E então, ele estava em uma limusine.

Uma mesa na frente dele tinha frutas, torradas, geleia e até panquecas. Fora isso ele estava sozinho no banco de traz do carro.
Tentou abrir a divisória entre ele e o motorista, mas estava travada. Pelo menos estavam na cidade, e indo na direção da casa de Dipper. Então estava tudo mais ou menos bem.

Ele não conseguiu comer muita coisa, em parte por que logo chegaram na casa dele. Em parte por que ainda não tinha entendido direito o que tinha acontecido com ele.

Quando chegou em casa, torceu para que seu pai já tivesse saído e sua mãe estivesse dormindo. Não ia ser fácil dar uma explicação sobre o porquê de não ter dormido em casa.

A verdade, é claro, estava fora de questão. Seus pais acreditavam que um pouco de "agressividade entre garotos" fazia bem, contanto que você revidasse. Era bom para construir caráter aparentemente. Então ele provavelmente iria levar uma bronca por "não revidar".

Como sempre, a sorte não estava do lado dele.

Seu pai já tinha saído, mas sua mãe estava servindo café para Mabel na cozinha e ouviu quando ele chegou.

— Mason Pines! Onde você estava?

— E-eu estava... na casa de um amigo! É! Ele me chamou para jogar video game e acabou ficando muito tarde. Meu celular estava sem bateria...

A expressão de sua mãe suavizou na hora, e ele ignorou o fato de que ela nem se quer se preocupou se ele estava bem.

— Um amigo? Você passou a noite na casa de um amigo? Que maravilha! Isso é bom para você filho! Está aprendendo a ser sociável. Deus sabe que seria horrível se você acabasse como seu tio avô Stanford...

Dipper ignorou o comentário sobre seu tivô. Ele estava acostumado a ignorar muitas coisas que seus pais faziam.

— Olha mãe, acabou que eu não tinha levado roupa nem nada. Então eu acho que vou tomar um banho e... acho que vou dormir um pouco. Nós... nós ficamos até tarde jogando video game e... falando de garotas! É, nos falamos sobre todas as garotas da escola... então eu acho melhor eu... é.

O "Que ótimo querido! Seu pai vai ficar contente!" foi gritado, porque Dipper já estava trancado no quarto.

Mas sua paz durou pouco, porque logo depois Mabel estava batendo na porta do quarto dele, exigindo que ele abrisse. E Mabel era Mabel. Passaria a noite toda ali se precisasse. Então ele decidiu abrir.

— Dipper! Porque não me contou que ia para casa de um amigo? Quem é? Eu conheço? Ah... meu irmãozinho está aprendendo a ser sociável! Daqui a pouco você vai ao baile com a Pacífica e vai ser coroado rei!

Mentir para Mabel era muito mais difícil do que mentir para seus pais. E, se contar a verdade para seus pais era ruim, contar para Mabel seria ainda pior. Primeiro porque ela tentaria tirar satisfações com Chadd e os amigos dele, o que só ia piorar as coisas. E segundo porque ela com certeza ia tentar se aproximar de Bill. E ele achava melhor não.

Então ele usou uma estratégia que sempre funcionava.

O primeiro passo era contar uma mentira e fazer com que ela acreditasse e pedisse mais informações. Feito.

O segundo passo era confessar que era mentira.

Ele suspirou e olhou para a irmã.

— Olha Mabel... eu... não passei a noite na casa de um amigo. — Feito. O terceiro passo era falar a verdade — Ele era minha dupla em química e queria adiantar o trabalho. Só isso.

Ou pelo menos o que você quer que a pessoa pense que é a verdade por traz da mentira.

— Ah... então porque você ficou lá a noite inteira?

— Bem... a parte sobre ter escurecido é verdade. E eu realmente estava sem bateria para avisar vocês... desculpa.

Ela sorriu e disse pra ele não se preocupar. Mas que ia arrastar ele pela orelha de onde quer que ele estivesse se acontecesse de novo. Como oferta de paz ele propôs que eles assistissem um filme. E como ela sempre ganhava as discussões, eles acabaram passando a tarde assintindo a Sandra Bullock terminar com o cara apesar de todas as dificuldades. Ao invés da maratona Marvel que Dipper estava planejando. 

Quando anoiteceu, Mabel foi para uma festa qualquer e seus pais resolveram ir jantar em algum lugar "romântico".
Ele aproveitou para adiantar seus deveres e... ler novas teorias sobre gângsters e mafiosos.

Seus pais achavam que era desperdício de tempo. Mabel achava que era dessa obsessão que vinha a paranoia e a desconfiança que ele tinha.

Eles provavelmente estavam certos.

Mas desde que se entendia por gente Dipper queria ser um gângster.

Quando viu na tv a notícia sobre uma perseguição de carros (ou talvez um grande roubo, ele não se lembrava muito bem) e viu que um deles tinha sido preso, não falou absolutamente nada, e saiu alguns dias depois, Dipper passou a admirar aquelas pessoas.

Fingir ser um deles era sua brincadeira favorita. Na maioria das vezes tinha que brincar sozinho. Mabel quase nunca brincava com ele. Dizia que preferia suas bonecas. Mas a verdade era que ela não entendia por que os mocinhos sempre perdiam quando eles brincavam.  

Não era por mal. Ele não queria os privilégios. Ou o dinheiro. Ou as garotas. Ele nem sabia que eles tinham tudo isso.

Quando ele viu no noticiário que um cara foi preso, e que quando disseram "vamos te soltar se você contar o que sabe." ele ficou calado, e foi solto mesmo assim. Por que ele era um deles. Dipper sabia que queria isso. Queria fazer parte de alguma coisa.

E naquela coisa em especial, as pessoas protegiam umas as outras. Dipper queria algo assim. Desesperadamente.

Mas em Piedmont nada acontecia nunca. Um pequeno roubo aqui. Algum lugar com o seguro caríssimo que de repente pegava fogo...

E então se mudaram para Gravity Falls. Era onde as coisas realmente aconteciam. Quando eles foram se mudar, eles provavelmente tiveram todo o passado investigado e a aprovação de pelo menos quatro famílias. Por isso todos estavam surpresos quando anunciaram alunos novos.

Ninguém simplesmente se mudava para Gravity Falls. A cidade era praticamente a capital nacional do crime organizado.

Seus pais, como a maioria das pessoas comuns, não acreditava que eles tivessem tanto poder assim. Ele queriam acreditar que viviam num país justo e honesto com um governo bom e confiável.

E é claro, seu tivó Stan era dono da "Cabana do Capo". Uma espécie de museu de curiosidades sobre os mafiosos. Era tudo mentira, é claro.

Era só uma armadilha para turistas. E ele também não acreditava que os gângster eram tão poderosos assim.

Mas Dipper sabia. Viver em Gravity Falls fez sua admiração aumentar. Mas se misturou com outro sentimento. Medo.

Mas mesmo assim, não foi o suficiente para despedaçar seu sonho de infância. Talvez até, em algum canto sombrio da mente do garoto, que levava surras praticamente todo dia... talvez esse sonho tenha se fortalecido.

Dipper tinha descoberto a backstory de seu herói.