiro-me à que ideias tem para sua vida agora.

Eu sabia que aquele tópico surgiria mais cedo ou mais tarde. Minha conversa com Charles voltou à tona naquele momento; eu ainda não sabia a resposta para a pergunta mesmo com todos os meses que havia tido para pensar em uma.

— Que tal eu cursar história? – sugeri, o sarcasmo transbordando de minhas palavras. – Se ralar os braços debruçado em livros o dia inteiro meses afinco, posso conseguir uma bolsa de viajem à América e formular teorias acerca da América e os selvagens. Meu nome estará em todo livro após isto.

— Não estou brincando, Leo.

Um silêncio deitou-se sobre nós por alguns momentos.

— O que quer que eu diga? – suspirei, tragando o charuto mais uma vez. – Que quero estudar direito e tornar-me juiz ou procurador do rei? Que vou me alistar no exército, esperando por outro Napoleão aparecer? Que vou à Oxford estudar medicina como o senhor? Não fui feito para isso.

— Não é uma má ideia. Se não tentar, jamais saberá se este é o trabalho para você.

— Sou um homem de teorias, e não de práticas, pai.

— Estudará muita teoria em medicina.

— Oh, e também perderei todo o meu senso de olfato dessecando cadáveres. Não, muito obrigado. Aprecio sua preocupação.

Arthur levou uma mão até a testa. O efeito que eu causava nele era quase sempre de exarcebação. No fundo, tenho pena de meu pai por isso; eu mesmo não iria gostar de lidar com alguém de meu tipo.

— Não sabe o que quer fazer?

— Infelizmente – respondi.

— Espero que se decida logo; não há nada de mais miserável no mundo do que um homem desprovido de paixões. Sem uma reputação ou renda estável, como pretende cuidar da mansão quando for sua? Temos dinheiro, Leo, mas sabe não temos título que nos salve em tempos ruins.

Não respondi. Arthur me deu um tapinha nas costas e foi embora. Pensei em Charles, e no que ele deveria estar fazendo àquela hora. Começando seu treino para tomar o lugar do pai, talvez... ou então enfiado na porta de algum bar bebendo e indo atrás de mulheres; isto era mais fiel ao seu caráter. Lorde Baltimore, Lorde Charles Baltimore. O título soava bom. O nome parecia ter sido criado para ter um Lorde à sua frente. Lorde Venner... não, já esse não parecia certo.

Eu precisava me decidir.

Mas por onde começaria? Não era Philippe, e não tinha talento musical. Não era Charles, e não seria lorde nem dono de um banco londrino. Não era minha irmã, e por isso não podia voltar-me aos afazeres domésticos e tricotar. Não era meu pai, e não achava a profissão médica interessante nem atraente. Certamente também não era minhas tias, e não poderia passar o resto de minha vida fofocando sobe a dos outros.

Não, eu era Leo Venner. Tinha que achar algo para eu mesmo fazer.

O problema é que Leo Venner, nas palavras de meu próprio pai, era um homem miserável e desprovido de paixões.

Meses mais tarde, após muitos dias vagos em que me divertia cavalgando por entre as árvores a olhar os pássaros, lendo os mesmos livros antigos de sempre e acabando com a minha coleção de charutos, uma carta chegou a North Grove. Não era de Philippe – ele havia parado de escrever subitamente tempos antes, mas achei melhor não pensar muito sobre o assunto. Ele está ocupado, Leo, repetia a mim mesmo –, mas sim de um nome que nunca havia visto antes. Paul Blackmore. Por algum motivo que ignorava, a carta era endereçada a mim; abri-a.

 

Caro senhor Leo Venner,

É por meio desta que venho lhe avisar que sua aplicação à Universidade de Medicina de Oxford foi aceita; estamos felizes em recebê-lo, assim também como fizemos com seu pai, Arthur Venner.

 

Arthur Venner. Parei de ler o texto no preciso momento, minha cabeça latejando de leve. O que significava aquilo? Eu não havia aplicado a universidade nenhuma, muito menos a uma de medicina! Reli o resto da carta diversas vezes, não acreditando em meus olhos. Aquilo só podia ser uma brincadeira de mal gosto, certo? De repente, senti o sangue ferver em minhas veias. Arthur Venner. Era o meu pai responsável por tudo aquilo. Eu sabia.

Enfiando o pedaço de papel dentro do bolso do colete e pisoteando os degraus da escadaria acima, dirigi-me ao escritório de meu pai. Ele estava sentado atrás de sua mesa, como de costume, analisando folhas e livros.

Joguei a carta à sua frente; ele pareceu surpreso a princípio, mas, como se estivesse esperando por aquela intrusão, inclinou-se para trás, os óculos escorrendo de leve por seu nariz reto.

— Qual é o significado disto? – perguntei.

— Estou te dando uma ajuda.

— Ajuda? Eu disse mil vezes que não quero ser médico!

Ele suspirou, beliscando a ponte do nariz.

— Quero entender qual o seu problema com a profissão.

— E eu quero entender o porquê de vosmecê não me deixar tomar uma decisão por conta própria.

— Decisão? Ficou aqui todo esse tempo e não tomou decisão alguma, Leo. O que quer que eu faça? Não vou ter um filho vagabundeando a mansão assim enquanto ele poderia estar fazendo algo decente da vida.

Minha cabeça começava a latejar mais; cerrei os punhos.

— Já lhe disse – ele continuou, levantando-se – que não somos milionários nem temos título para vosmecê abanar por aí e ganhar prestígio dos outros. Não. Os Venner podem ter acumulado dinheiro ao decorrer dos anos, mas foi porque trabalhamos. Não irei deixar que a mansão e o nosso terreno caíam em mãos errados por sua culpa mais tarde, Leo.

— Minha culpa? Eu não estou te entendendo, pai. Eu já lhe disse que vou pensar em algo. Eu ainda tenho dezenove anos; tenho tempo pela frente. Não há necessidade de ficar empurrando coisas a mim.

— Há necessidade, sim, Leo... – meu pai deu outro suspirou.

Levei uma mão até minha própria testa, tentando acalmar os nervos. Parecia que havia algo que não conhecia por detrás daquela atitude de meu pai.

— Pai...

— Você sabe que eu não estou mais jovem; já tenho cinquenta e oito anos – ele cortou-me, dirigiu-se até a janela vagarosamente, olhando para os campos e a multidão de árvores lá fora. – Ano passado peguei um mal do qual não sabia se iria sobreviver ou não. Passei semanas acamado, e foi impossível de me automedicar; sua mãe teve de chamar um outro médico da cidade.

— O quê? – vacilei. Aquela era a primeira vez que estava escutando sobre aquilo. Por que ninguém havia me dito nada? Nas cartas?

— Curei-me pela graça de Deus. Mesmo assim, desde o incidente, não me sinto mais o mesmo. É como se uma fraqueza estranha tivesse tomado conta de meu corpo. Às vezes acordo a noite com os mesmos sintomas de antes; tosse aguda, meu estômago dói. – uma risada seca saiu de sua garganta. – Engraçado; estou passando pelo que muitas vezes acreditei ser imaginação de meus pacientes. Lhe digo, Leo, não é imaginação.

Ficamos em silêncio por um tempo. Agora a minha dor de cabeça parecia estar se transformando em uma vertigem; puxei uma poltrona e sentei-me na mesma.

— Por que ninguém me contou nada? – questionei.

— Não queríamos te preocupar. Mas, agora que você está finalmente de volta em casa... Leo, você deve entender o porquê eu estou fazendo isto. Depois que eu morrer, será você o dono de North Grove.

— Não diga uma coisa destas...

— É a verdade, meu filho. Pense em sua mãe e irmã. Admito, pensei em casar Evie neste meio tempo, mas a ideia de que talvez pudéssemos acabar vivendo às custas de outro homem fez-me desistir da ideia. Não, Leo, eu necessito de você.

Fechei os olhos, mas a vertigem não passava. Senti meu estômago embrulhar. Não entendia muito bem como lidar com a situação; se meu pai estava tão mal quanto ele descrevia... não, eu não queria pensar naquilo. Nunca havia pensado.

Eu estava em um beco sem saída, parecia. Já havia desapontado meu pai diversas vezes; não queria que aquela pudesse ser a última, e depois eu tivesse que viver com o peso da consciência de não ter escutado o velho. Lembrei-me da conversa de Charles novamente; se eu não acatasse a seus pedidos, o fantasma de meu pai iria me perseguir pelo resto da vida.

Leo Venner, o mártir.

Engoli uma pedra que havia se alojado em minha garganta, levantando o olhar a Arthur. Ele me encarava com uma certa expectativa ansiosa, quem era para negar-lhe algo?

— Certo. Irei à Oxford.

Ele sorriu.


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Notas finais do capítulo

Não se preocupem, o Philippe está por aí ainda. =P



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