Um conto qualquer escrita por Dobereiner


Capítulo 1
Era uma vez...


Notas iniciais do capítulo

Apenas uma reflexão para os assíduos leitores!



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            Existiu um tempo que abreviava-se apenas na escuridão e no silêncio; onde, deleitando-se do seu mais alto grau de perfeição, projetava-se o espaço. Não existiam os ciclos, tão pouco, eras! O todo resumia-se numa abstração incompreensível e infinda do intermúndio. Nada crescia ou vingava; era um lugar mortificado, vasto e eterno.  

                Tempo e espaço harmonizavam-se, entrelaçados, como um véu invisível; e diante daquela vastidão infrutífera, incrustada em uma complexidade perene e desconhecida, formou-se uma luz misteriosa que tinha ânsia por conhecimento.

            A pequena luz ascendeu-se sem pressa no meão caliginoso que a rodeava. Seu nascimento fora forjado com zelo pelo nada e tecido pelas mãos incorpóreas do caos. Assim que atingiu o ápice da perfeição, a luz desprendeu-se do seu estado inato de inconsciência e começou a moldar-se através das milhares de indagações.

             - “Vinde luz da escuridão, vinde das trevas, vindes da imperfeição, para tornar-se perfeita!”— ecoou ao longe esta razoável historieta.

            E a luz recém-nascida, confusa e sozinha, começou a vaguear interminavelmente pelo espaço vazio em busca de compreensão. E nada encontrou, a não ser a si própria. Tudo parecia-lhe vazio, tolhido e melancólico;  logo, fazendo a pequena luz considerar sua existência como um castigo.

             - Não há nada aqui – pensou – apenas o tempo e o espaço que permitem-me existir! Mas qual a razão, se tudo é apenas um vazio extenso e sem sentido? De que adianta-me a existência?enfureceu-se, após deixar-se cair para outra direção.

            Novamente, a luz que preenchia um diminuto espaço, volitava eternamente para o horizonte num estado crescente de angustia e solidão. Raciocinava que era apenas um Ser que não sabia para onde ia, não sabia o que lhe acontecia, existindo a mercê da inimaginável maldade do estranho. O todo parecia-lhe inteiramente oculto, indecifrável, substancial. Há nada pertencia, nada fazia-se, nenhuma compreensão alcançava!

            O pequeno ponto de luz começou a achar-se lânguido demais para ascender à razão.

             - Nada posso fazer para mudar os limites que me foram impostos – entristeceu-se – mas quero descobrir de onde vim, o que faço aqui, e para onde vou! Não há outro caminho a seguir que não seja este, mesmo que custe-me outra eternidade de consternação.

            Após adquirir uma fatia de ânimo, o ponto de luz sentiu a necessidade de replicar-se em milhares de outros, os quais eram exatamente iguais ao seu primeiro estado reluzente de plenitude.

            Haviam demasiados pontos de luz que preenchiam o vazio, e, conseqüentemente, as perguntas multiplicaram-se desordenadamente. Para cada pergunta respondida, de instantâneo, outra era feita para confrontar a primeira; quando conseguia-se responder outras, mais uma porção de perguntas dispunham-se, em uma progressão tão crescente e infinita quanto a vastidão do firmamento desconhecido.

             - Que diabos! – num coro, todas as réplicas disseram juntas – Será que nunca existirá uma verdade absoluta que me seja suficiente para responder três simples perguntas?

            A partir daí, o coro desfez-se e dissolveu pelo vazio; cada um deles trilharam direções diferentes, em busca de uma veracidade única.

             - De onde vim, quem sou, para onde vou?

            E de novo...

             - De onde vim, quem sou, para onde vou? – repetiu-se.

            Após outra eternidade, os pontos já atordoados, insistiram...

             - De onde vim, quem sou, para onde vou?

            E as vozes tremulantes perdiam-se pelo escuro. Todo aquele vazio fazia-se complexo demais! Quanta ironia existia em um nada absoluto. Nenhuma réplica conseguia alcançar uma resposta digna que descortinasse os mistérios daquele sítio.

            Todas elas com suas questões e preocupações que julgavam importantes, seguiram caminhos distintos, e experimentaram, mesmo no vazio, a sensação de serem diferentes.

            Quando uma e outra luz se cruzavam, era por uma única vez. Tornava-se mestre ou inimigo, respectivamente, por concordância ou divergência de pensamento.

            Outro terço do eterno passou-se sem perceber, e os pontos de luzes que atingiam o mesmo patamar de concordância uniram-se para buscarem as mesmas respostas, pela mesma trilha imposta, seguindo o modelo intrínseco das suas próprias questões.

            No entanto, ao tempo que se passava, as divergências tornavam-se mais significativas do que as questões. E as réplicas reluzentes, alimentavam o ódio crescente, que estendia-se rapidamente por toda a imensidão.

            Colidindo-se até esgotarem-se aos últimos resquícios de luz; réplica por réplica, defendendo uma trilha idealista, regada pelo ódio e a discordância, guardaram suas crenças em uma redoma, e, em dois terços de eternidade, extinguiram-se em prol do que acreditavam...

            ... numa guerra terrível que durou até não restar mais luz no meio do negrume.

            E assim, passou a existir um tempo que abreviava-se apenas na escuridão e no silêncio; onde, deleitando-se do seu mais alto grau de perfeição, projetava-se o espaço. Não existiam os ciclos, tão pouco, eras! O todo resumia-se numa abstração incompreensível e infinda do intermúndio. Nada crescia ou vingava; era um lugar mortificado, vasto e eterno...       


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