Após acabar de limpar sua casa e arrumar suas coisas, Mark sentou-se na cama, que ficava ao lado de um pequeno criado-mudo, e ficou pensando. O pequeno sentimento de esperança que há um minuto lhe encheu de uma nova energia, agora se desvanecera por completo. Estranhamente, o que o sr. Austin havia lhe falado ficou gravado em sua mente.

“Isso é uma coisa que nunca farei de novo, Mark. Não quero ficar sabendo do futuro de meus alunos. Isso nunca é bom. Na última vez que fiz isso...”

“O que ele queria dizer com Na ultima vez?” Perguntou-se Mark. Não pôde deixar de pensar na antiga lenda que alguns garotos mais velhos haviam contado.

Há alguns anos, um garoto da Terra dos deuses que também não tinha um guardião e que também era ridicularizado, havia fugido. Ele prometera que um dia voltaria para exterminar e destruir toda a Terra dos deuses.

Mark sorriu e balançou a cabeça. Como se aquilo pudesse ser verdade. Apesar de se identificar com o garoto da lenda, Mark não queria ser igual a ele e passar a destruir tudo.

Ora, é só uma lenda, pensou Mark. Com certeza criaram essa historia para tentar me tranquilizar quanto ao fato de eu não ter um deus.

Se bem que a parte de exterminar e destruir toda a Terra dos deuses não era muito tranquilizador.

— Oi!

Mark deu um pequeno pulo, assustado. Olhou em direção a porta e viu uma garota baixinha, com os cabelos lisos e castanhos, olhos verdes. Ela segurava uma prancheta e uma caneta na outra mão.

— Hã... oi? — respondeu Mark. Raramente alguém vinha falar com ele em sua própria casa. — O que houve?

— Estou aqui para fazer o relatório do avanço e progresso de seus poderes. — explicou a garota. Ela colocou a ponta da caneta na prancheta, como se fosse começar a escrever.

Silêncio.

A garota olhou para Mark, franzindo a testa.

Silêncio.

Mark olhou para a garota, levantando a sobrancelha.

Silêncio.

— O que está esperando para falar? — exclamou ela, impaciente.

— O que você está esperando! — devolveu Mark, levantando-se da cama. — Se está fazendo isso para me lembrar de que não tenho um deus comigo, obrigado! Mas não preciso de ajuda!

O rosto da garota se contorceu de confusão.

— O quê? Do que está falando? Eu estou aqui por que... — ela olhou para Mark mais atentamente, como se só agora o tivesse reconhecido. — Ah... puxa! Me desculpe. Eu não... não lembrei que...

— Não lembrou que eu sou o único da Terra dos Deuses que não tem um guardião? — interrompeu Mark.

Uma pausa.

— Sinto muito. — falou a garota. Ela apontou a caneta para ele. — Mark, não é?  

— Sim. — disse Mark.

— Desculpe-me. Se eu tivesse me lembrado, não teria passado por aqui. Ah, e a propósito... meu nome é Mayra.

— É eu sei. Já a conheço de vista. Tem como guardião o deus da Natureza?

— Sim. — afirmou. Ela olhou para trás e respirou fundo. — Bom, então vou indo. Mais uma vez, desculpas.

— Tudo bem. — Mark queria sair daquela casa e encontrar com Trinity. — Também já vou indo.

À tarde, Mark foi até a casa de Trinity e chamou por ela, mas não obteve nenhuma resposta. Por sorte, Graham ia passando ao lado da casa, e Mark perguntou por Trinity.

— Ela está na Arena. — falou o garoto. — Está praticando Arco e Flecha.

— De novo? — indagou Mark. Ele não via tanta importância em arco e flecha, mas Trinity parecia amar.

Graham sorriu.

— Cara, você devia aprender a lutar com alguma arma também. Eu sei que é chato você não ter um deus com você, e sei que é muito chato quando os outros o ficam chamando de “Sem-deus”. Mas se você aprendesse a lutar com armas, talvez eles o respeitassem mais.

Mark suspirou, a cabeça começando a latejar.

— Certo, certo! Vou tentar. Aliás, você vai participar da Disputa de Guardiões esta noite? Colocou seu nome na lista?

O sorriso de Graham ficou ainda mais largo. Ele parecia eufórico. Mark sabia o porquê. De todas as lutas, as mais engraçadas eram as que envolviam Graham.

— Claro que vou! Sempre coloco meu nome. Já estou preparando umas coisinhas para serem usadas hoje à noite. E... — ele hesitou, olhando para o lado.

— E? — insistiu Mark

— Hã... nada não. — disse Graham, como se isso fosse dar fim a conversa.

— Você está escondendo algo. — concluiu Mark. — Isso é óbvio. Fale!

— Okay, mas não fique bravo comigo.

— Por que eu ficaria?

Graham apertou as mãos.

— Eu coloquei seu nome na lista. — revelou.

Mark deu uma risada, sem acreditar.

— Como é? — ele coçou o ouvido como se não tivesse escutado direito. — Me diz que eu não ouvi isso. Você não está falando da lista da...

— Sim.

— Disputa de Guardiões?

— Cara, desculpa! — disse Graham. — Mas eu fiz isso para mostrar para os outros que você não é um idiota sem-deus que eles acham que é.

Mark fechou as mãos com força e tentou se controlar para não separar o pescoço da cabeça do garoto.

— Você enlouqueceu? Me colocar para a Disputa de Guardiões sem eu ter um guardião? O que você acha que vai acontecer? Que vou entrar e derrotar todos os oponentes depois sair de lá feliz e saltitante? Eu já fui uma vez para essa disputa, e foi a pior decisão da minha vida! Você viu. Quase morri e todo mundo riu de mim. Agora você está me dizendo que me colocou de novo?

Graham estava com os olhos fitos em Mark o tempo todo. A expressão era um misto de surpresa e mágoa.

Ele baixou o olhar.

— Só queria mostrar para os outros que você não é quem eles pensam que são.

As emoções de Mark estavam um caos. Em parte estava irritado por Graham ter feito isso sem pedir. Em parte estava grato por ele ter mostrado preocupação quanto ao que os outros falavam. Mas também se sentia nervoso e ansioso, pois teria de lutar contra alguém aquela noite.

Ele respirou fundo e olhou para o garoto.

— Olha... vamos esquecer isso por ora, okay? Você disse que Trinity estava na Arena. Vamos até lá.