Sempre ela caçoava os alunos que se atrasavam, já que o principal motivo era o fato deles terem adentrado o corredor errado e irem parar no fim do mundo que era a área onde os alunos tinham acesso a lanchonete, mas dessa vez, Thalia tinha certeza que sua orelha esquerda estava queimando por motivos óbvios: agora era a vez dos alunos caçoarem dela, visto que estava atrasada para a aula.

— Você está mais do que atrasada!

A professora freou o máximo possível para não acabar trombando na diretora a sua frente, ela tinha o olhar sério, e seus óculos apoiados na ponta do nariz dava um ar mais intimidante, mesmo sabendo que por baixo de toda essa carranca de repreensão, ela era uma fofa.

— Eu sinto muito, foi o Di Ângelo. – Apressou em falar, apontando para o corredor de onde viera, mesmo sabendo que ele não estaria presente ali. – Ele me atrasou.

E como uma palavra mudasse todo o ar em sua volta, pode compreender o sorriso que Emelysse deixou crescer em seus lábios, tendo o suave toque da malicia, fazendo a Grace arregalar os olhos e fazer uma careta de nojo, mesmo que suas bochechas denunciassem que isso a deixou constrangida o suficiente.

— Não! Pelos céus, Lysse! Não foi desse jeito que está a pensar...- fez uma pausa rápida para olhar em volta, logo mirando os olhos castanhos da diretora. – Ele quase me fez atropelar ele no estacionamento.

— Quase? Você me atropelou! – Uma voz transbordando sotaque italiano ressoou no final do corredor, fazendo-a conter a risada dentro de sua garganta e dar um sorrisinho de canto para a coordenadora, coçando a nuca como uma criança que fora descoberta fazendo arte.  

— Isso é calúnia, se eu tivesse te atropelado, nem andando você estaria. – Rebateu sem olhar para trás, sabendo que Nico estava se aproximando dela o mais rápido que seus tênis poderiam denunciar por seu andar pesado.

— E quem te garante que não estou voando?

— Eu garanto. – Lysse cortou a discussão breve que viraria se não se intrometesse, apontando para Thalia e logo após para o corredor. – Vá, irei checar se está tudo bem com o professor Di Ângelo e voltar para meus afazeres.

A morena assentiu arrumando os cabelos e saindo o mais apressado que seus saltos negros permitiam, encontrando sua sala em um estranho silêncio, adentrando o local começando a explicar a causa de seu atraso.

Depois de dar a equação que os alunos teriam que resolver e analisar, se sentou em sua mesa e começou a separar as provas que teria que corrigir mais tarde.

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Assim que seus pés passaram pelo arco da porta da frente de sua casa, permitiu-se suspirar de alivio ao retirar os saltos ali mesmo, engatando-os na alça da bolsa e pisando apenas nas pedras que flutuavam sob a piscina com cuidado, caso sua perna fraquejasse e ela acabasse por tomar um banho mais cedo do que planejava fazer.

Subiu as escadas em direção ao andar de cima da casa, disposta a se jogar na cama e ficar por um bom tempo, mas sua mente clareou ao lembra-la que tinha exames a corrigir, pois os alunos iriam exigir suas notas na manhã seguinte, o que a fez resmungar e abrir a porta de vidro, entrando em seu quarto e colocando sua bolsa em cima da escrivaninha, vendo seus saltos caírem no chão, porém pouco ligava, apenas se jogou na cama com os braços abertos e bocejou de cansaço.

Suas pálpebras a traíram, fechando-se pelo que julgou ser alguns minutos, porém acordou com uma batida insistente na porta, concluindo que havia dormido de repente, pegando seu celular para confirmar: sete e meia da noite.

— Já vou, já vou.

Assim que abriu a porta, sua cintura foi rapidamente rodeada por braços pequenos e fofos, fazendo-a sorrir e coçar os olhos antes de dar atenção completa a pequena Amélia.

— Tia Thalia, eu estava com saudades de você! – Exclamou esbaforida, fazendo a referida dar uma risada contagiante e retribuir o abraço de sua sobrinha, apertando-a contra seu corpo e se curvando de leve, depositando um beijo em seus cabelos.

— Eu também estava com saudades, Mel! – Respondeu, por mais que quisesse lembrar a pequenina que tinham se visto assim que saiu para trabalhar, visto que Jason acordava a filha todo dia cedo para assistir desenhos.

Um pigarreio chamou a atenção da Grace, que levantou os olhos azuis elétricos para o arco da porta novamente, onde teve o desgosto de ver a pessoa que quase atropelou ali, escorada e observando a cena com tédio.

— O que você está fazendo aqui?

— Bom te ver também, Thalia. – Nico rebateu e rolou os olhos. – Se esqueceu que moro na casa da frente e que sou o melhor amigo do seu irmão?

— Sim, sua existência é tão insignificante que eu esqueço.

— Vocês não eram amiguinhos? – Amélia chamou atenção para si, fazendo um bico fofo, fazendo a professora se conter para não apertar a pequenina, visto que ela usava duas tranças em seu cabelo claro, uma de cada lado de sua cabeça, dando um ar fofo e angelical, junto com seus olhos multicoloridos iguais aos da mãe.

— Ah...- começou e olhou de soslaio para o garoto, que tinha um sorriso convencido no rosto. – Está com fome? Eu soube que tem sorvete aí!

E em um piscar de olhos a pequenina estava passando pelo arco da porta arrastando a Grace consigo, que fez questão de bater o ombro contra o Di Ângelo ao passar por ele, dando um sorrisinho vitorioso ao se virar de leve e vê-lo com uma careta enraivecida.

— Amélia McLean Grace, cadê...- Jason, o pai da pequena, estava a sua procura no andar debaixo, sabendo que a sobremesa dela iria derreter se demorasse mais um minuto la em cima, começando a ponderar que Nico poderia ter roubado ela novamente dele, coisa que o deixava furioso.

— Não me chame pelo nome inteiro! – Repreendeu ela assim que pulou o último degrau da escada de dentro da casa, soltando a mão da tia e correndo em direção a ele, se jogando em seus braços e sendo erguida no mesmo instante, para logo estar no colo.

— Porque? É tão bonito! – Thalia argumentou, tirando a jaqueta de couro que ainda usava e colocando-a sobre a arara, para logo cruzar os braços embaixo dos seios e observar a pequena rolar os olhos, coisa que a própria fazia sempre.

— Tia Thalia, você é muito ingênua! Quando os papais chamam as filhas pelo nome inteiro é porque estão bravos!

Piper, a mãe de Amélia, caminhou até a sala no mesmo momento que a filha terminou de proferir a frase, dando uma risada alta e contagiando todos a seguirem seu gesto.

— Um: Mel, zero: Thalia. – Nico caçoou descendo as escadas com um sorriso debochado, passando por Jason e indo para a cozinha, onde seu sorvete o esperava.

 A morena revirou os olhos e pôs-se a andar, pegando uma taça e enchendo de sorvete, se sentando em uma das cadeiras do balcão e procurando ignorar totalmente o fato de ter que compartilhar o mesmo ar com o Di Ângelo, coisa que ela se importava, e muito.

— Amanhã vai passar o que? – Amélia questionou ao seu pai, tendo a boca cheia de sorvete, saindo grunhidos desconexos que fez Thalia quase engasgar com seu sorvete, colocando a mão na frente da boca e engolindo antes de dar risada.

— Céus! Amélia não fale de boca cheia! – Piper repreendeu, negando em reprovação, mas lá no fundo achando a cena um tanto fofa, já que seu rostinho estava sujo do creme branco.

— Desculpa. – Murmurou fazendo um bico e olhando para a tia com uma única sobrancelha arqueada, fazendo a Grace já se preparar para alguma objeção que ela iria fazer ou acusar. – Você não está perto do tio Nico, porque? Vocês são amiguinhos, amiguinhos ficam perto um do outro na hora do lanchinho.

— O tio Nico está doente. – Thalia arranjou uma desculpa qualquer, torcendo para que a pequenina engolisse, visto que não queria ficar perto do moreno de modo algum.

— Não está não, passei a tarde quase toda com ele, posso garantir que não está. – Rebateu com um sorriso travesso nos lábios, fazendo o Di Ângelo suspirar e puxar sua cadeira para mais perto da morena, sabendo que Amélia não iria os deixar em paz se não o fizesse, tentando mesmo assim ficar longe do corpo dela.

 - Aí filha, eu te venero. – Jason murmurou com um sorriso, mesmo negando em reprovação, tendo certeza que a filha ainda iria juntar esses dois que tanto alegavam sentir repulsa um do outro.

— O que? Estou fazendo errado? – Questionou com os olhinhos arregalados, fazendo o pai sorrir mais ainda.

— Não, não! Está fazendo certíssimo. – O loiro deu risada internamente ao ver sua irmã o fuzilar com todas as forças possíveis, sabendo que, se ela tivesse visão a laser, ele não existiria mais.

Amélia sorriu satisfeita e voltou a atenção para seu sorvete, começando a prestar atenção no assunto que sua mãe havia puxado.

Assim que a refeição se deu por finalizada, Thalia se apressou em subir para seu quarto e pegar os exames dos alunos para corrigir, prendendo o cabelo longo em um rabo de cavalo alto e pegando sua caneta, voltando para o andar debaixo e se sentando no chão, de frente para a tão costumeira mesinha de centro da sala, onde já tinha simpatizado para corrigir as coisas.

— O que está fazendo? – Jason a questionou, sentando-se no sofá e observando a irmã sugestivamente. – Corrigindo provas?

— Na mosca. – Sorriu de volta, suspirando e virando a primeira prova para si.

— Porque você insiste em corrigir aqui? Não era mais fácil ficar em um lugar quieto?

— Aqui é melhor, me sinto mais confortável sendo rodeada por vocês, sinto-me menos excluída. – A Grace deu risada ao ser atingida por um tapa no ombro, se encolhendo de leve e mostrando a língua para o loiro.

— Não faça isso, Amélia pode ver!

— Como se ela não soubesse o que é uma língua, não é mesmo, Jay?

Ele não respondeu, apenas deu risada e encostou no sofá, ligando a televisão a procura do filme que a filha estava enchendo o saco para que todos assistissem com ela.

— Já achou o filme, papai? – A pequenina questionou vindo saltitante para a sala, sorrindo ao ver sua próxima vítima, não hesitando em pular nas costas de sua tia, a fazendo ir para frente com tudo.

— E la se foi um nariz. – Jason comentou ao mirar a cena, dando uma risadinha interna.

— Mel! – Thalia repreendeu segurando os braços da pequena que estavam rodeando seu pescoço, quase a enforcando.

— Tia Thalia! – Ela respondeu com um sorrisinho. – Fiquei feliz que você vai acompanhar a gente no filme.

— Acompanhar eu vou, mas talvez não assista. Estou corrigindo as provas que eu havia esquecido.

— Que péssimo exemplo de professora. – Nico entrou na sala, negando em reprovação e sorrindo de canto ao ver que tinha obtido sucesso em provoca-la.

— Pelo menos eu não demoro duas semanas para entregar minhas provas, seu preguiçoso! – Retrucou encarando-o, finalmente sendo libertada do aperto de Amélia, que saltou no sofá atrás dela e se acomodou.

— E quem disse que eu demoro duas semanas? Está me vigiando, Grace?

— Quem cuida de lixo é lixeiro, eu sou professora. 

— Vamos acalmar os nervos vocês dois? Estamos em um clima de família, não quero saber de discussões enquanto o filme estiver rolando! – Piper se sentou ao lado do Jason, empurrando Nico de leve quando passou por ele, reprovando totalmente o bate-boca que estava tendo.

Thalia voltou a corrigir suas coisas, tentando focar sua mente que quem estava chutando a base de suas costas durante o filme todo era Amélia, não o Di Ângelo, que por um acaso, estava sentado atrás de si também.