Mentirosos escrita por Blair Herondale


Capítulo 16
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

E quanto tempo faz que não apareço por aqui?

Tanta coisa aconteceu nesse meio tempo que...não conseguiria explicar. Digo apenas que a Bia de dois meses atrás, definitivamente não é a mesma Bia de hoje. Estou em uma fase clichê na vida dos jovens de filmes, tentando me definir, descobrir o que eu gosto, procurando encontrar a pessoa que quero ser. Eu tive a oportunidade de fazer um intercâmbio no Peru e foi tão engrandecedor e incrível que...não sei nem colocar em palavras.

Enfim, pessoas, peço oficialmente desculpa pela demora. Eu sei o quanto isso desmotiva a leitura, ter que esperar não sei quanto tempo para um novo capítulo, ter o medo da autora desistir da história e tudo isso. Queria ser mais frequente aqui, de verdade, mas no momento não posso prometer muita coisa, além de que eu irei tentar. A questão é que eu prefiro demorar um pouco mais, mas postar algo que eu realmente gosto, do que simplesmente postar qualquer coisa.

Esse capítulo foi escrito com muito carinho e amor, ao longo de todos esses meses. Eu sempre escrevia um pouquinho e parava, reescrevia alguns diálogos, percebia que não batia com os personagens, voltava a escrever mais...bem, uma construção em etapas. Pouco a pouco.

Essa vai ser a segunda parte do ponto de vista de Connor. June e ele saíram do cinema e agora vão almoçar em um restaurante.

Espero que gostem e, comentem!

Um beijo forte para todos!



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[Parte 2: Restaurante]

A distância do cinema para o restaurante que Christian costumava ir podia ser facilmente considerada como curta, entretanto, devido ao clima que mostrava-se cada vez mais frio e incômodo, a caminhada pareceu durar muito mais do que o esperado. Por isso, quando finalmente adentraram no calor aconchegante do local, eles não conseguiram conter um suspiro de alívio e felicidade.

—O inverno deste ano está sendo muito mais rigoroso do que o anterior. -June comentou com simplicidade, antes de encontrar diversos pares de olhos sobre si.

Christian limitou-se a concordar com a cabeça, despreocupado com a atenção que recebiam.

As cabeças viradas em sua direção, assim como o mudo questionamento acerca do que um jovem como ele fazia naquele local, era algo usual e não o incomodava mais. No começo, estranhava e sentia-se tímido demais para fazer qualquer coisa, entretanto, com o tempo, foi se acostumando com aquilo e parando de dar atenção à curiosidade alheia. Tinha tanto direito de frequentar aquele restaurante quanto qualquer outro.

No fundo, porém, ele compreendia a confusão. O restaurante parecia ser o refúgio perfeito para trabalhadores de construção civil que, após um longo dia de labuta, cansados e sem perspectivas de melhores condições no emprego, apareciam para beber, jantar por um preço barato e, quem sabe, obter um pouco de coragem para suportar a mesmice e a exploração cotidiana. O restaurante tinha mesas de madeira já desgastadas, o menu encadernado com plástico já evidenciava em suas pontas um brilho de óleo profundo, consequência dos muitos toques de clientes. Até mesmo as pessoas pareciam ter uma alma já carcomida pelo tempo.

Por isso que Christian contrastava tanto ao adentrar o ambiente. Ele tinha a postura de um príncipe que condescendentemente aceitava visitar os pobres moribundos de sua plebe. Ele, com seu ar sofisticado, com suas roupas impecáveis, seu sorriso alinhado e seus gestos elegantes, nunca conseguiria se misturar aos fregueses comuns.

E era justamente aquilo que atraia tanto ao jovem burguês.

Porque apesar da evidente discrepância entre ele e os outros, Christian sentia prazer em comer naquele restaurante esquecido pelo tempo por saber que ali não haveria ninguém para perceber seus possíveis erros de conduta ou se preocupar com o quanto bebia ou fumava. Ele frequentava o restaurante por saber que, apesar de ter um rosto marcante, podia contar com o seu esquecimento por parte dos outros bêbados. Todas as suas histórias, todos as suas fraquezas e medos que expusesse naquele local, tudo aquilo seria esquecido na manhã seguinte porque, naquele mundo, o seu sobrenome não significava qualquer coisa. Ali ele era somente um ser humano como outro, talvez com hábitos e roupas distintos, mas ainda assim, indiferente no curso da história.

Passível de esquecimento.

—Está tudo bem. -disse, apesar de não precisar falar qualquer coisa para acalmar June. Ela não se mostrava assustada.

Conduziu a garota, que ainda analisava os detalhes a sua volta, para uma mesa afastada. Em um breve relance para o balcão, percebeu que haviam trocado o garçom. O último era demasiado rabugento e impaciente, já o novo, apesar de exibir um largo sorriso no rosto, que Christian desconfiava dever-se a presença de June, parecia ter um trato desleixado. Blusa fora da calça, cabelos oleosos e uma caneta estourada por trás da orelha, que manchava, de um azul intenso, parte da sua pele.

Cada qual fez seu pedido para o almoço.

Por alguns segundos -minutos, quem sabe?- mantiveram-se calados, encarando um ao outro na esperança de que alguém quebrasse o silêncio entre eles. A sua volta, havia o barulho dos pratos sendo lavados na precária cozinha, o burburinho das conversas baixas, o ranger das mesas de madeira e o arrastar das cadeiras. A luz, alaranjada e inconstante, criava uma sombra irregular em seus rostos, dando um brilho quase irreal aos seus ângulos.

Tudo era muito poético.

Christian, desacostumado com uma companhia naquele restaurante, poderia ter continuado daquela maneira para sempre, como se fosse um momento congelado em alguma fotografia histórica. Porém, ele senta-se desconfortável com o prolongado contato visual, temia que June começasse a desvendar partes de si que preferia manter em segredo.

Disfarçou o desviar de olhos sob a desculpa de procurar algum amassado maço de cigarros.

—Você deveria conversar com ele, sabia? - disse, ao repousar o isqueiro sobre a mesa para poder colocar um cigarro em seus lábios.

—E você deveria parar de fumar, mas nem por isso estou pontuando o fato a cada oportunidade que tenho. -retrucou com a sagacidade que já era intrínseca a si.

Christian riu, porque não poderia deixar de admirar e de se divertir com o jeito da garota. Ela parecia um ser selvagem, que respondia com olhares tempestuosos cada sentença que soasse como uma ameaça.

—Pode me contestar o quanto quiser, mas ambos sabemos que eu estou certo em relação a isso.

Connor... -e seu nome saiu da boca de June como um suspiro cansado- Depois de toda essa briga, eu não acredito que há alguma coisa para ser dita entre nós dois.

Foi a vez de Christian suspirar, sentindo-se cansado com a conversa que se seguiria.

—Acho que o problema com você e Dimitri é que vocês dois são estupidamente teimosos. Me escuta. -pediu, inclinando-se sobre a mesa para que a garota pudesse perceber a seriedade de suas palavras- Eu posso ainda não ter me sentado com ele para conversar sobre toda essa situação, mas eu tenho certeza que nosso garoto está sofrendo com isso. Porque vocês dois são conectados de uma forma estranhamente peculiar. E se eu, que sempre fui indiferente a relação de vocês dois, estou me sentindo sufocado com essa situação, não consigo nem imaginar o que está passando dentro de cada um.

—Sufocado? -June soltou em incredulidade. O revirar de olhos assim como o discreto sorriso de lado evidenciaram o deboche que ela devia ter sentido por todo aquele discurso. Christian jogou o corpo contra o apoio da cadeira, começando a se arrepender da escolha de levar a garota até seu lugar de refúgio. Não queria começar uma longa briga ali porque isso marcaria o ambiente com memórias negativas. -Por favor, não seja tão dramático.

—O que há de dramático no que eu disse? -perguntou irritado.

—Tudo. Você está exagerando algo que não precisa ser exagerado. -afirmou com indiferença. Mas aquilo, percebeu o rapaz, era algo forçado. Ela apenas não queria admitir o quanto estava sofrendo com toda aquela situação. Por melhor que June fosse com mentiras, ao se tratar de Dimitri, ela sempre se encontrava com uma proteção a menos. Porque talvez, ponderou com cautela, o jovem de cabelos loiros e sorrisos contagiantes fosse o ponto fraco da inatingível June.

Por falta do que dizer, Christian ergueu o cigarro que previamente prendera entre os dedos.

—Você se importa?

—Está tudo bem. -ela respondeu por mera questão de bons modos. Christian sabia o quanto June odiava o cheiro de cigarro e a fumaça perto de si, mas aquele havia sido o único meio que encontrara para interromper a conversa e prevenir futuras discussões.

Além disso, sentia-se quase como se estivesse entrando em um território proibido que resultaria apenas em desconforto para ambos.

O almoço veio, pessoas chegaram e saíram, o restaurante esvaziou-se e os dois permaneceram em silêncio.

—Desculpe. -Christian disse meio a contragosto. Talvez ele já não fosse capaz de suportar as recorrentes brigas entre eles, como se após os anos, seu corpo não tivesse a mesma energia ou o preparo psicológico para lidar com os silêncios tensos e as farpas trocadas em forma de indireta- Eu não deveria me intrometer no que acontece entre vocês, só estava tentando ajudar, porque acho que ninguém está feliz com a situação dessa forma.

—Acho que Dimitri não se importa.

E o tom de voz utilizado por June deu a entender que ela queria dizer algo a mais para provar seu ponto, entretanto, não complementou sua frase. O mistério guardado nas entrelinhas da garota deixou Christian confuso e levemente impaciente, porque não costumava lidar bem com situações em que não possuía todas as variáveis.

—Olha, Silver, posso não ser a pessoa mais atenta do mundo, mas tenho certeza que isso não é verdade. Certeza. -pontuou sua última palavra, antes de lançar um cauteloso olhar na direção da garota, que mordia o lábio inferior pela apreensão- E você também.

Um tom de vermelho preencheu as bochechas de June, mas ao erguer o olhar para ele, não havia qualquer sinal de vergonha.

O olhar azul estampava ferocidade.

—Sim, é claro que eu sei que ele se importa comigo. A gente viveu junto, namorou, tivemos a oportunidade de dividir uma vida e diversas perspectivas de futuro. Seria estranho se ele não se importasse comigo. Mas o ponto, Connor, e me escute bem quando eu digo isso, o ponto é que desde a chegada de Winter, as prioridades de Dimitri mudaram completamente e eu já não consigo mais compreender ou acompanhar o que se passa na mente dele. Porque sei que ele se importa comigo, mas não tanto quanto se importa com Winter ou com as mentiras que nos esforçamos para manter em consideração à ele. Essa é a verdade. -soltou, os ombros caíram como se um enorme peso saísse de suas costas.

As palavras de June, percebeu Christian, tinham a clareza e a ferocidade de uma pessoa que destinou muito tempo para a construção daquela linha de pensamento.

E aquilo o impressionou.

Não podia deixar de admirar o amor que ainda havia entre Dimitri e ela. O sentimento de posse e ciúmes se tornavam evidentes a cada palavra de indignação expressa por June. E aquilo foi um soco em seu estômago, um amontoado de fatos que provavam o quão inalcançável ela ainda era e o quanto a leve paixão que ele sentia por June não passava do nível platônico.

Por isso, mesmo cansado das tantas brigas com a jovem, ele não conteve a ironia ácida em sua voz, porque apenas o disfarce de uma postura prepotente, que tanto a irritava, seria capaz de esconder toda a raiva e a amargura que Christian sentia no momento.

—Então o problema é que você não é mais a prioridade dele. -riu baixinho, fingindo tentar mascarar o deboche- Você não recebe mais a atenção que costumava ter, entendo, mas isso não significa que-

—Você não está me escutando. -disse, tentando mostrar-se segura e inabalável. Entretanto, a voz tremia, como se ele estivesse sendo injusto em seu deboche- O Dimitri que nós dois conhecíamos mudou. Ele não é mais a pessoa que costumava ser e...tudo vai mudar daqui pra frente. As coisas estão instáveis demais e...Connor, e eu não sei se consigo sobreviver a outra grande mudança na minha vida. Ao menos não agora.

Em sua tentativa de se explicar, as mãos mexiam em gestos incompreensíveis e as palavras saiam rápidas demais.

—Elle não tem falado comigo, minha mãe mal consegue lidar com os problemas de casa, meu pai não pode mais ficar sozinho e eu sinto que estou ficando louca, como se estivesse perdendo cada vez mais a minha pouca razão. Dimitri é a minha constante, sem ele…

Parou de falar, como se percebesse que havia dito mais coisas do que esperava confessar naquele almoço. A confusão dentro dela deveria estar grande demais para se permitir ter aquela conversa com ele, porque durante os últimos dias, por mais que tivessem melhorado a relação entre eles comparado com o que costumavam ser, June nunca chegou a ser tão sincera ou falar de temas tão pessoais.

—Ei. -Christian disse baixinho, procurando chamar a sua atenção com uma leveza de quem não pretende assustar um passarinho ferido. -Está tudo bem, June. Está tudo bem.

—Não está. -retrucou, tentando manter a sua postura. Porém, os olhos marejados denunciavam o quão perto estava de desabar.

—Sim, está. -falou em um tom de voz ainda mais suave. Em seu rosto, procurava exibir um sorriso tranquilizador para June - Você se subestima demais. Diz que não tem força suficiente para viver sem ele, mas a verdade é justamente o contrário. Dimitri que não sobreviveria um dia sem você.

—Isso não é verdade.

—É sim, June, Dimitri acostumou-se a ter você por perto. Acho que durante muito tempo vocês mantiveram uma relação de dependência, em que um sempre ia atrás do outro para pedir ajuda mesmo nos problemas mais simples. Mas o que percebo agora, como um mero observador dessa história, é que, nos últimos tempos, você tem conseguido viver muito bem sem ele. Tem uma das amizades mais fortes daquela escola, chama a atenção de diversas pessoas, e não só por sua beleza, mas também pela pessoa brilhante que é.

—Isso é um monte de bobagem. -continuou na negativa- Você sabe que sou incapaz de manter meus poucos relacionamentos e não vejo nenhuma fila de pessoas animadas para se aproximarem de mim.

Christian mexeu na comida de seu prato, utilizando-se do silêncio para refletir sobre a situação. Aquela conversa parecia ser tão absurda, porque June não era o tipo de pessoa que tinha dúvidas e inseguranças sobre si mesma. O impressionante sobre ela era a força que demostrava o tempo todo, sem qualquer dificuldade, como se aquela impressionante característica fosse intrínseca a ela.

—O que aconteceu, June? Você não é assim. - disse, sem qualquer dureza em sua voz. A preocupação de Christian ainda era evidente, entretanto, ele não conseguia entender o que tanto a assustava - A presença de Winter é tão incômoda ao ponto de você esquecer quem é? Sei que vai conseguir sobreviver, mesmo Dimitri namorando uma outra pessoa, porque você ainda é uma das coisas mais importantes da vida dele.

June parecia estudar a sua expressão, como se não acreditasse na sinceridade de suas palavras ou temesse alguma maldade por trás de tudo. Porém, após poucos segundos, o azul de seus olhos suavizou e, para a surpresa de Christian, ela lhe lançou um sorriso, pequeno e adorável.

Ele não soube como reagir.

June Silver ficava tão estupidamente linda quando sorria com sinceridade, que Christian teve vontade de acabar com a pouca distância que havia entre os dois e depositar vários beijos sobre ela. Sentia-se sortudo por saber que não era para todos que ela destinava um aspecto tão singelo de si.

Sentiu-se nervoso e, por falta do que dizer, começou a balbuciar qualquer coisa que lhe vinha à mente.

—Quero dizer, se você ainda ama ele, então é uma outra história, mas se não...acho que é a hora de você lidar com isso e seguir em frente. As coisas mudam e precisamos estar abertos e preparados para essas mudanças e as novas etapas que vão surgir na nossa vida. -utilizava um tom de voz brincalhão, como se fosse um psicólogo ou alguém detentor de grande conhecimento. Não falava com seriedade.  

Estúpido, pensou, envergonhado consigo mesmo.

—Quando aceitei ir para o cinema com você, não pensava que depois tivesse que lidar com uma sessão de terapia. -respondeu, seguindo o clima de brincadeira que havia se instalado entre eles. June parecia se divertir bastante com a ideia de Christian como psicólogo, porque não tirava o sorriso leve do rosto nem por um segundo.

—Ei, você não está sendo justa nessa história.

—E você está sendo...impertinente. Não tinha pedido a sua opinião, doutor Connor. -ela lhe lançou um olhar de lado, como se o desafiasse a contradizê-la.

Ele não faria isso.

—Tudo bem. É justo. -afirmou ao repousar o garfo sobre o prato, como se erguesse uma bandeira branca após muitas noites em guerra. -Mas antes me diga uma coisa, porque agora fiquei curioso, o que aquela sua amiga Elle está achando disso tudo?

—Nada. -June deu de ombros, como se isso fosse o esperado, mas Christian sentia-se confuso, uma vez que não fazia o menor sentido que a melhor amiga dela não tivesse qualquer opinião formada sobre as loucuras que estavam acontecendo relacionadas à Dimitri. A vida de todo mundo havia sido virado de cabeça para baixo desde a chegada de Winter, simplesmente não era possível uma pessoa se manter alheia.

Por isso, devido à descrença que sentia, o jovem manteve-se calado em uma evidente espera por uma complementação.

—Porque eu não contei a ela. -June explicou contrariada, como se não quisesse ter admitido aquilo.

—E por que não? Ela é sua melhor amiga, não pensei que fosse manter isso em segredo dela.

Christian sentia-se tão confuso com toda a situação, que cada frase dita por June parecia cada vez mais absurda. Primeiro, dizia que Elle não havia tomado um posicionamento sobre os acontecimento, depois dizia que não havia contado sobre a situação. Será que elas não eram tão amigas quanto pareciam ser?

—Porque eu não posso, Christian! -soltou em exasperação- Eu não posso contar pra Elle, porque, assim como todas as garotas daquela estúpida academia, ela tem uma queda por você! E contar sobre essa atuação que estamos fazendo nas últimas semanas por causa de Winter seria o mesmo que admitir que omiti, por todo esse tempo, o fato de que dividimos um apartamento!

—Calma aí. -e a medida que as coisas se esclareciam na mente de Christian, ele sentia-se cada vez mais chateado e, de certa forma, traído- Você está querendo me dizer que sua melhor amiga não sabe que eu moro contigo? -porque não era possível que a vergonha de June em relação a ele fosse tão grande ao ponto de ser capaz de mentir deliberadamente por meses- O que Elle pensa? Que você paga aquele apartamento sozinha mesmo depois do que aconteceu com seus pais? - Christian não queria que sua voz tivesse soado tão incrédula, muito menos que tivesse soltado a informação que descobrira sobre a falência da família Silver.

June automaticamente se retesou, a coluna ereta e o maxilar trincado, como acontecia todas as vezes que o nome da sua família era citado em uma conversa.

—Não, seu grande idiota, ela pensa que eu divido com Dimitri. Preferi esconder o fato de ser obrigada a conviver com a sua presença fora do ambiente escolar.

Christian sentia que seria capaz de quebrar a mesa de tanta raiva que sentia pela mentira. Os dois estavam tão envolvidos em viver uma mentira para Winter, compartilhando inclusive divertidos momentos de cumplicidade, que agora sentia-se quase sujo por perceber que ele em si já era, há mais tempo do que pensava, uma mentira para outra pessoa. No caso, Elle.

Queria poder gritar ao mundo sua indignação, mas sabia que não tinha intimidade para aquilo. Sabia que não possuía o menor direito de sentir-se traído, ou sujo, ou furioso, porque no fim das contas ele era apenas o novo inquilino e Dimitri sempre seria o centro das atenções da vida de June.

Ele suspirou, por fim, sabendo que a única coisa que poderia fazer no momento era desculpar-se pelo tom utilizado ao tratar da família Silver. Talvez tivesse parecido um pouco debochado.

—Não quis dizer dessa maneira, June.

—Não pense que eu me importo. Tenho muita consciência do que minha família passou e não tenho vergonha disso, então me poupe de utilizar a minha história contra mim.

—Já disse que aquilo não foi o que eu quis dizer. -conteve a impaciência na voz.

—Eu acho que foi exatamente isso que você quis dizer. O que, particularmente é um golpe muito baixo, porque eu sei muitas coisas da sua família e mesmo assim não fico maldosamente colocando nas conversas.

Seus olhos de tempestade brilhavam com uma irritação que não passava despercebida por Christian e suas palavras, tão afiadas e diretas, pareciam ser um aviso de que não deveria mexer com o que lhe era pessoal sem permissão.

—É mesmo? Tipo o que? -Christian perguntou em tom de desafio.

Entretanto, menos de um segundo depois, ela já parecia quase arrependida ou, ao menos, receosa com o que iria dizer. June mordeu o canto dos lábios e só esse gesto foi suficiente para Christian voltar a se divertir com toda a situação.

—Eu ouvi dizer que você viveu e foi criado pelos seus avós, porque sua mãe nunca soube dizer quem é o seu pai e porque ela não teve vontade de te criar.

A gargalhada de Christian ecoou pelo restaurante, atraindo alguns olhares de curiosidade, e June só conseguiu encolher-se ainda mais, definitivamente arrependida pelo que havia dito.

—É isso que dizem de mim? -perguntou, ainda sem conseguir esconder a diversão que sentia- Ai, ai... -balançou a cabeça, buscando recuperar a compostura depois de sua exagerada risada. Tinham momentos que ele simplesmente não conseguia se conter- As pessoas conseguem ser mais criativas do que eu pensava. Bem, primeiro queria pontuar que eu sei quem é o meu pai, ele vive no sul da Itália como tradutor de livros, e é por causa dessa sua profissão que minha família prefere não citar seu nome. Quanto a minha mãe, ela não me renegou, apenas decidiu manter o seu trabalho de diplomata como prioridade. Vivo com meus avós por opção, porque não aguentava mudar de país e acompanhar minha mãe em excursões inesperadas. Então, eles realmente me criaram desde meus oito anos e eu sou extremamente grato por isso.

Explicou de forma breve, mas paciente.

Nunca iria imaginar que June pensasse aquilo sobre a sua família, mas era divertido observar a confusão em seu rosto diante de todas aquelas novas informações. Não, June, eu não sou tudo o que dizem de mim.

—Eu...não sabia. -ela disse, ainda encolhida na cadeira.

—Percebi. -a palavra pareceu saiu com grosseria, por isso, permitiu um sorriso saltar no canto de seus lábios, para mostrar que não sentia raiva - Mas agora sabe a verdade e, se quiser, pode começar a desmentir esses rumores. Mentiras vão apenas aumentando ao longo do tempo, melhor não deixá-las correrem soltas.

E ele se referia a tantas coisas que já não era capaz de decidir por apenas uma.

—A comida desse restaurante é melhor do que eu pensava. -June disse, apenas para mudar de assunto. Ambos estavam cansados das conversas densas, das tensões e de todas as quase brigas.

Christian assentiu, contendo um sorriso.

—Eu sei, por isso que ainda venho aqui. Pensou que fosse o que, pela decoração? -brincou.

Sentia-se leve por poder dizer aquele tipo de coisa, sem temer uma represália em retorno. Se fosse antes de Winter, June teria estranhado seu tom de deboche, pensaria que algo a mais deveria estar por trás, mas ao invés disso, sorriu.

—Cala a boca, Connor.

—Só se você vier calar… -segundos de silêncio- com a sua.

June revirou os olhos.

—Nem comece.

—O que eu fiz?- perguntou em falsa inocência, mas ambos já estavam rindo da situação.


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Notas finais do capítulo

Recomendem, favoritem e comentem. Sério, vocês não tem noção de como cada comentário me dar uma alegria enorme.Cês são capaz de me alegrar por uma semana inteira!



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