Jolene escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
jolene




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No último verão, Mary MacDonald havia comprado um toca-fitas. Seu pai tinha um toca-fitas, mas ele gostava de mantê-lo na sala de casa ou em seu escritório, então ela guardara dinheiro durante um semestre, abdicando dos doces da Dedos de Mel e das brincadeiras da Zonko’s, para trocar seus galeões por libras e poder comprar o seu próprio aparelho. Ou melhor, dois: um para tocar alto e outro para usar fones de ouvido enquanto andava de bicicleta por Southwold.

A culpada disso era Lily, é claro. Lily que, no último verão, passara quinze dias em sua casa e levara uma caixa de fitas gravadas com suas músicas favoritas. Elas passavam horas jogadas na cama, conversando enquanto a música rolava ao fundo, de vez em quando sendo interrompida por um ruído causado por alguma falha na gravação. Quando não estavam fazendo isso, estavam pedalando pela cidade ou esticadas na areia, aproveitando o sol quando este decidia aparecer. No final do dia, Mary estava bronzeada e Lily, queimada, com mais sardas aparecendo em seu nariz e em seus ombros, seus cabelos molhados e os olhos cansados pelas horas aproveitando o verão.

Depois que a amiga fora embora, de volta para os arredores de Londres, sob o céu nublado e a fuligem do bairro onde morava com os pais e a irmã, Mary não conseguia colocar aquelas fitas para tocar sem se lembrar dela.

Toda vez que Jolene ecoava do toca-fitas, a imagem de Lily dançando no píer voltava à sua mente: o jeito como os cabelos ruivos, um pouco desbotados pelo sol, brilhavam de um jeito bonito sob a luz alaranjada do final da tarde e como os olhos verdes ficavam mais claros depois de um dia inteiro no sol. Rhiannon era o som de seu quarto, envolvido na luz desfocada do seu abajur, enquanto Lily arrumava o seu cabelo e ria, seus dedos puxando com cuidado os cachos morenos para fazer algum penteado. Born to Be Wild era o borrão laranja do cabelo da amiga quando ela soltava os pedais da bicicleta e descia ladeira abaixo em alguma alameda de Southwold.

Cada música era um momento do verão e Mary MacDonald acreditava que podia dizer que aquele fora o melhor verão que tivera em anos. Foram quinze dias banhados por sol, água salgada, pomada para queimadura e o perfume doce de Lily. Quatorze noites conversando até o sono chegar, com a estática do rádio ao fundo e com o corpo da ruiva ao lado do seu quando elas pegavam no sono. Quinze manhãs acordando e sentindo-se estranhamente feliz de ver a amiga ao seu lado, rindo quando a via balbuciar alguma coisa desconexa, ainda sonolenta, com os cabelos ruivos uma bagunça de nós.

Quando o calor do verão se dissipou e o ar fresco do outono voltou, Mary mal podia esperar para ver Lily. Era o último ano delas em Hogwarts e todas as conversas que tiveram durante o verão indicavam que o plano delas de dividirem um apartamento em Londres, depois do colégio, iria se concretizar. Ela não podia estar mais feliz de imaginar-se repetindo aqueles deliciosos dias de verão, mas agora durante as outras estações.

Mas então os olhos de Lily encontraram James Potter no Expresso de Hogwarts e Mary notou que havia algo diferente. Talvez fosse porque o garoto não tentou chamá-la para sair e apenas a cumprimentou, educado, ou talvez fosse por conta do sorriso pequenino que curvou os lábios da amiga. MacDonald ignorou e encontrou um compartimento para elas passarem o resto da viagem conversando.

Quando Evans lhe disse que iria passar o final de semana com James, Mary apenas riu. Elas estavam no dormitório da Grifinória e a garota estava com um fone no ouvido, com a voz suave de Simon e Garfunkel cantando The Sound of Silence. Se soubesse o que aquele encontro significaria, mais do que apenas Lily tentando fazer com que Potter parasse com os convites, ela talvez achasse uma ironia cruel que tal música estivesse tocando naquele exato momento.

Lily voltou de Hogwarts sorridente e corada. Ela falava sobre James e sobre os assuntos de suas conversas: o pai fabricante de poções, seu Tio Charlus que testava vassouras de corrida, a Tia Dorea que cantava em estabelecimentos bruxos, as brincadeiras de Sirius e as palhaçadas de Peter. Ela havia ficado tocada com o fato de que o cachorro dele, um bulldog inglês de doze anos chamado Snitch, havia morrido naquele verão.

“Quem dá o nome de um bulldog inglês de Snitch?” Mary perguntara, esperando arrancar alguma piada de Evans, mas ela apenas explicou a razão do bicho ter esse nome.

O que era para ser um final de semana em Hogsmead se tornou dois, três, quatro... Uma tarde nos gramados, uma noite na torre de astronomia, uma manhã nas margens do lago. Mary acompanhava de longe, sorrindo e assentindo quando Lily queria lhe contar sobre James e o quanto ele estava diferente, educado e divertido. A amiga estava feliz, isso era óbvio, e por isso Mary não podia fazer nada. E James... Bom, ele realmente estava sendo educado e querido. Ele gostava da ruiva, o olhar dele não deixava dúvida alguma.

Mary se perguntava se o seu olhar havia deixado alguma dúvida ou se Lily também precisava de óculos.

Sirius notou. Sirius se escorou em uma árvore ao seu lado, num final de tarde, e ficou em silêncio, observando o lago enquanto ela mantinha os fones nos ouvidos. Jolene enchia-lhe a cabeça enquanto ela imaginava Lily ali, na beira do Lago Negro, dançando como ela havia dançado no píer de Southwold.  Sirius Black, com sua capa com fecho de prata e ônix, gesticulou para que ela tirasse os fones e começou a conversar.

“Uma merda, não é?” ele havia falado, puxando um cigarro de dentro das vestes e o acendendo com um estalar de dedos. Black não dava a mínima para a possibilidade de algum professor o ver fumando.

“O que?” ela perguntou, ainda ouvindo Dolly Parton cantar, sua voz saindo pequenina pelos fones agora caídos, pendurados em sua gola.

“Você sabe o que, MacDonald.”

Ela se perguntou se Sirius também olhava para James de um jeito diferente, mas acreditava que não fosse isso. Mary sabia que Black tinha aquele olhar guardado para Remus, ela já havia visto, mas também sabia que o namoro de Lily e Potter o estava deixando irritado.

“Você também se sente mal por isso?” a menina perguntou, vendo o céu nublado ficar cada vez mais escuro a medida que o dia acabava.

“Por querer que eles terminem? O tempo todo,” o rapaz falou, encolhendo os ombros e tragando o cigarro. A fumaça que ele expeliu embaçou tudo ao redor deles por alguns segundos, antes de se dissipar.

“Mas você tem o Remus.”

Sirius arqueou uma sobrancelha, encarando-a por um tempo e então rindo.

“É... Somos situações diferentes, MacDonald.” O bruxo suspirou, encostando a cabeça contra o tronco da árvore. “Não queria estar no seu lugar.”

“É tão óbvio assim?”

“Pra mim, sim.” Mais uma tragada. “E para o Remus.” Ele riu e cutucou o próprio nariz. “Mas a gente gosta de brincar que gostamos de farejar essas coisas.”

Mary riu, apesar de sentir vontade de chorar. Sirius também riu, mas era possível sentir alguma coisa estranha naquela risada.

Depois daquele fim de tarde, Mary MacDonald guardou seu toca-fitas portátil no fundo de seu baú, junto com as fitas que ainda tinham as etiquetas com a caligrafia de Lily, enfeitadas com estrelas e flores. Aqueles pedacinhos de verão só saíram dali outra vez quando ela se mudou para Londres, para o tão desejado apartamento perto do Beco Diagonal, onde ela havia conseguido um emprego como balconista na Floreios e Borrões. Era um belo apartamento, minúsculo e aconchegante, com pôsteres de filmes e bandas (ela tinha muito orgulho da sua parede com o pôster de Star Wars, O Poderoso Chefão e O Exorcista), mas era solitário.

Quando Lily e James apareceram em sua porta um ano depois do fim do colégio, querendo conversar sobre um grupo de resistência contra os Comensais da Morte, Mary queria perguntar o que a amiga tinha achado do apartamento que devia ter sido delas, mas simplesmente ofereceu-lhes chá e os ouviu. Falaram da Ordem da Fênix, das ideias de Dumbledore, dos atentados cometidos pelos Comensais... MacDonald sabia do perigo. Ela aparatava de dentro da Floreios e Borrões direto para o seu apartamento, com medo do que podia encontrar no Beco depois do anoitecer. Ela lia o Profeta Diário e sabia que pelo menos três de seus colegas haviam sido atacados e mortos no último ano. Ela se lembrava de como Mulciber e Avery a azararam no colégio, como Snape apenas observou tudo, em silêncio, enquanto os colegas repetiam o quão suja ela era por ser nascida trouxa (também se lembrava, é claro, de Lily correndo e os azarando de volta, gritando com Severus e a abraçando).

Ela aceitou a proposta. Três dias depois, estava na sede da Ordem, sendo apresentada para os outros e recebendo missões. O seu trabalho na Floreios e Borrões, no meio do cheiro dos livros, foi embora... Agora ela era parte da Ordem da Fênix e sua função era espionar e juntar informações. Ela e Lily foram parceiras diversas vezes: Mary era boa em passar despercebida e ouvir coisas que não deviam ser ouvidas, enquanto Evans era ótima em defendê-las quando fosse preciso. Não havia o sol do verão e nem as músicas, mas haviam risadas baixinhas enquanto estavam disfarçadas e cervejas no meio da noite, depois de completar alguma missão.

Mas aquelas pequenas felicidades não duraram muito. Um dia, Lily Evans (que, na verdade, agora era Lily Potter) sumiu. Sirius foi quem bateu em sua porta para lhe explicar a situação: uma profecia, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado perseguindo os Potter e os Longbottom, um esconderijo, um guardião do segredo... Lily, James e o filhinho deles, Harry (que ela só vira uma vez, quando ele tinha apenas três dias de vida, mas já tinha os olhos verdes da amiga), só voltariam à tona quando Voldemort fosse derrotado. Mary MacDonald chorou naquela noite. O toca-fitas ficou silencioso e o único som dentro do apartamento cheio de pôsteres era os seus soluços.

Três semanas depois, Mary MacDonald aparatou dentro de seu apartamento, depois de uma missão South Uist, e enfiou a primeira fita que encontrou no toca-fitas. Dolly Parton começou a cantar o nome de Jolene nas alturas e, instantaneamente, Lily dançando no píer surgiu em sua mente, arrancando-lhe um sorriso. A bruxa atravessou a sala meio dançando e cantarolando, indo pegar algo para comer, e a luz da geladeira iluminou uma silhueta estranha do outro lado do cômodo.

Pega de surpresa, Mary não conseguiu nem ao menos sentir a madeira de sua varinha em seus dedos antes de ser atingida pela maldição Cruciatus. A luz amarelada da geladeira iluminava os pés com calçados lustrosos do Comensal e a voz de Dolly Paltron nunca pareceu tão horrível, sincronizada à dor da maldição. Quando a dor passou, a bruxa ainda tentou se arrastar até onde sua varinha estava no chão, depois de ter rolado para longe de si, mas não tardou até sentir algo frio e rápido passar pela sua garganta.

Os passos do comensal ecoaram baixinho por debaixo da música, antes do estalo da aparatação anunciar que ele havia ido embora. Os sons úmidos e agoniados que saíam de sua boca eram abafados por Dolly Paltron enquanto o sangue inundava as suas vestes e escorria para debaixo da sua cabeça, sujando os seus cachos. Antes de perder a consciência, no entanto, Dolly ficou quieta e Simon e Garfunkel decidiram pregar-lhe uma última peça: The Sound of Silence começou a tocar, mas apenas o primeiro verso foi registrado, antes de tudo sumir para sempre.

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Notas finais do capítulo

Eu estava ouvindo Sleepover da Hayley Kiyoko e sei lá, deu vontade de escrever algo assim.



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