A Lua Está Sorrindo Para Você escrita por Alice Been


Capítulo 3
12 Setembro 2075




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Fale.

Não.

É simples, você ensaiou tanto...são só três palavras!

Melhor ficar quieta e não falar uma

Eu...

Não.

...te...

Ela não vai falar.

...amo.

Nelly sorriu para si mesma rindo da sua estupidez. Não era tão fácil quanto ela mesma pensava que era, o máximo onde conseguiu chegar foi no eu, depois inventou uma desculpa esfarrapada para criar outra frase e não ter que se explicar depois. Na sua mente parecia tão fácil, palavras eram só palavras, nada mais que palavras que seriam usadas para exprimir alguma coisa, nesse caso, algo quase impossível.

— Coisa maldita!- Jane gritou batendo na mesa onde tinha um computador.- eu digitei a coisa certa.

— O que foi?- Nelly tirou os pés da cadeira da frente e girou a que estava sentada para encarar a mesma tela que ela com o rosto quente.

— Isso daqui não gosta de mim.

Não se preocupe, eu gosto.

— O que isso te fez?- Nelly riu olhando sem realmente saber o que todos aqueles números, sinais e letras significavam.

— Eu vou, digito tudo certinho, com amor, dedicação, carinho, tempo, suor, lágrimas, sangue e… já falei amor? Enfim, faço tudo isso e vem a tela azul!- Jane riu sem olhar para Nelly.- de verdade, desisto disso. Bicho ruim…

— Não é o que você gosta?

— É, o pior que é, mas está muito difícil.

— Uma hora melhora.

— Espero que sim, mas essa hora não é hoje.- Jane jogou sua mochila pelo ombro e desligou a máquina.- meu pai vai me matar, já é oito e meia e você não me avisou! Eu confiei em você, Nelly!- ela a olhou com uma raiva falsa, não conseguindo manter a atuação e sorrindo depois.

— Desculpa.- ela riu saindo do centro de multimídia. O prédio já estava quase vazio, alguns professores ainda corrigiam provas e Jane se despedia de todos com os quais fazia contato visual.- finalmente acabou esse ano... livre da escola, livre do cursinho...

— Preguiçosa.- Jane olhou de canto de olho para ela enquanto andava nos corredores agora nem mais tão cheios.

— Economizo energia.

— Para que?

— O mais puro nada.- Nelly sorriu para ela.- o Noah não está aqui...

— Esqueceu de mim... já está tarde, ele já deve ter aberto o restaurante.

— Eu estou com fome.

— Não é a única.

— Lembra que eu jurei que até o final do ano chegaria em casa fazendo fotossíntese? Nada ainda.

— Vai contra as leis da biologia, querida Nelly. Um animal não pode ter funções vegetais sem antes ser exposto a radiação ou alteração genética.

— Ou a algumas aulas que todos sabemos quais são.

— Ela gosta de mim!- Jane falou com indignidade mais que definida.- aquele outro que você também não gosta falou que ela e outro professor queriam que tivesse mais de uma Jane na sala.

— Já me falaram isso também.

— Quem?

— O professor de educação física.

— Não vale.

— Você tem seu dom, eu tenho o meu.

— Justo.

Elas não moravam muito longe da escola, alguns quarteirões, mas aquele caminho parecia durar horas mediante ao silencio. Noah não as esperava no portão como sempre fazia, então o restaurante já devia estar aberto, elas só jantariam depois das onze. Nelly roubaria alguma coisa da dispensa durante seu turno, provavelmente dividiria alguma coisa com Jane, mas isso dependeria do timing que as duas teriam que ter.

Depois do que aconteceu quando Nelly tinha dez, ela ficou um tempo na casa do Noah e, depois de seis meses morando com ele, voltou a ficar um tempo com seu pai, ele foi julgado por assassinato, mas não foi condenado devido a falta de provas. Nelly nem foi muito atrás disso, lhe pareceu inútil pedir para alguém sofrer por algo que já foi feito e fixado e agora esquecido.

Depois de um tempo de caminhada, Jane acenou para Noah quando ele saiu do restaurante e correu para abraçá-lo, antes que ela pudesse chegar lá, um estranho segurou o ombro dele, cansado de um esforço recente, e visivelmente implorou por ajuda. Noah tentou acalmá-lo, mas só teve tempo de ver um policial virar a esquina antes de ouvir o som de um tiro. A bala acertou primeiro o fugitivo, depois, devido à proximidade, Noah. Ele cobriu a ferida com uma das mãos essa logo assumindo uma cor escura, mesmo sendo inútil a pressão serviria de anestésico. Jane não sabia o que fazer. Começou por jogar tudo o que tinha no chão e correu para ajudá-lo a se sentar no chão enquanto tentava não se mostrar tão desesperada assim. Era inútil, ele já sabia como ela estava.

Nelly jogou sua mochila no chão perto do prédio junto à de Jane e correu para alcançar o policial que puxou o gatilho. Ela só viu um monte de cabelo preto cair na frente dos seus olhos depois de ter virado o tronco com força, uma ardência no pulso, um volume debaixo de seus pés, algo pesado em suas mãos e uma raiva que infelizmente já conhecia.

— Perdão!- o policial estava com medo dela.- Perdão, eu juro que eu não o vi, por favor, não atire.

— Quantas balas?- ela gritou o ameaçando.

— Por favor, eu tenho família.

— Que bom, eu também tenho e você acabou de atirar nela. Quantas?- ela aumentou ainda mais o tom de voz.

— Cinco!

A arma tremia em suas mãos, ela queria puxar o gatilho ao mesmo tempo que se negava a fazer isso, era como se um anjinho e um diabo estivessem argumentando sobre isso e as vozes a deixavam a situação ainda mais barulhenta do que ela já estava.

— Nelly! Nelly, me ajuda, por favor, eu não sei o que fazer, eu não sei!- Jane gritou tentando acalmar o pai.

Nelly deixou seus braços caírem e o que sobrou da sua expressão foi junto, ela se aproximou de Noah e ele sorriu fraco.

— Desculpa!- se heróis não choravam, ela não era um.- desculpa, desculpa..

— Não tem problema, filha...- sua voz estava quase inaudível.

— Você não pode me chamar assim, eu não mereço.- ela fechou os olhos com força enquanto olhava para baixo.

— Claro que merece, não me faça brigar com você agora.- Nelly assentiu com a cabeça.- sobrou alguma?

Noah apontou para a arma que sua suposta filha ainda segurava.

— Você não vai morrer!- aquele grito não foi tão alto como ela imaginou.

— Até quando você quer que eu sofra?

— Até você ficar melhor. Você vai viver, você vai.- seu peito doía e logo essa dor passou para atrás dos seus olhos que se esforçavam para parar de chorar.- eu prometo que vai.

—Eu faço isso.- Jane colocou sua mão no ombro de Nelly.

Ela não sabia o que falar, estava quase paralisada e quando olhou para Jane, percebeu que ela estava falando sério, não chorava mais, claro que seu rosto ainda estava vermelho, mas não havia mais lágrimas novas, as antigas já estavam secas.

—Tem certeza?

— Anda logo antes que eu mude de ideia!

Nelly entregou a arma para Jane, ela se abaixou e abraçou o pai tentando não machucá-lo, ele beijou-lhe a testa e tentou consola-la segurando seu rosto para vê-lo uma última vez fazendo com que seu sangue ainda fresco fizesse contraste com sua pele branca.

— Te amo, pai. -Noah sorriu para ela e Jane estranhou o peso da arma nas suas mãos, se falava que já tinha feito sua decisão. Encostou o cano da arma na testa de Noah, ele a olhava sereno, era muito mais que irritante. Jane queria de verdade acabar com o sofrimento dele, seria como o tiro de misericórdia que o deixaria feliz, o único presente que ele queria. Mesmo depois de morrer ele a veria como um anjo…- Eu não consigo!

Ela deixou a arma cair, e caiu junto com ela chorando ao ponto de não conseguir respirar. Queria poder fazer alguma coisa, mas não conseguia, não sabia o que fazer. Para Noah tudo estava um pouco embaçado, girando, a dor era excruciante, ele estava zonzo mesmo não sendo o primeiro tiro que levou. O rosto de Jane o acalmava mesmo que não fosse como queria, depois de tudo o que fez, morrer quase em paz era o maior presente que poderia ter. Noah viu alguns pontos coloridos na sua visão, ficaram pretos, maiores até que ele só via isso e nada mais.

Muitas pessoas se reuniram em volta do restaurante, provavelmente atraídas pelo som dos tiros, Nelly chorava cobrindo a boca, mas quando notou toda aquela gente quase se entretendo com a morte dele, soube que perdeu o controle.

— Saiam daqui, todos vocês!- ela gritou tão alto que machucou sua garganta.- Agora!

Algumas pessoas saíram com medo, outras foram dispersadas por um policial que quando viu o que estava acontecendo, falou alguma coisa em um comunicador e se aproximou do corpo de Noah.

— Senhorita, você tem que se afastar.- ele tentou empurrar Jane pelo ombro, mas foi Nelly quem tirou-a de lá.

— Faça o que ele pede.- Ela ajudou Jane a se levantar e sorriu para ela, mas não recebeu nem seu olhar de volta.

— Ele vai ficar bem?

— Eu não sei…- não adiantaria mentir naquela hora.

Jane a abraçou com força e Nelly não soube o que fazer, só assistiu ao policial prestar os primeiros socorros para Noah e para o estranho que lhe pediu ajuda. Ele não merecia isso, Jane não merecia estar tão desesperada, ela é inocente, nunca fez nada para ninguém além de um dia ter gritado com algumas pessoas, nada mais. Nelly queria fazer alguma coisa, daria de tudo para ter esse poder, mas não tinha, agora estava imóvel, devia saber primeiros socorros, devia ter corrido atrás do policial que atirou no Noah, mas não fez isso.

Não conseguiu fazer nada e parecia que nunca conseguiria fazer.

Se provaria o contrario.

Provaria para todos o contrário.


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