Nelly achava que Carter estava muito mais estranho que o usual, não que desde o dia que chegou no novíssimo mundo não estivesse assim, mas agora era diferente. Falava menos, gritava mais, chegava cada vez mais tarde do trabalho e alguns dias ele nem mesmo se dava o esforço de chegar. Depois de arrastar sua família para um lugar seguro, ele e sua esposa, Kia, começaram a trabalhar de sol a sol para tentar deixar aquele barraco longe do centro um pouco mais habitável. Eles conseguiram, mesmo que isso significasse que raramente veriam Nelly acordada. Para ela parecia que eles nem mesmo se importavam de vez em quando. Toda essa ausência permitia que ela fosse exposta a toda sorte de pessoas, das más às até nem tão ruins assim. O Carter... bem... ele conseguiu! Perdeu-se no álcool barato e Kia fazia o possível para que Nelly não percebesse isso, mas o dia que a ofereceram um aumento e ela recusou... não foi mais possível.

— O que você acha que fez, Kia?- ele disse com gesto mais que exagerados

— Desculpa…- ela abaixou a cabeça.

 – Não é pedir desculpas!- Cárter estava alterado.- Não é abaixar a cabeça e fingir que está tudo bem. Dinheiro é dinheiro, não importa de onde vier.

— E se alguém tivesse falado isso enquanto nós estávamos fugindo?- Kia levantou a cabeça em um tom de desafio em uma tentativa falha de lembrá-lo que ainda havia alguma coisa boa nele.

— E se, e se, e se. E se não dá para prever, podiam ter falado, mas não falaram, por isso estamos aqui agora é eu não vou deixar que a minha família seja prejudicada por pessoas que eu não conheço, não depois que o seu filho morreu.

— Não vamos começar isso de novo.

— Some da minha frente.

— Você não pode fugir dos seus problemas assim!

— Eu disse sai!- ele gritou projetando-se para frente.

Kia o olhou com raiva e bateu a porta do quarto com força proporcional. Nelly olhava tudo com medo, sua mãe a fez um jantar do jeito que dava antes do Cárter chegar, ela se esforçava para engolir o que estava na boca enquanto seu pai fingia cansaço massajando os olhos.

 – Você ama o papai não é, filha?- Nelly ficou em silêncio.- Não é?!

— É sim, é sim!- ela colocou as mãos na mesa o olhando nos olhos.

— Pegue essa faca e mata aquela vagabunda.- Nelly o olhou com medo.- não vai? Saia da casa.

— Pai, esse não é você.

— Sai daqui!

— Pai, você já não ouviu a mãe, você está me assustando.

— Você acha mesmo que eu dou a mínima para isso?- ele se levantou e se aproximou dela.- Você acha mesmo que eu ainda preciso me preocupar com o que você acha de mim?- Cárter fez com que Nelly se levantasse da mesa com um puxão no pulso.- Eu te salvei. Você deve sua vida a mim! Me mostre essa gratidão.

— Eu já fiz isso outras vezes, mas você me disse que eles mereciam. Ela não merece!

Ele abriu a porta e a empurrou para fora, mesmo com os pontapés que Nelly o dava, o álcool servia de anestésico.

Cárter só sentiria a dor depois.

Só teria noção do que fez depois.

Quem sabe se arrependeria depois