Entre notas e acordes. escrita por Dessy Anne


Capítulo 3
Solitários devem se unir.


Notas iniciais do capítulo

Demorou mais chegou o primeiro capitulo dessa historia que é meu amorzinho.

Os capítulos vão sair sempre aos sábados ou domingos.

Visitem o tumblr da historia e meu blog que vai rolar uns conteúdos legais por lá.

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04/03/2015-Quarta-Feira  

Acho que na vida de todo mundo existe um momento crucial onde você tem a obrigação de achar sua voz. Não falo só de expressar sua opinião sobre os assuntos polêmicos do momento, mas sobre saber quem você realmente é. 'O que você quer ser quando crescer Amanda?' Perdi a conta de quantas vezes ouvi essa pergunta. Eu nunca consegui responder com sinceridade, por isso usava da fantasia. 'Vou querer ser uma fada.' Todos riam e falavam aos meus pais que eu era uma criança bem diferente em um tom de critica velada. Meus pais riam mais e diziam que isso que eles adoravam em mim, eu nunca tentei me encaixar em nada.

 Mas agora com quatorze anos, quase completando quinze eu ainda não sei responder com exatidão essa pergunta e embora meus pais acham normal eu me sinto perdida sem saber quem eu realmente sou. E isso realmente me preocupa, ainda mais enquanto estou caminhando em direção a outro dia de aulas. 

E naquela quarta-feira fazia exatos dois anos da minha chegada naquele novo ambiente. 

2 anos antes

04/03/2013-Segunda-Feira

O céu era naquela gloriosa manhã do mais claro azul, mas para eu que subia a rua apressada não passava de um dia tempestuoso. Estava rodeada de incertezas naquele primeiro dia de aula e isso me deixava terrivelmente nervosa. Os portões da escola já estavam abertos e muito alunos entravam, outros tantos comemoravam à volta as aulas e reencontravam seus amigos. O Instituto de Artes de Monte Carmo era localizado em um prédio de uma antiga igreja de arquitetura gótica. Apenas adolescentes com talento - ou bastante dinheiro- conseguiam uma vaga para fazer o ensino fundamental e médio integrado ao curso de artes. Os cursos eram de música, dança, teatro e cinema. Eu estava matriculada no curso de música, graças a um vídeo gravado por meu pai sem minha autorização. Mas eu não podia reclamar, era uma escola incrível, pelo menos era o que tinha lido na internet.

Estava atrasada em cinco minutos. Odiava me atrasar, mas sempre me atrasava. A contradição em forma de gente. Quando ia atravessar os grandes portões da escola meu corpo foi de encontro a outro corpo e as duas caíram no chão dolorosamente. A garota morena na minha frente não me olhou com as melhores das expressões.

─ Sabe olhar por onde anda? Pois sugiro que faça isso se não quiser acabar sem esse seu cabelo horroroso.─ Quem ele pensava que era? A rainha das trouxas, imaginei.

─ Foi mal, mas se você não fosse tão espaçosa nada disso teria acontecido. – Falei enquanto me levantava.

─ Quem você pensa que é novata? ─ Nem a respondi, já estava muito atrasada para o meu encontro com a diretora para dar assunto a uma pessoa tão ignorante. Mas quando lhe dei as costas e caminhei em direção ao prédio senti meu cabelo sendo puxado com força para trás, era como se fosse ser arrancado pela raiz.─ Estou falando com você! Quem você pensa que é?

Respirei fundo e tentei tirar meu cabelo das mãos da maluca, mas naquele momento já estávamos rodeadas de curiosos. Como vi que não daria para resolver o impasse com calma, resolvi que naquele momento não faria mal me rebaixar ao nível dela por isso comecei a gritar como nunca.

─ Sua louca me solta! Está arrancando todo meu cabelo! Socorro!!! ─ Ela se assustou com minha reação e isso me trouxe a liberdade. ─ Maluca! ─ Gritei mais uma vez antes de sair correndo para a segurança do prédio da escola. Meu couro cabelo doía muito e eu apenas fui andando sem nem ao menos saber onde era a sala 1009 que era meu destino.

─ Ei você.─ A voz masculina no corredor vazio me fez parar e olhar para trás. Um garoto com um cigarro na boca e um expressão de 'nem ligo para você' se aproximou. ─ Devia ter dado uns tapas na Michella, ás vezes ela é tão irritante. ─ Pensei em perguntar quem diabos era Michella, mas meu cérebro conseguiu fazer a conexão antes da minha boca falar.

─ Não é do meu feitio bater em quem não conheço. ─ Lhe dei um cumprimento com a cabeça e voltei a andar, fingindo que sabia onde devia ir.

─ Não querendo ser chato, mas já sendo. Se está procurando a sala 1009 deveria ir para o outro lado, subir a escada e virar a direita, é a última porta do corredor. Ou poderia me ajudar a cumprir minha função e me seguir até a secretaria para buscar seus horários.─ Fiquei obviamente vermelha e voltei a olhar para o menino que soltava a fumaça do cigarro para cima.

─ Sua função?─ Me aproximei dele e fui recebida por um jato de fumaça no rosto que me fez tossir.

─ Foi mal. Mas sim minha função como representante é guiar os novatos.

─ Quem te elegeu representante?

─ Está perguntando por causa disso?─ Ele ergueu o bastão branco já pela metade. Deu um risada lateral e voltou o cigarro para a boca.─ Você vai descobrir com o tempo que a IAMC é bem mais liberal do que parece e sobre minha eleição, eu era o único candidato.

Resolvi nem perguntar sobre e apenas o deixei me guiar até a secretaria. No caminho descobri que o garoto era um tanto mais tagarela do que aparentava. Seu nome era Lancelote, mas ele pediu 'pelo amor de Odin' que eu nunca o chamasse daquele nome e sim de Lanc. A garota chamada Michella era a atriz principal do grupo de teatro e uma barraqueira profissional, fui aconselhada a me manter longe dela. Quando ele me perguntou qual meu curso e eu respondi timidamente música ele quase pulou em mim e disse que era seu curso também. Acho que se meu curso fosse outro ele teria me deixado na porta da secretária e ido embora, mas não foi bem assim. Lanc ficou comigo, tagarelando o tempo todo, enquanto eu pegava meu horário. Quando descobrimos que todos, vejam bem: TODOS, meus horários batiam com o dele ele simplesmente se elegeu o parceiro da Mandy. Ninguém na minha família me chamava de Mandy, ou era Amanda, ou Mandinha -Ok, só meu pai me chama assim- mas nunca Mandy.

—x-

─ Eu gosto muito de música eletrônica e indie rock e você Mandy? ─ Já era a hora do almoço, todas as aulas da manhã haviam sido de matérias convencionais. Apenas a tarde teríamos as aulas de música e era por elas que eu estava esperando mais.

─ Gosto de música indie basicamente.

─ É das minhas então.

Durante toda aquela manhã, Lanc tinha cumprimentado 90% da escola, mas em nenhum momento disse 'aqueles são meus amigos', 'minha galera' ou algo do tipo.

─ Onde estão seus amigos? ─ Ele bebia seu refrigerante e quase engasgou com a pergunta.

─ Quem amigos?

─ Não sei, você não tem amigos.

─ Você é minha amiga. ─ Ele parecia incomodado com o assunto e como devem imaginar isso atiça ainda mais a curiosidade de qualquer um.

─ Olha, não que eu não queira ser sua amiga, mas queria saber dos seus amigos de antes de hoje.

─ Eu não tenho outros amigos ok? ─ Ele simplesmente se levantou parecendo estar bem chateado e eu entendia bem o motivo. Ele era um solitário como eu. Eu o vi ir até o caixa e depois sair, resolvi que deveria ir atras dele, afinal ele me poupou o desgosto de ficar sozinha o dia todo.

─ Quanto é o meu?

─ Seu amigo já pagou. ─ Senti um pontada a mais de culpa quando ela disse aquilo. Quando sai da lanchonete consegui ver ele virar o corredor já coberto por uma fumaça fedorenta, queria entender como aquele lugar deixava um garoto de quatorze anos fumar livremente assim. Quando virei o corredor notei que era um corredor que dava a uma das varandas e segui correndo para lá. Lanc estava sentado olhando para a visão estupenda da cidade de Monte Carmo.

─ Lanc. ─ Ele respondeu apenas com um 'hum', me sentei ao seu lado e fiquei olhado a cidade, era incrível dali de cima.

─ Parece tão mais maravilhosa do que realmente é. Essa cidade é uma droga.

─ Me desculpa, não quis te deixar chateado.

─ Você não me chateai Mandy. Esse lugar sim.

─ Olha, não vou mais te encher com isso, só quero entender. Você é bem popular, como pode não ter amigos? ─Ele respirou fundo e arrumou o boné vermelho que ficava com a aba para trás na cabeça.

─ O motivo de eu não ter amigos é o mesmo que me faz ser popular.

─ E esse motivo seria? ─ Ele ficou de pé no banco de cimento frio que estávamos sentados, se virou pra mim e abriu os braços. 

 ─ Tá vendo essa porra toda? ─ Ele se referia a cidade. Colocou o cigarro na boca, tragou e soltou a fumaça logo em seguida para cima. ─Isso tudo, essa cidade cheia de mentes e corpos vazios, tudo isso é meu. E é por isso que não tenho amigos. 

04/03/2015-Quarta-Feira    

A dois anos Lanc tinha me contado toda historia de poder e abandono de Nikolai Carter. Como afastou a mãe do filho e o isolou para viver trabalhando e dominando não só Monte Carmo mas como muitos lugares pelo mundo. O senhor Carter era do tipo de empresario que não se contenta com um só nicho de atuação, então ele passeia por vários mercados e normalmente tem sucesso em todos. A unica exceção é o mercado de tecnologia como apps e game que ele ainda não era um nome reconhecido. 

E talvez por isso tudo não fiquei chocada quando encontrei o meu amigo na nossa varanda, a mesma em que ele me contou tudo, com um macho de cigarros quase no fim e com os olhos cheios d'água depois de um telefonema do pai. No primeiro momento achei que Nikolai tinha cortado todas as regalias dele, mas recebi uma negativa em resposta. Achei que ele voltaria a morar em Monte Carmo, coisa que deixava Lanc louco, ele não gostava de imaginar ter que ver a cara do pai todo dia. Mas não era isso também. Por fim só perguntei o que era. 

  ─ Minha irmã vai vir morar comigo. ─ Ele falou depois de ascender o último cigarro da caixa. 

─ Mas você não é filho único? 

─ Era o que eu achava, mas aparentemente meu pai tem uma filha na Inglaterra e é casado também. ─ Ficamos olhando para o horizonte, dava pra ver a nova torre da igreja central pintada de verde claro. O céu era claro e sem nenhuma nuvem, mas um vento leve ajudava a balancear o calor do sol. 

─ Quando ela vem? ─ Eu não sabia se ele estava feliz ou triste em ter uma irmã, mas tentei amenizar afinal a menina não tinha culpa de nada. 

─ Amanhã. Você me ajuda?─ Na hora meus olhos se arregalara, pronto ele ia receber a irmã com vários ovos e farinha e queria a minha ajuda.

─ Você sabe que ela não tem culpa do seu pai ser um merda né?─ Ele me olhou como se eu fosse verde.

─ Eu sei, inclusive ela tá fugindo dele e da louca da mãe dela depois de  recusar fazer os caprichos dela e queria me conhecer já que sempre quis mesmo. Quero fazer uma festa pra ela.─ Respirei aliviada com a resposta. 

  ─ Claro que ajudo. ─ Eu não conhecia quase ninguém, mas a lista de contatos do Lanc era gigante e ele adorava festas, ou seja, a pequena Carter teria um festão de boas vindas.   

2 anos antes

04/03/2013-Segunda-Feira

   ─ As pessoas só se aproximam de mim por meu pai ser quem ele é. Quando quero ficar com alguma menina isso é bom já que não preciso me esforçar muito, mas para amigos isso é péssimo. ─ Ele falou depois de contar tudo sobre o pai dele e eu agradeci internamente por ter o meu pai maluquinho mas super amoroso. 

─ Meu pai está com uns games para testar lá em casa. Quer? ─ Ele me olhou e notei seu olhos um pouco marejados. ─ Lanc, não chora. Por favor. ─  Segurei a mão dele e sorri. ─  Eu vou ser sua amiga, afinal os solitários devem se unir não é mesmo? 

─ É. ─ Ele sorriu de leve e se levantou estendendo a mão eu me levantar também. ─ Você tem que jurar ser minha amiga para sempre. 

─ Sério isso? ─ No mesmo momento me lembrei da minha antiga cidade, onde deixei alguém pra quem já tinha jurado não abandonar. 

─ Sério. ─ Ele deu um sorriso travesso enquanto estendia o mindinho direito para mim. Eu enlacei o meu ao dele. Não queria que ele voltasse a ficar mal. 

─ Eu juro ser sua amiga para sempre Lanc. 

─ Eu juro ser seu amigo para sempre Mandy. ─ Ficamos olhando um para o outro fixamente, nesse momentos nos filmes de romance é quando o casal de amigos se percebem apaixonados, mas no nosso caso os dois caíram na risada. Rimos tanto que quando conseguimos recuperar o folego estávamos deitados no chão com a barriga doendo.   ─ Que game seu pai tem?

   ─ A uns que ele e a equipe dele estão desenvolvendo para um americano.    ─ Falei enquanto limpava minha roupa que se sujou enquanto eu rolava no chão de rir. 

   ─ Seu pai é programador de games? ─ Ele me olhou espantado.

─ Na verdade hoje em dia ele só coordena uma equipe aqui em Monte Carmo que é uma filial de uma marca americana. Por isso nos mudamos.

─ Então são jogos em primeira mão?

─ Sim, eu sou tipo o controle de qualidade do meu pai.  

   ─ Eu acho que eu tenho muito mais motivos para ser seu amigo do que você minha amiga. 

 

 

—x-

 


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Notas finais do capítulo

Nos primeiros capítulos a narração vai variar de momentos de 2013 e momentos de 2015, achei melhor assim para ter a dinâmica de mostrar a relação da Mandy com os personagens atualmente e flashbacks de como essa relação começou.



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