Preguiça - A Revolução escrita por Lai Carpe


Capítulo 3
A Carta - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Hey pipous! Tudo bem com vcs? Espero que sim ✌

Eu adoro revisar capítulos, pq é menos trabalhoso do q escrever agshshjs mas ngm se importa com isso

Enfim, boa leitura ^^



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Após o anúncio, avistei a Mandy entrando pela ala direita do set, o apresentador indicou que ela se direcionasse ao púlpito, embora ela já o estivesse fazendo, sem a necessidade da recomendação dele. No telão atrás dela, onde antes podia-se enxergar, em letras garrafais, “Eleições 2018”, agora havia a imagem digitalizada de minha carta, o que eu havia recomendado para eliminar qualquer possível polêmica de fraude ou sei lá o que, era apenas uma precaução que eu preferi tomar; queria deixar tudo às claras. E assim todos poderiam acompanhar atentos, não apenas com seus ouvidos, mas também com os próprios olhos, se assim preferissem.

O cronômetro voltou a aparecer na tela e, ao sinal do apresentador, a voz da Mandy soou firme e clara do alto falante de minha TV:

— “Caros (e)leitores, primeiramente eu gostaria de desculpar-me por não fazer-me presente aí neste momento, entretanto o fiz e não posso mudar esse fato, posso apenas tentar justificá-lo e, ao fim desta carta, vocês poderão julgar minhas atitudes como bem entenderem.”. — Ela disse e quase que imediatamente minha mente viajou de volta às lembranças que eu descrevera naquela carta.

 

Flashback

1998, Teresópolis, Rio de Janeiro.

Era um dia chuvoso, normal para aquela região. Eu acabara de chegar à minha casa, vindo da escola. Estava cansado, porém satisfeito. Fiz provas durante a manhã inteirinha no colégio, assim como nas outras manhãs daquela semana, e tinha certeza que tiraria uma boa nota decorrente de todo o meu esforço, de todas as horas que eu havia reservado para estudar. E ao contrário da maioria, eu fazia isso por prazer, era um jovem dedicado aos estudos e a todas as minhas demais obrigações, inclusive as do lar. Apesar de termos empregados, eu fazia questão de ajudar no que estava ao meu alcance, pois não queria ser um inútil, queria obter as coisas por mérito próprio, embora eu tivesse consciência de que já era bastante privilegiado. Tudo isso eu havia aprendido com minha mãe, a pessoa que eu mais amava no mundo e por quem eu daria a minha vida. Ela era a pessoa mais trabalhadora que eu conhecia e causava-me o maior orgulho o fato de ser filho dela.

A infância da minha mãe não havia sido fácil, ela foi uma criança fugida de um orfanato e que trabalhou em extração ilegal de madeira na região norte do país, trabalho escravo, obviamente, e ainda era estuprada pelo ogro subordinado do chefe, que por sua vez não tinha sequer conhecimento de que minha mãe trabalhava lá. Por esse motivo, o homem, que de longe comandava aquilo, surtou quando pôs os olhos nela naquele antro de pedofilia e a retirou de lá, levando-a consigo para morar em sua casa e, desde então, ele mesmo passou a criá-la.

Notem que o fato nem era o trabalho infantil, mas sim minha mãe ser mulher. Não que ele fosse o maior machista da face da terra, mas aconteceu que, como não bastasse ter perdido a esposa no parto de sua filha caçula, há alguns meses o homem havia perdido a própria filha que, por uma infelicidade do destino e determinado descuido do homem, havia se afogado na piscina de casa. Então, como minha própria mãe me contou, o homem acabou por ter uma empatia imediata por ela e tirá-la daquela cova, foi como uma redenção para ele.

O homem tinha outros dois filhos. Minha mãe acabou por se apaixonar pelo mais velho. Seu 'pai' não se importou, até era a favor do relacionamento entre os dois, sabia que fariam bem um ao outro, que minha mãe estaria segura com alguém que ele mesmo havia criado e conhecia o caráter. E além disso, a união dos dois faria os negócios permanecerem em família. Tudo quase nos conformes.

Com o tempo, meus pais se casaram e minha mãe engravidou. Meu pai morreu de tuberculose quando eu tinha apenas algumas semanas de vida. Minha mãe sempre me falava dele, falava o quanto ele era atencioso com ela, principalmente em sua gravidez, o quanto era divertido e apaixonado, e o quão feliz havia ficado quando soube que seria pai. Felizmente ele pôde me conhecer, apesar de não poder ter ficado muito próximo a mim, para não correr o risco de me infectar. Eu gostaria de tê-lo conhecido, porém.

Dois anos passaram-se e meu avô faleceu depois de ter sido diagnosticado com câncer no intestino em estágio avançado. Foi aí que o inferno da minha mãe começou realmente. A herança seria dividida entre os três filhos de meu avô, mas como dois deles havia casado entre si, e meu pai estava morto, minha mãe ficou com a parte que cabia a ela e ao meu pai.

Com a morte de meu avô, a prioridade de minha mãe, depois de mim, passou a ser o processo para legalizar a extração de madeira da qual ela era responsável agora. Eles teriam que mudar o local de extração, eliminar o trabalho infantil, adquirir o certificado e ainda pagar uma enorme indenização. Seria quase como começar do zero e minha mãe estava disposta a isso. Afinal, ela já tinha a ambição de ampliar os negócios com o tempo. Porém, quem não estava disposto era o meu tio, que mesmo insatisfeito com a situação, teve que acatar, mas sob a condição de ter algumas das ações da nova empresa, que pertenciam à minha mãe, transferidas para seu nome quando tudo estivesse nos eixos.

Meu tio nunca perdera uma oportunidade de tentar prejudicar minha mãe. Mesmo criança, eu percebia o quanto ele a detestava, por ela ter mais poder do que ele e nem sequer ter o mesmo sangue. Só que a dona Ângela, minha adorável e competente mãe, parecia não perceber o rancor que o irmão guardava dela ou apenas ignorava, ela tentava enxergar apenas o lado bom das pessoas e me encorajava a fazer o mesmo, embora nem sempre eu conseguisse.

Mas assim foi. Sob a administração de dona Ângela, e perante todos os desafios, incluindo meu tio, a Madeireira Medeiros cresceu como nenhuma outra no país e se transformou na Construtora Medeiros, construindo casas e chalés pré-fabricados, atuando em todos os três setores de produção. E depois de 15 anos, minha mãe conquistou a oportunidade de negociar com uma empresa internacional, e estava tremendamente empolgada com isso, eles estavam arquitetando um projeto de reflorestamento de áreas desmatadas pela extração ilegal em vários países do mundo. Esse projeto deixaria a empresa mais conhecida no próprio país, o que seria ótimo já que aqui predominam casas de alvenaria.

Enfim, ainda naquele dia, minha mãe tinha uma reunião com os representantes da tal empresa, onde provavelmente assinariam o contrato. Àquela hora ela já estava na empresa e eu, como sempre, me vi ansioso por sua volta, ela me contaria as novidades, assim como eu contaria que mais uma vez havia feito um bom trabalho em minhas  avaliações escolares e a encheria de orgulho.

Entrei pela porta da frente e chamei pela Gertrude, nossa governanta, eu estava faminto e queria saber se o almoço já estava pronto. Ela apareceu na entrada da cozinha, que ficava à esquerda da sala de estar, com o telefone no ouvido e o indicador esquerdo sobre os lábios pedindo silêncio. Gertrude era como uma segunda mãe para mim. Ok, ela estava mais pra uma avó, já que também era como uma mãe para dona Ângela. Ela trabalhava para a família desde quando meu avô ainda era vivo. Tinha 56 anos e algumas rugas na pele, mas era um tanto vaidosa e aparentava ter menos idade.

Eu resolvi subir para meu quarto, tomar um banho rápido e quente, para depois comer. Vesti uma calça de moletom, uma blusa de frio de algodão e uma touca.

Desci as escadas calmamente, Gertrude ainda estava ao telefone, e tinha uma expressão abatida e preocupada em seu rosto, o que me preocupou também.

Sentei no sofá e, não tão educadamente, passei a prestar atenção no lado da conversa que se dava à minha frente. Alguns segundos depois ela desligou o aparelho e voltou-se para mim. O olhar de pena em seu rosto fez meu estômago vazio embrulhar.

— Quem era? O que houve? — Perguntei, diante de seu silêncio.

— Art, meu querido... — Ela tentou soar doce, como se quisesse amenizar algo. — Venha, vamos almoçar. Você deve estar morto de fome. Como foi no colégio? Foi bem nas provas? Claro que sim, que pergunta a minha, você é ótimo em tudo que faz. — Desatou a falar, caminhando em direção à cozinha. Aquilo estava me irritando profundamente.

— Gertrude. — Disse sério, não queria lhe faltar com respeito elevando minha voz, mas teria que fazê-la entender que eu não estava brincando e queria saber a verdade. — O que aconteceu?

Ela estacou no lugar. Inspirou e expirou inúmeras vezes antes de se virar para mim. Ela tinha os olhos marejados e aquilo me desarmou.

— Querido, eu vou te contar tudo bem? Mas antes podemos, por favor, comer? Eu também estou faminta. — Tentou me convencer novamente, mas eu cruzei meus braços em frente ao meu peito. Ela suspirou vencida e veio lentamente até mim, me tomando nos braços e desatando a chorar. Eu paralisei, odiava ver ela ou minha mãe tão frágeis e não poder fazer nada. Mesmo com minha pouca idade, eu as via como minha responsabilidade, quer dizer, eu sentia-me responsável por dar a elas o máximo de felicidade que eu pudesse, por mais que elas cuidassem mais de mim do que o contrário. Eu gostava de pensar que tinha a capacidade de protegê-las, porque é como nosso instinto mais primitivo; proteger a quem amamos. Mas naquele momento, com Gertrude aos prantos em meus braços, eu me senti um inútil por não poder aliviar sua dor evidente e a pessoa mais infeliz do mundo quando ouvi suas palavras seguintes.

— Su-su... Sua mãe morreu, Art.

Naquele momento eu senti meu mundo desabar. Nada fazia sentido. Se não fossem os braços da Gertie me segurando, eu poderia jurar que a minha existência não era real. Eu chorei como nunca antes, minha garganta ardia, eu soluçava sem parar. Tentei rebater, dizer que não era verdade, que, não, aquilo não podia ter acontecido, mas nem isso eu consegui. Até porque as lágrimas de Gertie não mentiam. Eu quis ser o conforto dela, mas eu não podia ser o meu próprio. E por mais que ela estivesse sofrendo, sem querer menosprezar seu sentimento, nós dois sabíamos que o sofrimento dela não era nada comparado ao meu.

Em algum momento senti meu corpo ser guiado até o sofá. Ela deitou minha cabeça em seu colo e fez carinho em meus cabelos até que eu adormecesse, ainda ouvindo seu choro baixinho.

Quando eu acordei, ainda estava no sofá, mas Gertie não. Sentei-me e pensei no que tinha acontecido, cogitei ser um pesadelo, o pior de todos, afinal, do que ela poderia ter morrido? Minha mãe tinha uma ótima saúde. A figura de Gertrude saindo da cozinha, com uma bandeja em mãos, o rosto inchado e os olhos ainda vermelhos, porém, foi a resposta de que não era um pesadelo.

— Não foi um sonho, não é? — Perguntei já sentindo meus olhos marejarem novamente. Ela fechou os olhos e sorriu tristemente para mim, balançando a cabeça negativamente. Deixou a bandeja em cima da mesinha de centro e sentou ao meu lado, levando sua mão esquerda aos meus cabelos. Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas eu levantei rapidamente, subi as escadas e tranquei-me em meu quarto.

Eu não queria ser rude ou ingrato com a Gertie, mas ela viria com palavras de consolo que não surtiriam efeito algum naquele momento.

Droga! Droga! Droga!

Minha mãe estava morta.


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Notas finais do capítulo

Continua...

E ah, babys, deixarei aqui o link com o dreamcast dessa história delicinha: http://pin.it/mA3OHAG



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