Tum-Tum-Tum-Tum escrita por Astus Iago


Capítulo 1
Tum-Tum-Tum-Tum




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Joe era o seu irmão mais velho. Só estavam a dormir juntos naquela cama porque simplesmente não tinham dinheiro para outra.

A família era pobre. O pai, desempregado, fora em tempos operário numa fábrica de peças para automóvel. A mãe não existia. Deixara-os quando ainda eram pequenos. O pai ficou destroçado. Completamente. Deixou-se ceder sob o peso da bebida. O álcool tomou-lhe a vida até que, um dia, teve um acidente de trabalho. Um grave acidente de trabalho. Marcou-lhe tanto o futuro, já antes incerto, como o corpo. A parti daí, nunca mais trabalhou. Agora a família sobrevivia de pequenas indemnizações e modestos apoios sociais.

Enfim, estavam ali, os dois naquela cama. Com Joe a seu lado, o rapazinho pequeno tentava adormecer. Eram já três da amanhã e ainda não tinha conseguido fechar os olhos. Sentia-se cansado e irritado em simultâneo. Quando tentava penetrar no mundo dos sonhos, um estranho som acordava-o de rompante. Algo semelhante a um seco rufar de tambores ou mesmo um grande e sonante bongó. O barulho rítmico e próximo não o deixava dormir, tentasse o que tentasse, e isso frustrava-o. De onde vinha o som? Que raio de som era aquele, afinal?

Virou-se. A seu lado, Joe sorria. Seus olhos fixos num ponto indefinido, os dentes brancos à mostra. Joe? Sem resposta. O misterioso tamborilar continuava, prosseguia seu ritmo num anúncio de morte e destruição. "Preparem-se para a batalha" ou algo parecido. Mas não seriam tambores de guerra os responsáveis. Claro que não. Isso seria demasiado simples, demasiado credível e fácil de compreender. A resposta tinha de ser outra, mais complexa e inexplicável.

Aquele olhar morto. O sorriso. O sorriso. O sorriso. O sorriso.

Tum-tum-tum-tum...

Acho que vem de baixo do lençol. Acho que vem...

Ele olhou. Espreitou sob a quente manta que os cobria a ambos. E... e... e...

O seu olho direito foi projetado para trás, para a região da nuca, através do interior da sua cabeça perfurada pelo metálico garfo que o espetara. Pouco sangue fluiu para fora. Uns pequenos salpicos. Todo o órgão visual se misturando no interior do pequeno crânio, misturando-se todo numa banha escarlate-escura de entranhas...

E lá estava ele. Não havia feito nada ainda. Não tinha ainda procurado a origem do som. Não tinha espreitado por baixo da manta, não tinha sido atacado. Foi tudo um sonho? Podia jurar que era real. Aconteceu, não aconteceu? O som. O tamborilar. Ainda se ouvia.

Tum-tum-tum-tum...

Maldito som. Maldito, maldito, maldito. Quero dormir.

De certeza que ele vinha de baixo da manta. Vinha de lá, de certeza. De certeza. Iria espreitar, iria espreitar e iria ver a origem do som, algo natural, algo comum, algo explicável. Iria vê-lo, iria perceber e não ia morrer. Era impossível, era irrealista, era estúpido.

Olhou. Lá estava a origem: a mão de Joe. Seus dedos tamborilavam lentamente no colchão da cama, como que marionetes controladas através de fios invisíveis tecidos na escuridão da noite.

Mas porquê, Joe? O que raio se passa contigo?

Não era ele. Aposto que não era ele.

Quando saiu de baixo do lençol e olhou para ele uma vez mais, seus olhos estavam fixos na sua pessoa. Pupilas dilatadas. Ajuda-me. Não sou eu. Ajuda-me. O maxilar libertou-se dos seus limites naturais, distendeu-se. Mandíbulas elásticas esticaram como que se de uma anaconda se tratasse aquele jovem ser humano. Uma enorme boca. O interior via-se. O interior do esófago, os ácidos do estômago e os vasos sanguíneos salientes nas paredes do órgão. Tudo. E agora vê-lo-ia mais de perto, quando aquela boca o engoliu inteiro para mastigar depois.

Não aconteceu. Também não aconteceu? Será que aconteceu?

O tamborilar. O tamborilar continuava.

Tum-tum-tum-tum...

Não. Não ia espreitar por baixo da manta. Joe continuaria a sorrir como o cadáver demoníaco que possivelmente era, quem sabe. O barulho continuaria a anunciar as trevas. Podia não conseguir dormir mas em breve seria dia. Em breve já não precisaria de dormir. Não mais. Nunca mais.

O som continuava. Talvez nunca mais parasse. Aquele impossível e rítmico "tum-tum-tum-tum".

Virou-se novamente para o outro lado o pobre rapaz. Já não queria saber. Mas, por favor... que o som pare. Por favor, pára.

Mas o som só começaria a aumentar de intensidade, como se o mal estivesse cada vez mais próximo.

tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum

 


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