A Cinderella Story escrita por Queen Of Darkness


Capítulo 20
Capítulo 20




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So, tell me, what happens next? It’s out of my hands, I guess. I just don’t know what to believe. Why don’t you tell me to believe? Why did you let me leave? It’s not the way it’s gotta be. What’s wrong with me? Is that the way this has to be? But it’s just another one of those days. The way you made it all feel so right, the way you fit into my arms at night – I’ll remember that feeling for the rest of my life.” – Cinderella Story, Plain White T’s. 


– Vai, Juliet, nós vamos chegar atrasadas! 
– Já vai, Suzana, já vai! 
Retoquei minha maquiagem, passando mais uma camada de lápis preto debaixo dos olhos para realçá-los, e arrumei meus cílios com o rímel. Não sabia por que, mas apenas com o pensamento de que iria revê-lo, após todo esse tempo, meu estômago parecia desaparecer do interior de meu corpo e meu coração passava a palpitar rapidamente em minha garganta. Não queria ficar bonita para ele, mas, ao mesmo tempo, queria apresentar-me perfeita. 


Haviam se passado três anos desde a última vez que eu havia o visto. Dois anos, nove meses, quatro semanas e cinco dias, para ser mais exata. Só não me pergunte as horas, não sou tão bitolada assim. Acho. Espero. 
Desde que ele havia ido viajar para Dublin, na Irlanda, para a gravação de seu primeiro CD com a banda, eu nunca havia considerado a possibilidade de passar ainda mais tempo sem vê-lo. Achei que, no momento em que ele e os garotos colocassem os pés em território inglês, eu estaria lá, de braços abertos, pronta para pular no colo da única pessoa que eu amei tão intensamente em toda a minha vida e que passara um ano inteiro sem poder tocar, olhar nos olhos, dizer tudo que deveria antes de deixá-lo partir. 
E, bem, eu estava. 
Eles voltaram exatamente no dia treze de Novembro, às nove da noite. Eu lembro que nevava como nunca, e, mesmo tremendo como se sofresse de mal de Parkinson, eu ainda estava lá, no aeroporto Gatwick, em meio a uma imensa multidão que rolava carrinhos de bagagem para todos os lados, apenas esperando para que seus rostos aparecerem. Suzana e Elizabeth me faziam companhia, é claro; a única que não estava presente eraSamantha. Ela havia sido oferecida um cargo na Escócia e se mudara para lá, alguns meses depois que os meninos partiram para a Irlanda. Na época eu me lembro que me sentia como se todos ao meu redor estivessem me abandonando. Eu havia arrumado meu próprio apartamento, e, portanto, mal via meus pais também. Elizabeth passara a trabalhar na televisão – foi extremamente emocionante quando eu, ela e Suzana nos juntamos em sua casa, com Samantha ao telefone, para assistir o primeiro comercial em que ela aparecera – e parecia sempre ocupada. A Suh trabalha num escritório, e até hoje eu não sei muito bem o que ela faz, mas sei que é mais pelo dinheiro. E eu... bem, eu havia começado a trabalhar também. Havia entrado na faculdade de Jornalismo e conseguira um emprego de estagiária na BBC Inglesa, o que me deixara extremamente empolgada. Mas bem, tudo isso foi, no mínimo, quatro meses após a partida dos garotos. Antes disso, tudo parecia tão... sem graça. 
Eu lembro que passava a maioria dos dias trancada no quarto observando minhas fotos com ele. Sentia-me até um pouco emo, mas acho que faz parte do processo, né? Mas ao menos ele me ligava todas as noites. Ficávamos horas conversando pelo telefone, e, na noite seguinte, que ele obviamente me ligava novamente, me contava como o empresário da banda brigava por ele gastar tanto com a conta de telefone. Mas ele dizia que não estava nem aí, que preferia levar xingo a não ouvir minha voz. E eu sempre tentava me segurar o máximo que podia para não começar a chorar na linha com ele. 
Ficamos assim pelos primeiros três meses. Ele acordava cedo, me mandava mensagem no celular, passava o dia inteiro gravando as músicas no estúdio, e quando voltava para a casa alugada lá, tarde da noite, sabia que eu sempre estaria acordada pra atender suas ligações. E eu só ia dormir lá pelas três, quase quatro da manhã. Acordava um bagaço no dia seguinte para a faculdade, mas quem se importava? Eu certamente não. 
Mas, aí, foi como se o cansaço fosse nos usando. A partir desse terceiro mês, eu havia conseguido o emprego de estagiária na BBC – eu lembro que ele havia ficado tão animado por mim –, então ficava um pouco mais difícil de nos comunicarmos tão constantemente. Ele então passou a ligar dia sim, dia não. Eu sentia falta, mas a faculdade e o trabalho estavam me consumindo tanto que às vezes eu nem conseguia lembrar muito bem da saudade, sabe? Isso me faz parecer a pior namorada do mundo, eu sei, mas você ficaria assim também se estivesse no meu lugar. É tanta coisa em sua mente que você mal consegue lembrar do próprio nome. Só quando eu chegava em casa, cansada, morrendo de dor de cabeça e nas costas, tirava meus sapatos e me jogava na cama na tentativa de relaxar os músculos, que meu coração apertava e descia até encontrar meu estômago. As saudades pareciam voltar com a velocidade da luz ao meu corpo, e eu me sentia pior do que já estava, do que já aparentava. Porque, como se já não bastasse tudo isso, as pessoas ainda me faziam o favor de me avisarem o quão acabada eu parecia. “Tire férias, você precisa.” Como se me consolasse, sabe? Mas férias... havia acabado de começar a trabalhar e já precisava de férias? Nada. Precisava dele, e só. 


– Você tá fazendo uma plástica aí em cima, por acaso, Juliet? – Suzana voltou a me gritar lá debaixo, claramente apressada. 
– Eu só estou checando se não me esqueci de nada, já desço! – Menti. 


A partir do quarto, quase quinto mês, nós tínhamos que fazer um grande esforço para conseguirmos nos comunicar. Quando nos falávamos, ele me explicava o quão corrido as coisas estavam ficando, que estava começando a chegar na casa até depois das três da manhã. Eu dizia que não teria problema se ele me ligasse nesse horário, mas ele insistia em dizer que não queria me acordar tão tarde, visto que ambos precisávamos trabalhar no dia seguinte, logo cedo. Em partes, eu concordava com ele; mas então eu me lembrava de como ele costumava dizer que era melhor do que ficar sem ouvir minha voz. Mas resolvi deixar. Imaginava o quão cansado ele também deveria estar. 
A única coisa estranha sobre tudo isso, no entanto, era que eu ainda me comunicava com os outros garotos. Alguns deles, às vezes, até me ligavam ao redor da uma da manhã, e, quando eu perguntava sobre aquele que eu mais sentia falta, me diziam que ele estava, na verdade, saindo por aí. Bebendo em um bar local, ouvi uma vez de um deles. 
No sexto mês, nós mal nos ligávamos mais. Vez ou outra eu recebia sua mensagem no celular, dizendo que sentia minha falta. O problema é que, a partir da sua primeira mentira, passei mais a não acreditar. 
Quando o sétimo mês chegou, era como se nós houvéssemos nos afastado completamente. Eu já havia deixado de ser estagiária a partir daí, pois meu chefe dizia que havia visto um potencial que não poderia ser escondido em busca de cafezinhos e bagels com manteiga. No oitavo mês, fiz um curso pós-graduação na faculdade – acelerando quase o meu curso inteiro – e me comprometi totalmente ao trabalho. Ele me consumiu, obviamente, o que foi até bom, visto que ficara tão ocupada que não tinha nem mesmo tempo algum para pensar se o cara que eu achava que nunca mentiria para mim poderia estar, naquele exato momento, me traindo ou não. 
Quando o nono mês estava quase ao fim, eu recebi uma ligação inesperada dele em um sábado tedioso. Meu chefe havia me liberado mais cedo, então eu passei na locadora e aluguei cerca de cinco filmes. Todos comédias, é claro. Odeio filmes romântico-melosos – e, na minha situação, nem mesmo poderia me dar ao luxo de assisti-los –, e não assisto os de terror sozinha nem a pau. Filmes de comédia sempre são a saída para uma noite de sábado solitária. Então comprei duas caixas do melhor chocolate inglês, Maltesers, alguns M&M’s de amendoim, um saco de Twix, uma garrafa de Coca-Cola e uma de Dr. Pepper. Estourei um pacotinho de pipoca no microondas e fui para a sala, me sentindo a garota mais obesa de tanta comida que levava – apesar de que, ultimamente, com tanto trabalho, eu havia praticamente parado de comer e emagrecido, sem querer, cinco quilos –, e foi quando, no ápice do filme, o telefone começou a tocar. Eu obviamente já havia marcado o número da casa dele na Irlanda, então foi uma grande surpresa ver seu nome na bina. O pensamento de não atender até passou por minha cabeça, mas acho que não consegui. Desejava ter conseguido, porque, quando atendi, ouvi sua voz completamente enrolada e embriagada pela linha. Era até como se conseguisse sentir seu hálito da minha sala de estar, e era claro que estava bêbado. Ele me disse coisas que mal pude entender, e, do pouco que consegui, a maioria nem ao menos fazia muito nexo. “Vejo seu rosto em todo lugar que vou”, “me desculpe” e “sinto sua falta” foram algumas das coisas que entendi. Ele também disse algo como “gostaria de não ter feito aquilo com você”, mas essa parte, por puro medo, preferi ignorar. Mas, naqueles momentos, eu senti meu coração afundar. Aquele não era o cara por quem eu havia me apaixonado, e era provavelmente isso o que mais me doía. 
Acho que não preciso nem dizer que desliguei o telefone, aos prantos, e liguei para o trabalho na segunda dizendo que estava contagiosamente doente. 
No décimo mês, passei dias seguidos conversando com meus amigos, também da banda. Com todos, menos com ele. Os garotos me diziam que, com esse meu proposital afastamento, ele começara a freqüentar o bar local sempre que saíam do estúdio. Que estava magoado demais e precisava de um incentivo para ir dormir à noite. Naquela hora, a única coisa que eu desejava ter era um jatinho particular para voar até a Irlanda e espatifar minha mão naquela cara de pau dele. 
No décimo primeiro mês, eu decidi que era hora de começar a administrar minha vida. Minhas amigas já reclamavam a algum tempo que eu mal tinha tempo para elas, e que até Eliza, com todos os comerciais de televisão, saía mais do que eu. Em uma sexta-feira, pedi ao meu chefe uma folga no dia seguinte, e, com sua permissão, apanhei o carro e rumei com Suzana e Elizabeth até Manchester para ver o próprio Manchester United jogar. Eu e Suzana sempre gostamos de futebol, mas a Eliza só havia concordado por causa do Cristiano Ronaldo. E, ao que voltávamos para Londres, a rádio ligada em alto e bom som, ouvimos o locutor anunciar nada mais, nada menos do que a banda de nossos amigos. Foi tão emocionante ouvir a música que já ouvimos tantas vezes em seus próprios ensaios, que apanhei o celular e disquei o número da casa deles na Irlanda, torcendo para que eles não estivessem no estúdio. Como se atendessem nossas preces, a voz de um de nossos amigos atendeu ao telefone, e ficamos nós quatro – ele, eu, Suzana e Eliza – berrando e aproximando o aparelho da rádio para que eles ouvissem. Todos os garotos, naquele ponto, haviam se reunido e comemoravam, claramente felizes. Foi quando ouvi sua voz. Ele havia pedido para seu amigo, que segurava o telefone, que o deixasse falar comigo. Foi como se o medo tivesse tomado conta de mim. Sem mesmo falar qualquer coisa, sem dar uma sequer explicação, desliguei. Minhas amigas me olharam em confusão e preocupação, e, não me agüentando, permiti-me chorar perto delas. 


Era provavelmente a décima segunda vez que eu me olhava no espelho. Estava simples, mas ainda bonita. Daquele jeito que eu sabia que poderia impressioná-lo. Não sabia por que queria causar isso, mas só sabia que precisava. Queria parecer bem, sã ao vê-lo. Como se não sentisse sua falta, por mais que tudo que eu havia feito nas últimas semanas era pensar nele. Mal sabia como ele estaria... diferente, ou com a mesma doce aparência de sempre? 
Ter essa chance de revê-lo foi quase como uma brincadeira do destino. Fazia menos de três meses que havia ganhado aquele cargo na empresa, e a primeira banda que entrevistaria seria justamente a banda dele. Era quase maldade. 


Quando doze meses haviam se completado, meu estômago pareceu querer fazer uma greve contra mim. Sentia fortes pontadas e dores agudas de ansiedade desde que meus amigos haviam me ligado, anunciando sua vinda de volta à Inglaterra. Eu até havia pensado em não ir; sabia que vê-lo após passar quase sete meses sem falar com ele só iria me fazer mal. Mas pensei ingenuamente que poderia consertar as coisas. Poderia fazer tudo voltar ao que era antes. Era, obviamente, o amor falando mais alto. Porque é claro que eu nunca havia o esquecido; nunca, por um mísero segundo, havia deixado de amá-lo. Então resolvi ir. 
Samantha, ainda na Escócia, pediu que ligássemos quando os visse, pois não poderia deixar o trabalho para voltar para cá para vê-los. Eu, Suzana eElizabeth então dirigimos até o terminal do aeroporto Gatwick, e esperamos ao redor de duas horas por eles. Tomamos cerca de quatro copos de café cada, na tentativa de nos aquecermos, pois mesmo dentro do local, ainda sentíamos frio. Mas não sairíamos dali. 
Durante todo aquele tempo que esperávamos por eles, eu sentei em uma daquelas cadeirinhas e pensei. Pensei em tudo que deveria e até no que não deveria até sentir dores de cabeça. Pensei no que dizer a ele, pensei em não dizer nada, pensei em apenas abrir meus braços e correr até ele, pensei em beijá-lo e não me importar com nada do que havíamos passado nesse último ano, pensei em como só queria estar com ele, pensei em apenas seguir meu coração, e sabia que meu coração me dizia para fazer tudo isso. Eu precisava dele, eu o queria e eu o amava, e não podia ignorar sentimentos tão fortes. Não podia enganar a mim mesma. 
Foi quando Elizabeth soltou um berro tão alto que atraiu praticamente todo o aeroporto. 
Lá estavam eles. Empurravam suas bagagens em seus carrinhos, e, surpreendentemente, um grupo de meninas, grudadas à grade, puxaram suas câmeras digitais para tirar suas fotos. Nós sorrimos como três mães orgulhosas ao ver aquela cena. Eles haviam parado para darem autógrafos e tirar fotos com aquelas garotas. Era tudo tão excitante e ainda estranho. Mas um bom tipo de estranho. Novo. Era incrível. 
Observei-o tirar foto com uma das meninas. Ele não havia mudado nada. A única diferença era que, agora, ele havia conseguido crescer um indício de barba. Até ri ao pensar nisso. E, ainda assistindo-o, comecei a repensar em tudo. Simplesmente repensei, e não sei bem o porquê. Senti meu coração pesar exageradamente, quase como se ele não pertencesse ali. 
Os garotos então finalmente vieram em nossa direção. Todos usavam os maiores sorrisos em seus rostos e brilhos em seus olhares. E eu de repente comecei a perder o tato das coisas, o equilíbrio de minhas pernas, até mesmo todo o ar de meus pulmões... 
Não sabia por que, mas precisava sair dali. 
Harry veio primeiro. Elizabeth praticamente se jogou sobre ele, abraçando-o e então o beijando apaixonadamente. Meus olhos começaram a queimar.
Danny veio logo em seguida, abraçando Suzana e levantando-a no ar. Eles não se beijaram, mas era claro que não haviam perdido nada do que tinham. Ela havia me contado que, após tanto tempo, iria tentar a amizade novamente para então tentar algo mais, por mais que se gostassem e que tivessem passado pouco tempo anteriormente. Queria fazer dar certo. 
Minha boca começou a tremer, ressecar. 
Tom então correu até mim. Eu o abracei, mas antes o vi de relance. Eu o vi, e acho que perdi todos os sentidos de vez. Eu o vi e meus olhos rapidamente lacrimejaram. 
Ele. 


Maldade, sim. O que eu poderia dizer a ele? Que sentia sua falta? Que nunca consegui parar de pensar nele, e, desde que soube que iria entrevistar sua banda, agora mundialmente famosa, aqueles pensamentos só passaram a crescer com mais intensidade? 
O que você diz a uma pessoa que já foi e ainda é apaixonada e não vê por três anos? 


Não quis olhar. Não quis e não olhei. Afundei minha face no ombro de Tom e me pus a chorar como uma criança que se perdeu da mãe no meio de uma cidade desconhecida. Era desesperado, suplicante. 
Ele me observou em silêncio, e no único momento em que levantei o olhar, vi de relance aquele par de olhos brilharem em contraste com a luz, marejados. 
– Vai ficar tudo bem, pequena. – Ouvi Tom sussurrar em meu ouvido ao que afagava meus cabelos. Ao som da palavra “pequena”, eu não consegui evitar e desmoronei ainda mais. 
Ele então se aproximou em passos lentos. Posicionou-se logo atrás de Tom, encostando o queixo em seu ombro para que pudesse ficar mais perto de meu rosto. Ele também afagou meus cabelos, da maneira mais delicada possível, como se, apenas pelo seu toque, demonstrasse as saudades que sentira. Tentei me esquivar de seus dedos, mas era como se estivesse praticamente paralisada. Não queria olhar para ele, não queria falar com ele. 
“Gostaria de não ter feito aquilo com você.” 


Já senti meus olhos lacrimejarem. Era incrível o modo como ele conseguia me sensibilizar só de pensar nele. Conseguia, e, mesmo depois de tanto tempo, ainda consegue. As borboletas, larvas, urubus, gaivotas e todos os animais possíveis ainda habitavam meu estômago, em meio a uma explosão incessante de fogos de artifício. Tudo isso para um pleonasmo em relação ao tamanho da minha ansiedade, quase medo em revê-lo. 
Tentei me recompor rapidamente, visto que teria que sair dali em pouco tempo. Em torno de duas horas, três, no máximo, eu estaria cara a cara com ele. Como será que eu iria reagir? 
Ou melhor: como será que ele vai reagir? 


– Me tira daqui, por favor. – Tentei dizer em meio a soluços para Tom; minha voz, já embargada por causa do choro, saía ainda mais abafada por estar tentando esconder minha face de todos no ombro de meu amigo. 
Tom, sem precisar me responder, me puxou pela mão para a porta mais próxima. Percebi que Suzana e Elizabeth tentaram nos seguir, mas acho queTom pediu que não o fizessem. 
Chegamos lá fora e, automaticamente, vi-me enregelar por inteira devido ao frio. A neve caía delicadamente sobre nós; eu conseguia sentir minha pele se tornar quase arroxeada, e o sangue pareceu parar de circular nas extremidades de meu corpo. 
– Eu não posso. – Solucei exageradamente, falando de maneira quase pausada. – Não consigo. Eu quero ir embora, Tom. Quero ir- 
– Juh. – Tom me chamava de um modo um tanto desesperado. – Juh, se acalma, por favor. 
– Ele me traiu, não traiu? – Deixei escapar quase que automaticamente. 
– O-o que? 
– Não mente, Tom. Não pra mim. 
– Juh, ele- 
– Por todos nossos anos de amizade, Tom, não mente pra mim. 
– Juh- 
– Ele me traiu, Tom? Me diz, ele me traiu? 
Foi a pior sensação que já tive na minha vida. Se fosse mentira, ele teria dito logo. O pior é o silêncio. 
– Ele- 
– Juh, agora não é a hora de- 
– Meu Deus. 
As lágrimas escorreram livremente pelo meu rosto, aquecendo-o. Talvez eu não achasse que fosse mesmo verdade. Talvez eu apenas dissesse a mim mesma que era, para sentir o alívio ao ouvir Tom me mandando acordar, que era uma óbvia mentira. 
Mas não era, era? 
– Juh- 
– Se você não me olhar nos olhos e me disser a verdade agora mesmo, eu juro por tudo nesse mundo que nunca mais dirijo uma palavra a você,Tom. 
– Eu... 
O pior é o silêncio. 
– Me diz logo a verdade, Tom. Ele me traiu, não é? 
Porque quem cala, consente. 
– Tom, por favor... 
– Traiu. 


Em torno de um ano atrás, eu ouvira falar que ele escrevera uma música para mim. Tom havia me contado, na verdade. Acho que ele quis que Tom me contasse. Eu não soube o que responder sobre isso. Não sabia se pedia a Tom para agradecê-lo, ou se o mandava tomar no cu de uma vez por todas. Acho que não tive coragem de fazer nenhum dos dois. 
– Juliet, estou falando sério, se você não estiver pronta, eu juro que- 
Virei de frente à porta no mesmo instante em que Suzana adentrou meu quarto. Ela viu meus olhos marejados, obviamente, pois me olhou naquela típica expressão doce, preocupada e que já dizia, como se estivesse estampado em seus olhos as exatas palavras: “aw amiga, eu estou aqui pra você.” 
Ri baixinho e rolei os olhos, como sempre fazia quando tentava não chorar. 
– Você tá linda. – Ela me disse em um sorriso meigo, mudando de assunto para tentar me fazer descontrair de qualquer coisa que poderia estar na minha cabeça (e ela sabia muito bem o que era). – E já tá pronta, né? Porque já são sete e meia! 
– Sim, eu já estou pronta, sua pentelha. – Disse rindo pelo fato de ela ter estirado a língua para mim na expressão mais infantil e doce do universo. 
– Então vai, vamos logo! A Eliza vai passar aqui daqui a pouquinho, e você sabe que ela odeia esperar. 
– Ela odeia esperar os outros, mas quando é pra gente esperar a boneca, tudo bem, né. 
– É, mas você sabe, amigos são que nem família: nós não os escolhemos, então temos que viver com o fardo de agüentá-los. 
Eu ri novamente, agora mais alto. Essas frases sem nexo da Suzana! 
– Preparada? – Ela me perguntou em um suspiro. 
– Não. – Respondi em um sorriso ironicamente feliz e calmo. Ela então me lançou um olhar repreensivo e ainda preocupado. – Mas a gente vive com o fardo e agüenta. 
Nós rimos e, após apanharmos nossas coisas, nos dirigimos para fora de meu apartamento. 


Eu não sabia exatamente o que responder. Muito menos o que fazer. Apenas continuei sentada ali, as lágrimas ainda escorrendo de meus olhos, extremamente congelada, e dessa vez não por causa do frio. Sentia-me a pessoa mais melodramática do mundo, mas eu tinha esse direito. Naquele dia, eu tinha o direito de ser a garota mais emo, mais triste, mais irritada, mais dramática, mais... descrente
– Juh? 
Eu continuei sem dizer nada. Tom me chamou ainda mais uma vez, mas, agora, tudo o que fiz foi balançar a cabeça para a esquerda e para a direita de maneira extremamente lenta em sentido negativo. Em negação. Negando o que havia ouvido. Negando o fato de ele ter feito aquilo comigo. Negando acreditar naquilo. Eu me negava a acreditar. 
– Juh, eu... eu não... me desculpe. 
Olhei para Tom. Ele realmente parecia se sentir culpado. Aquilo me fez pensar se ele sabia por todo aquele tempo e, após todas as conversas ao telefone, havia se recusado a me contar. Não que fosse sua culpa; talvez ele estivesse tentando proteger o amigo também, ou tentando, ainda, proteger a si mesmo. Talvez não tivesse tido coragem de me contar. 
– Você viu? 
– Como? 
– Você viu? – Repeti de maneira fria, seca. – Você o viu quando ele me traiu? 
– Não. – Ele disse, e então parou e pensou por alguns segundos. – Bem, eu vi a garota... ele estava bêbado, é claro. Disse que parecia você. Eu tentei falar com ele, mas eu... bem, não posso dizer que estava em meu melhor estado também. – Notei que Tom, naquele ponto, mal conseguia olhar nos meus olhos. Provavelmente se culpava porque achava que poderia ter feito o amigo evitar aquilo. – Mas ele ficava falando umas coisas sem noção, que aquela garota era você... aí ele... bem... eu não sei o que aconteceu exatamente. Eu só lembro que, no dia seguinte, ele bebeu de novo e ligou pra você. Acho que foi num sábado. Eu tentei te ligar depois, perguntar se você tava bem, mas acho que você viu o mesmo número da casa, pensou que era ele e não me atendeu. 
Lembrei desse dia quase que imediatamente. E eu estava certa. “Gostaria de não ter feito aquilo com você”... 


– Olha que sorte a minha, – Elizabeth ia dizendo assim que parou o carro na calçada do meu prédio e abaixava a janela para poder falar comigo e com Suzana – achei duas gatinhas no meio da rua! 
– Como você é extremamente tosca, amiga. – Suzana brincou, rindo da falsa indignação de Eliza ao ouvir aquilo. – Vamos logo senão vamos chegar atrasadas, vai, vai. 
– Você não acredita na pressa que ela tá! – Eu disse à Elizabeth ao que me sentava no banco traseiro e aproveitava para arrumar minhas coisas que iria precisar usar para a entrevista. – Ficou repetindo isso pra mim por uma hora inteira. 
– Claro, você é uma noiva! – Suzana rebateu. 
– Relaxa Juh, é o amor. – Elizabeth disse, piscando os olhos e soltando suspiros várias vezes na tentativa de imitar uma garotinha apaixonada. – Tá doidinha pra ver o Danny, essa aí! 
– Ai, cale a boca e dirija logo, vai Elizabeth! – Suzana retrucou, corando levemente. 
Elizabeth riu e zoou nossa amiga por ter se tornado rubra à menção do nome de Danny Jones, mas eu apenas me encolhi no banco de trás sem ser vista pelas outras duas à frente. Havia me lembrado, quase que imediatamente, dele
Às vezes parecia que essas coisas que me faziam lembrar dele gostavam de me perseguir. 


Não entendia o porquê. O que eu havia feito de errado? Por acaso havia sido uma namorada horrível, e pior ainda à distância? As palavras dele, de um ano atrás, não haviam significado nada? Havia sido da boca pra fora? “Eu vou esperar por você o tempo que precisar, Cinderela.” Só agora eu percebia o quão ridículo tudo isso havia sido. 
O quão ridículo ele havia sido. 
– Eu fui tão cega assim? – Perguntei repentinamente. – Era óbvio que ele ia fazer isso comigo e ninguém quis me avisar ou, sei lá... ele simplesmente não agüentou ficar sem transar? Precisou comer alguma garota já que eu não tava por perto? 
– Juh! É-é claro que não! – Tom respondeu em extrema surpresa com minhas perguntas. Claramente não esperava por algo assim vindo de mim. 
– O que, era porque eu não dava pra ele? Ele tava necessitado e então aproveitou que tava na Irlanda, longe de mim, e comeu todas que apareceram pela frente? 
– Pára Juh! 
– Não, Tom, me diz, o que eu fiz de errado? Me diz, porque eu preciso saber! 
– Nada, você não fez nada de errado! 
– Nada? Não é possível! Se eu não fiz nada de errado, porque ele iria precisar me trair? 
– Ele sentia sua falta, Juh, e- 
– Aaah, agora eu entendi! Eu acho que não devo ter sentido a falta dele então, porque, olha que estranho, eu não dei pra nenhum carinha enquanto ele estava lá na Irlanda! 
– Não, eu não quis dizer isso, eu quis dizer que- 
– O que? Ah, já sei! Ele achou que era eu, certo? Claro! Ele transou com outra menina, mas enquanto comia ela, ele tava pensando em mim, não é? Ah sim, então ele está perdoado! 
– Juh, pára com- 
– Ah, se eu ao menos soubesse disso! Teria dado pra todos os ingleses possíveis, juro! Mas pensando nele, é claro. É que eu senti tanto a falta dele! 
– JUH, PÁRA! 
– NÃO, TOM, EU NÃO PARO, E SABE POR QUÊ? PORQUE AQUELE FILHO DA PUTA ME TRAIU! ELE ME TRAIU, E NADA QUE VOCÊ FALE JUSTIFICA O QUE ELE FEZ! NADA! 


Paramos em um cruzamento perto da Oxford Street. O engarrafamento estava quase que exagerado, com carros buzinando para lá e para cá a toda hora. 
Suzana aproveitara a parada para retocar a maquiagem. Elizabeth, claramente estressada com o trânsito, bufou alto e, para tirar a mente do congestionamento, ligou a rádio. 
It’s been the longest winter without you; I didn’t know where to turn to. See, somehow I can’t forget you, after all that we’ve been through.
Ai, Jesus, eu mereço. 
– Anh, Eliza, você se importa em mudar de estação? – Pedi educadamente. 
– Aaaaah nãão, eu amo essa música! – Suzana pediu na expressão mais infantil possível. 
– É, Juh, essa música é tão fofa! – Elizabeth ainda disse, fazendo “bico”. 
Elas então aumentaram o volume e, para ajudar, começaram a cantar junto. 
Thought I couldn’t live without you, it’s gonna hurt when it heals too; it’ll get better in time. And even though I really love you, I’m gonna smile ‘cause I deserve to; it’ll get better in time.” 
– Olha, o carro andou! – Eu disse praticamente aos berros para conseguir fazê-las me ouvirem, uma vez que ambas cantavam a plenos pulmões. – Vaaaaaaai Eliza, anda, anda! 
– To indo, to indo! – Ela acelerou com o carro, e finalmente começamos a nos mover com mais facilidade. – Tá que nem a Suzana, é? Com pressinha? 
– Lógico! – Respondi rapidamente. – Qualquer coisa a ficar no carro com vocês duas cantando música de corno! 
Ambas riram e então finalmente desistiram, mudando de estação. Eu apenas me recostei no banco de couro e suspirei, tentando afastar qualquer e todo pensamento de minha cabeça. 


Tom me acolheu em seus braços e me fez deitar a cabeça em seu peito. Cobri minha face com minhas mãos e fiz o que ele pedia, permitindo-me voltar a chorar. Agora, aquelas lágrimas não eram mais de tristeza, e sim de frustração. Frustração, indignação... raiva. Mágoa por ter me feito amá-lo para depois fazer isso comigo. Ódio por ter feito o que fez e não ter sido homem suficiente para admitir. 
– Juh, me desculpa... – Tom sussurrou em meus ouvidos. – Eu queria estar bem naquele momento, porque eu juro que, se estivesse, não teria o deixado fazer aquilo. Iria encher aquele pirralho de socos e... e você não precisaria estar chorando agora. Eu... eu... 
Levantei a cabeça lentamente. Vi-me no reflexo dos olhos de meu amigo, que pareciam brilhar em um arrependimento intenso, tornando-os ainda mais profundos. Meu rosto se encontrava inchado e, muito provavelmente, de um tom de cor rosado. Meus próprios olhos, já verdes, estavam ainda mais claros, e eram inundados pelas lágrimas em excesso. 
– Você não deveria ter feito nada, Tom. – Eu lhe disse, e poderia jurar que seus olhos estavam marejados. – Nada disso foi sua culpa. Se alguém tiver de ser culpado, essa pessoa sou eu. 
– Você? – Ele me perguntou em indignação. – Você não tem culpa alguma! Aquele retardado que não deveria ter feito algo assim com você, Juh... você é melhor garota que qualquer cara, principalmente ele, pode ter a sorte de conseguir! Ele não tem idéia alguma do que iria perder quando fez aquilo. E eu deveria ter dito algo. Ele me ouve, deveria ter repreendido, e... e talvez nada disso estaria acontecendo. 
– Pára Tom. 
– Não Juh, eu sei que grande parte disso tudo é também minha culpa! 
– É lógico que não, Tom, pare de falar merda! 
– Merda é o que eu e aquele tapado temos na cabeça. Eu deveria ter feito algo... eu... eu quero pegar aquele garoto pela camisa e enchê-lo de porrada- 
– Você não vai fazer nada com ele, tá me ouvindo? 
– Você ainda quer protegê-lo? 
– Não estou protegendo ele, Tom! Só não quero mais saber disso. Não quero mais saber dele! E você deveria fazer o mesmo, porque isso não se diz respeito a você! 
– Eu estava lá! Eu deveria ter dito algo, porque ele... ele não tem direito algum de fazer o que fez com você! 
– E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO SEI DISSO, TOM? 
Naquele ponto, senti todos os olhares das pessoas que andavam ali por perto se virarem para mim. Mas não me importava. Eu precisava gritar, precisava colocar toda aquela raiva para fora do meu peito, e Tom estava me dando a abertura perfeita para o fazer. Senti-me mal, é claro, pois ele realmente não tinha culpa alguma naquela história. A pessoa com quem eu desejava mesmo estar berrando era ele, o causador daquilo tudo, mas, com sua ausência, eu parecia me satisfazer em estar liberando, praticamente vomitando todo aquele sentimento para fora. Garanto que se Tom não estivesse ali, e, em seu lugar, um mendigo se aproximasse para pedir esmola, eu também começaria a berrar com ele. 
– ELE NÃO TINHA DIREITO ALGUM MESMO DE FAZER ISSO COMIGO, MAS ELE FEZ, E QUER SABER? FICO FELIZ DE ELE TER O FEITO! PORQUE EU NÃO AGÜENTARIA FICAR COM UMA PESSOA ASSIM, ENTÃO TALVEZ SEJA PARA O MELHOR. E A CULPA É TODA DELE! NÃO SUA, NÃO MINHA. DELE! ELE É UM PROBLEMÁTICO, BIPOLAR, QUE NÃO SABE O QUE SENTE, O QUE PENSA, NÃO SABE O QUE PERDEU! NÃO SABE MUITO MENOS O QUE FAZ, E AINDA VAI SE FODER POR CAUSA DISSO. E QUERO QUE ELE SE FODA MESMO, E MUITO! QUERO QUE ELE E TODAS AS MERDAS QUE ELE ME DISSE SOBRE ME AMAR, ME ESPERAR, TODAS SUAS MENTIRAS SE FODAM! 
Ao que terminei, meu peito subia e descia. O estranho era que, apesar de ter cuspido todas aquelas palavras, meu coração não se sentia nem um pouco mais leve; estava, na verdade, muito mais pesado. Acho que foi por isso – e também pelo fato de ter dito tudo aquilo com extrema velocidade, sem pausas – que arfava intensa, exagerada e rapidamente. Arfava para receber ar nos pulmões, arfava por causa do desespero, arfava por causa do frio, arfava para não deixar as lágrimas escorrerem ainda mais. E teria até conseguido, se não houvesse me virado para trás ao notar o olhar de Tom e ver que, parado logo a poucos metros de minhas costas, encontrava-se ninguém mais, ninguém menos que ele
Observei seus olhos marejarem, brilhando em tristeza. Logo mais ao fundo, Harry, Elizabeth, Danny e Suzana observavam a cena em silêncio, todos com expressões receosas, quase como se sentissem pena de mim. Odiava aquilo. Odiava também o fato de ele não tirar seus olhos protuberantes e depressivos sobre mim. Odiava tanto que voltei a chorar. 
Ele então foi se aproximando em passos lentos em minha direção, sem dizer uma palavra sequer. Ah, não. Não, não dessa vez. 
– Sai. – Eu disse, apontando para ele e dando alguns passos para trás. Tentei soar fria, mas o desespero em minha voz não me permitiu. – Sai de perto de mim. Eu não quero mais saber de você, não quero mais falar com você, não quero mais te ver na minha frente. Você morreu pra mim, ouviu? Morreu! 
Senti a pontada mais forte possível em meu coração ao dizer aquilo. É claro que era mentira, mas eu iria fazer ser verdade, por mais difícil, por mais impossível que fosse. 
Vi uma lágrima escorrer de seus olhos e mal pude acreditar. Eu nunca havia o visto chorar. Sabia que ele já havia o feito, pois Tom me contava. Era sempre com Tom que ele se abria, que ele desabafava, que ele recorria em procura de ajuda; ficava até surpresa com as histórias que meu amigo havia me contado, sentia-me triste só de ouvir, principalmente quando ouvi falar sobre os problemas que ele tivera há poucos anos atrás com a família. Mas nunca, em minha vida, havia o visto derramar uma lágrima na frente de outras pessoas que não fosse o Tom. Aquilo me chocou tanto que passei a chorar ainda mais vorazmente. 
– Não ouse chorar. – Eu lhe disse firmemente. – Você sabia que não deveria ter feito aquilo, sabia que ia se arrepender, então porque fez? Você já é bem grandinho pra saber das conseqüências de seus atos, então não me venha dizer que não sabia o que tava fazendo, que só estava bêbado! E você sabia... – Solucei alto. – Você sabia que eu entendo tudo e qualquer coisa, mas não traição... não mentiras. Você sabia! 
Ele continuou se aproximando, e, quando me dei por mim, já estávamos nos encarando fundo nos olhos, extremamente próximos. 
– Você sabia e, ainda assim, você fez! 
Aquela cena me lembrou dolorosamente da noite em que eu descobri que ele era o “Don”. Tudo o que eu fazia era berrar em meio àquela chuva, e ele simplesmente havia me beijado. Acho que ele pensou que dessa vez poderia ser o mesmo, porque ele se aproximou ainda mais, segurou meus braços, já que eu tentava, mesmo sem forças, atingir seu peito com socos, tamanho o meu ódio, e tentou me abraçar. Quase que automaticamente, como em um intuito, eu o empurrei para longe e, sem mesmo perceber, sem mesmo saber o que fazia, atingi-lhe o rosto com um forte tapa fragoroso, estridente. 
Instantaneamente, cobri minha boca semi-aberta com as mãos e arregalei levemente os olhos, mal acreditando no que havia feito. E então, dando senso e razão ao meu ato, abaixei os braços e passei a encará-lo com firmeza, mostrando-lhe o quanto ele merecia aquilo. 
– Você sabia que a única coisa que eu não admito é o que você fez comigo. – Continuei, surpreendendo a mim mesma ao ver o quão controlada minha voz havia soado, apesar das lágrimas ainda correrem livremente pelo meu rosto. – Mas você fez, então agora o problema é seu, porque vai ter de arcar com as conseqüências. Tudo o que eu menos preciso é de alguém na minha vida que só me fala mentiras e me magoa. 
Eu acho que o que mais me doeu naquele momento foi o silêncio dele. Não retrucou, não tentou fazer com que eu entendesse os seus atos – apesar de que, mesmo que tentasse, eu não faria esforço algum para entender –, não disse nada, não se moveu. Não tentou. Não lutou. Fosse para se explicar ou fosse por mim. Ele simplesmente não lutou. 
Aquilo realmente me fez pensar que ele desejava intimamente a nossa separação. Traiu-me porque não sentia mais nada por mim, e me deixou brigar com ele porque era a solução, a saída mais fácil, assim não precisaria se dar ao trabalho de terminar comigo. 
Com isso, dei as costas a ele e a todos e saí dali o mais rápido que meus pés conseguiram correr. 


Meu estômago encontrou o chão do estacionamento VIP no momento em que Elizabeth parou o carro e nós descemos para adentrar os fundos do local do show. Minhas mãos, já exageradamente trêmulas, seguravam a máquina profissional que eu levava pendurada em volta de meu pescoço, e meus olhos corriam para todos os lados, atentos para qualquer sinal dele. Eu podia até mesmo sentir o gosto do meu coração em minha boca. 
– Imprensa? – O segurança parado à porta me perguntou, abaixando os olhos para o crachá que eu usava. 
Balancei minha cabeça lentamente em afirmação, mas sem prestar atenção no que eu fazia exatamente. 
– Nós estamos também na lista da banda. – Suzana disse de maneira empolgada, pulando na minha frente e observando ao que o segurança apanhava sua prancheta e parecia procurar por algo. – Olha nossos nomes aqui! – Ela apontou para a folha. 
Após mostrarmos nossos documentos e sermos revistadas, o segurança nos deixou passar e nos indicou o caminho para o palco e para os camarins. Como Suzana já reclamava que, por causa de meu atraso, a banda de abertura já até começara a tocar, resolvemos seguir direto para onde assistiríamos ao show. Elizabeth e Suzana, por não serem da imprensa, iam para o camarote VIP, onde apenas os amigos e familiares da banda poderiam ficar, com direito a bar e cadeiras para se sentarem; eu até poderia ir para lá, mas como estava aqui por causa do trabalho, tinha de me juntar às outras pessoas da imprensa na pista VIP, que era grudada com o palco e separada da pista normal – onde os fãs se matavam – por uma grade. 
Fui levada por um segurança para a pista VIP e, assim que me juntei aos outros jornalistas, passei a tirar algumas fotos da banda de abertura e da platéia. Durante aquela uma hora em que esperei pela entrada da banda de meus amigos, me senti a pessoa mais hiperativa naquele local – até mesmo mais do que os próprios fãs, que não paravam de se mover, empurrando uns aos outros, e de berrar os nomes dos garotos que esperavam. Comecei também a sentir o mesmo desespero que sentira na noite em que fora no aeroporto vê-los quando voltaram da Irlanda. Queria ver aquele menino que tanto tocou minha vida, queria poder senti-lo próximo novamente, queria que tudo estivesse bem, e, ao mesmo tempo, tudo o que mais queria era fugir, evitar mais uma mágoa. E o desespero só parecia crescer ainda mais, sabendo que eu simplesmente não poderia sair dali: não só eles eram meus amigos, como meu emprego estava dependendo daquela matéria. 
Então resolvi que mudar de lado deveria bastar – ou era o que eu esperava. Andei até a outra extremidade da pista, o lado do palco onde eu sabia que não era o dele, e acomodei-me ali, esperando por eles. Algumas vezes até recebia o aceno ou um sorriso do produtor da banda, uma vez que eu e minhas amigas havíamos o conhecido antes da viagem. 
Dentro de mais alguns minutos, as luzes foram completamente apagadas e os gritos dos fãs se intensificaram de um modo que eu realmente começava a acreditar na possibilidade de sair dali com sérios problemas auditivos. Em seguida, um tipo de cartaz imenso com o nome da banda foi lentamente descendo, posicionado ao fundo do cenário, e quando alguns holofotes iluminaram o palco, três garotos entraram com seus respectivos instrumentos, enquanto o quarto deles dirigia-se com suas baquetas até a bateria. Eu vi ao que algumas meninas logo atrás de mim se esmagaram impiedosamente, esticando seus braços e berrando pelos nomes dos quatro, que acenavam ali de cima para a platéia com imensos sorrisos. Harry foi quem iniciou a contagem para o começo da primeira música da noite, batendo as baquetas uma contra a outra, e os três à frente rapidamente o seguiram. 
Ao som de I’ve Got You, os fãs dançaram e cantaram junto da banda. Eu me contentei em tirar algumas fotos e então também cantar a letra da música, sorrindo de certo modo orgulhosa por meus amigos. Meu campo de visão foi limitado em apenas observar Harry, Danny e Tom. Eu ainda não havia reunido coragem o suficiente para arriscar uma única olhadela sequer no quarto membro do grupo, mesmo sabendo que, dentro de uma hora, eu não teria outra opção. 


Fazia mais de cinco meses desde o ocorrido no aeroporto. Eu tentava não pensar naquele dia, mas em muitas ocasiões as imagens pareciam querer me perseguir e assombrar. Quando eu dormia, eu apenas sonhava com ele. Às vezes eram sonhos calmos, como uma longa seqüência de flashbacks de quando ainda estávamos juntos e os tempos eram tão mais simples; em outras, eram como pesadelos, como a imagem dele com outra garota ou então a cena em que ele me dizia com raiva nos olhos que não me amava mais. De qualquer jeito, eu achava aquilo extremamente perturbador. 
No final do sexto mês após a volta dos garotos, eu resolvi que poderia usar umas férias. Pedi licença no trabalho, arrumei minhas coisas e parti para a Escócia por duas semanas inteiras. Elizabeth e Suzana insistiam em me acompanhar, não querendo me deixar sozinha, mas eu sabia o quanto elas iriam querer levar Harry e Danny junto, e o que eu menos precisava no momento era a presença de homens. Acabei convencendo-as que não se preocupassem, que não ficaria sozinha, uma vez que havia combinado com Samantha de me encontrar lá – ela havia conseguido uma licença de seu trabalho também, mas ficaria comigo apenas por uma semana. Para mim já era mais do que suficiente. Eu podia usar muito bem um tempo a sós comigo mesma, visto que eu estava sempre rodeada por não só minhas amigas como também meus amigos, Tom, Danny e Harry, e os três me lembravam dolorosamente do quarto integrante. 
Samantha me mostrou quase todos os pontos turísticos da Escócia, e durante aquela uma semana, ela não só me apresentou aos seus novos amigos como também me levou para as principais cidades do país – Edimburgo, Glasgow, Aberdeen e até mesmo Highland para ver o Lago Ness –, e ainda me ensinou a falar algumas palavras em gaélico escocês. Em sua última noite comigo, nós fomos a um pub local com seus amigos, e por mais que tivesse deixado claro que aquela viagem era restritamente para diversão e para obviamente matar as saudades de minha amiga, Samantha insistiu em me apresentar um de seus colegas de trabalho. Eu não estava interessada – acreditava que havia tido más experiências com garotos por tempo de uma vida inteira –, até ver quem ele era. Os cabelos eram negros e os olhos de um verde tão claro que chegava a ser intimidador; os dentes brancos e perfeitos formavam um sorriso de tirar o fôlego, e o corpo era muito bem definido. Eu não era nenhuma perfeccionista ou superficial em relação à beleza, mas mesmo com toda sua perfeição, eu consegui notar um defeito: suas feições faziam-no aparentar alguém de, no mínimo, vinte e cinco anos. Não que isso fosse algo realmente ruim, mas eu sabia que preferia mil vezes um rosto mais infantil e delicado. Aquele pensamento fez lembrar-me da cena do baile, com o bartender, Pete. Conseqüentemente, lembrei de todo o resto daquela noite, mas logo forcei a imagem para fora de minha mente. Doloroso demais, eu reconheci. 
– Juh, esse é o Tyler. – Samantha havia nos apresentado com um imenso sorriso no rosto, percebendo, como todos os outros presentes, o quão surpresa eu ficara com a beleza do rapaz. – Tyler, essa é a amiga que eu comentei com você. 
– Juliet, certo? – Ele me perguntara naquele sorriso impecavelmente perfeito. Eu balancei a cabeça em afirmação com lentidão, mas sem saber ao certo como eu havia conseguido me movimentar. Tyler riu da expressão abobada em minha face e delicadamente puxou minha mão para beijá-la. – Prazer em finalmente conhecê-la. A Sam me disse muitas coisas ao seu respeito. 
Eu não consegui responder de imediato, e Samantha, notando que eu iria parecer mais estúpida do que já parecia, inventou alguma desculpa sobre irmos pegar bebidas e me puxou em direção ao balcão do pub. 
– Ele é lindo, eu sei. – Ela me disse após pedir ao bartender por duas cervejas Heineken. – Mas sabe, se você quiser parar de babar e na verdadefalar alguma coisa, sua situação melhoraria ainda mais. 
– Quantos anos ele tem? – Eu soltei sem pensar em como aquela pergunta soaria. Provavelmente não muito bem, uma vez que Samantha franziu o cenho, estranhando. 
– Vinte e um. Por quê? 
– Nada. 
– Você não gostou dele? – Ela pareceu chocada com aquela suposição. 
– Não, não, claro que gostei! – Eu tentei consertar. – Ele é... lindo! E parece ser muito educado.
– Que bom, porque eu já meio que arranjei você pra ele. 


A noite parecia correr bem, ao menos até aquele momento. Eu ainda me recusava a olhar diretamente para a imagem do Cantor no palco, e tentava me distrair através das fotos e com as músicas. Os garotos foram como sempre muito simpáticos com a platéia, soltando alguns comentários engraçados, fazendo piadas e arrancando risadas e sorrisos de cada fã presente. Na terceira música da noite, Harry olhara para baixo de modo que conseguisse me ver tirando uma foto sua, fazendo-me rir ao vê-lo estirar a língua para fora. 
E foi naquele momento em que meu plano em ignorar apenas um dos integrantes falhou. 
Ao acenar e sorrir em minha direção após eu ter tirado sua foto, Harry não notara que havia atraído a atenção de Dougie. Ele ainda não havia notado minha presença, ou então fingira não notar. Mas ao tentar procurar o alvo da brincadeira e distração momentânea de Harry, Dougie finalmente me enxergou. Meu corpo pareceu entrar em um estado de congelamento completo: uma dor gélida percorreu meu estômago, e meus braços e pernas paralisaram na posição em que estavam, incapazes de movimentos. Meu olhar também parecia congelado e fixado na reação em que eu veria vinda dele, mas eu percebi que ele parecia se encontrar na mesma condição que eu. Suas mãos não se moviam, apoiadas em sua cintura, e seus olhos, apesar de demonstrarem choque, nunca deixavam meu rosto. 
Eu senti o gosto de meu coração palpitando forte e rapidamente em minha boca. Então essa era nossa reação ao nos reencontrarmos. 
– Certo. Nossa próxima música é muito especial, então vocês têm que cantar junto. – Danny anunciou no microfone, causando mais e mais gritos vindos dos fãs. Aquilo pareceu despertar tanto eu quanto Dougie de nossos transes inertes. – Essa é Unsaid Things.
Se os membros de meu corpo já estavam antes paralisados, naquele momento eu senti que até meus órgãos haviam aderido àquele estado. Unsaid Things, eu lembro de Tom ter me dito, era a música que Dougie escrevera para mim. Um terrível e repentino mal-estar se materializou em meu interior. 
Uma calma melodia tomou início com o som de alguns violinos, e eu entrei em um ligeiro desespero. Eu nunca havia ouvido aquela música apenas pelo fato de que ele que a escrevera, e não tinha muita certeza se gostaria de ouvi-la agora. No entanto, alguma força maior que eu – e seja lá o que fosse, eu a odiava – fez com que meus pés não fossem capaz de se moverem, forçando-me a ficar naquele mesmo lugar para ouvir aquela música. 
Logo, os sons das guitarras, do baixo e da bateria se juntaram, e Tom iniciou o primeiro verso. 
This girl that moved just up the road from me, she had the nicest legs I’ve ever seen. Back then, she wrote me letters just to say she loved me, but now her face is just a memory.
Cada batida do meu coração parecia um murro contra meu peito, aparentemente querendo seguir o ritmo daquela música. Por mais que eu tentasse desviar, meus olhos ainda eram vidrados em Dougie, e eu podia claramente ver que os dele também eram fixados em mim. 
Now that seven years have gone, and I’ve grown up but she’s moved on, and somehow I’m still holding onto her. 
I’ve still got so many unsaid things that I wanna say, and I just can’t wait another day; I wish she knew. I still wait up wondering if she will remember me, but there’s no way for me to know.

Eu não sabia ao certo o que sentir ao ouvir a letra daquela canção, e, se realmente estava sentindo algo, eu não conseguia distinguir o que. Uma parte de mim achava que era até felicidade, sabendo que ele ainda se lembrava de mim tanto quanto eu me lembrava dele, mas eu tentava árdua e constantemente convencer essa parte que o frio na barriga e as fortes palpitações em meu peito não significavam alegria. 
Now she’s got pregnant with a baby; it feels like she’s slipping away from me. Now that she’s getting married, I’m in misery, ‘cause her fiancé’s so much bigger than me. 
‘Cause he works out a lot, and there’s not much that he ain’t got, and right now I’m losing the plot along with her.

Mas talvez eu estivesse errada e aquela parte de mim que acreditava estar feliz estivesse certa. A risada não-contida que eu abri àquela parte da música talvez demonstrasse isso, e o sorriso ao assistir Dougie sorrir de volta a mim em seguida apenas confirmasse. 
But I still got so many unsaid things that I wanna say, and I just can’t wait another day; I wish she knew that I still wait up wondering if she will remember me, but there’s no way for me to know. 
And I want her to know, before she’s married and has her baby, that I need her.

Meu sorriso rapidamente desapareceu de meu rosto. Eu não poderia estar sorrindo para ele e ele não poderia estar sorrindo para mim. Eu não poderia me permitir apaixonar por ele mais uma vez, ou ainda mais profundamente do que já estava e sempre estaria. Eu havia me prometido há muito tempo atrás que iria esquecê-lo, por mais difícil, por mais impossível que fosse. E eu tinha alguém na minha vida agora. Alguém que me ajudava nessa tarefa de esquecer Dougie Poynter. 
Sentindo meus olhos queimarem, eu não consegui pensar em outra coisa além de me retirar dali. Passei pelo corredor de imprensa, empurrando alguns dos jornalistas, e caminhei para fora até o estacionamento VIP em que Elizabeth havia deixado o carro, sentindo seu olhar em minhas costas durante o caminho. 
I’ve still got so many unsaid things that I wanna say, and I just can’t wait another day; I wish she knew. I still wait up wondering if she will remember me, but there’s no way for me to know.
Eu ainda ouvia a música ali de fora, apesar de abafada. Felizmente, os instrumentos pararam e a voz de Danny voltou a anunciar algo que eu não entendi no microfone. 
Eu olhei pela garagem aberta, tentando me concentrar em qualquer outra coisa enquanto observava a chuva calma descer do céu com insistência, acompanhada dos trovões ocasionais. O que eu faria agora? Eu tinha de enfrentá-lo, meu emprego dependia disso. Minha primeira entrevista e eu já estava desistindo tão rapidamente? Eu teria que lidar com aquilo dentro de meia hora e ainda controlar a urgência de gritar, chorar e, principalmente, de pular diretamente em seus braços para beijar-lhe. 


Eu não havia realmente gostado da idéia ou da intenção em que Samantha me dera como motivo para me apresentar Tyler. Eu já havia lhe dito e ainda insistia que eu não estava lá para conhecer outros caras, muito menos para ser parte de um “encontro às escuras”. Mas nada parecera sair como eu planejara. 
Quando Samantha voltou ao trabalho, mal tendo tempo para sair comigo, eu ainda estava hospedada no Express By Holiday Inn, em Edimburgo, cidade em ela e os amigos moravam e trabalhavam. Mesmo sozinha, eu fazia questão de sair para tentar me divertir e tirar minha mente de coisas em que eu andava evitando. Na terceira noite da minha última semana, eu fui até o pub perto do trabalho de Samantha, o The Burgh. Eu sabia que minha amiga provavelmente não iria poder me encontrar, mas eu ainda assim mandei uma mensagem em seu celular avisando-a que eu estaria ali. 
Mal haviam se passado meia hora desde que eu entrara no bar quando avistei um rosto familiar. Eu sabia que aquilo era obra de Samantha, afinal, quais eram as chances de Tyler resolver beber no mesmo pub que eu? 
– Juliet? – Ele me chamou, curvando-se para provavelmente ver se era eu mesma sentada ali. 
– Oi! – Eu o cumprimentei. Não iria ser mal-educada apenas pelo fato de minha amiga ser intrometida em relação à minha vida amorosa. – Tyler, certo? 
– Isso. – Ele concordou com seu imenso e perfeito sorriso na face. – O que você faz aqui sozinha? 
– A Sam tá trabalhando, então eu resolvi vir por minha conta mesmo. – Eu encolhi os ombros. Ele assentiu com um aceno de cabeça e nós ficamos alguns segundos em silêncio. – Uhm, você veio sozinho também? 
– Ninguém quis me acompanhar, mas eu vim mesmo assim. – Ele riu do modo mais simpático possível. – Você quer se sentar comigo? Eu odeio beber sozinho. 
– Bom, eu já peguei essa mesa, então que tal se você se sentasse comigo ao invés de eu ir me sentar com você? – Eu perguntei de uma maneira extremamente idiota. Ele pareceu ter achado o mesmo, porque riu da minha pergunta logo em seguida. 
– Se você não se importar, eu gostaria sim de me sentar com você. – Ele disse em mais uma risada. 
Nós conversamos durante a noite inteira, e eu me surpreendi ao ver que nossa conversa conseguia fluir facilmente, sem esforços ou momentos embaraçosos de silêncio. Eu descobri que ele havia feito faculdade para Publicidade e Propaganda, tivera apenas uma namorada realmente séria em um relacionamento de três anos, tinha uma irmã, que seu pai falecera cerca de um ano atrás e que amava animais. Eu lhe contei tudo que podia sobre mim mesma também, principalmente as coisas que tínhamos em comum, mas não tive coragem em abrir a boca para falar sobre relacionamentos, muito menos sobre ex-namorados. 
Na única vez em que eu olhei para meu relógio de pulso, percebi que havíamos conversado mais do que realmente deveríamos, uma vez que os ponteiros indicavam três horas e dezoito minutos da madrugada. Eu me despedi – e me surpreendi mais uma vez ao notar que fizera aquilo a contragosto – e concordei quando ele me perguntou se eu gostaria de ir a um restaurante novo que havia aberto na cidade. Em seguida, ele ainda insistiu em me dar uma carona até o hotel. 
Ao que eu adentrava o quarto em que me hospedava, eu percebi que aquela era provavelmente a primeira vez em que eu sorria genuína e abertamente em quase um ano inteiro. 


Eu respirava mais freqüente e rapidamente do que o necessário, tomando o máximo de ar que meus pulmões conseguissem suportar. Ao olhar no relógio, eu vi que todo aquele esforço havia sido inútil: meu coração despencou de encontro ao meu estômago e o ar antes inspirado tão insistentemente parecera ter se esvaído quando eu notei faltar exatos quinze minutos para a minha entrevista com a banda. 
Antes mesmo que eu pudesse me desesperar, eu senti o bolso traseiro da minha calça jeans vibrar com insistência. Meu coração afundou um pouco mais com o nome que aparecia na ID de chamada. 
– Ty? – Eu chamei, receosa. 
– Oi, amor? 
– Tyler, aonde você tá? – Eu voltei a chamar, tentando ignorar a sensação que me vinha toda vez que ele me chamava de amor. Eu só havia chamado uma pessoa assim, e acho que não conseguiria usar a mesma palavra para qualquer outro garoto. 
– Desculpa, a ligação está péssima! – Ele me disse. – Como é o nome do lugar mesmo? 
– Wembley Arena. – Eu lhe informei. – É na Arena Square, em Middlesex. É só parar pra perguntar, qualquer um vai saber onde é. 
– Certo, eu acho que não devo estar longe. Eu te ligo quando chegar, okay? Amo você. 
Eu me senti extremamente mal por fazer aquilo, mas covarde do jeito que era, acabei desligando antes de respondê-lo. Eu apenas esperava que ele houvesse pensado ser algum problema na ligação para que não ficasse chateado pela minha incrível falta de coragem e ainda maior falta de consideração. 
Eu mal havia guardado o celular de volta no bolso quando o mesmo voltou a vibrar. 
– Juliet, aonde você tá? – A voz de Elizabeth berrou do outro lado da linha. 
– Uhm, no estacionamento. 
– Estacionamento? – Ela repetiu visivelmente confusa. Ouvi a voz de Suzana repetir a mesma coisa ao fundo. – O que você tá fazendo aí? 
– Eu vim... – Me esconder do Dougie e tentar fugir do nosso futuro reencontro. – Tomar um ar? 
– Larga de ser besta e vem pra cá logo! – Ela ordenou. – Eles já saíram do palco e você tem que entrar no camarim, lembra? 
Eu fechei os olhos por alguns instantes, sentindo meu coração voltar a palpitar erraticamente e a sensação gelada soprar em meu estômago. Eu tinha que estar preparada para aquilo. 
– Juh? 
Eu ainda não a respondi. Passeei meus olhos ao meu redor e vi que havia uma entrada logo ali ao lado que dava acesso direto aos camarins. 
– Eu estou indo pra lá agora, Eliza. – Eu lhe disse. – Te encontro em alguns minutos, okay? 
Ela concordou e eu rapidamente desliguei. Procurei em minha bolsa por tudo que eu precisaria usar e já os deixei em mãos: câmera, gravador e meu bloquinho de notas. Mais uma vez eu voltei a inspirar e expirar exageradamente, tentando fazer com que o ar entrasse de maneira mais uniforme em meus pulmões e controlasse os socos de meu coração contra meu peito. E, finalmente, me dirigi até a porta. 
O corredor até os camarins era longo, então eu tive tempo o suficiente para tentar me acalmar e convencer a mim mesma que eu estava apenas sendo dramática até demais. Mesmo sendo a primeira vez em três anos que eu realmente ficaria frente a frente a ele, olhando em seus olhos e provavelmente sendo inundada por um flashback de antigas emoções e sensações que ele costumava me causar, eu tinha de me relembrar que aquilo era restritamente profissional. Com isso, ao parar em frente à porta com os dizeres “McFly”, eu tentei me convencer que era apenas uma jornalista e ele, apenas uma celebridade qualquer que eu estaria entrevistando. E então eu bati à madeira com dedos trêmulos. 
– PEQUENA! – Tom foi o primeiro a me saudar, tendo aberto a porta e me abraçado assim que me viu parada em sua frente. – QUE SAUDADE! 
– Tom, eu... anh, Tom? – Eu tentei chamá-lo em meio àquela esmagação. – Tom, eu não consigo- 
– Ah, certo, desculpe. – Ele sorriu divertido e me pôs de volta no chão. – Entra aí, senhorita jornalista! 
Eu rolei os olhos e ri de seu comentário infeliz. Em passos lentos, me permiti adentrar o camarim, observando os sofás de couro posicionados contra a parede, os espelhos sobre os balcões repletos de objetos inúteis – desde escovas de cabelo até embalagens de comida e cabides de roupa – e a mesinha de centro, que continha, no mínimo, cinco tipos diferentes de porcarias – chocolates, cervejas, pizzas. 
– Vocês comem pizza até antes de entrarem no palco? – Eu perguntei sem conter a risada. Eles realmente não haviam mudado em nada. 
– Depois. – Harry respondeu, surgindo de uma porta ao fundo que eu achei ser o banheiro. – Se a gente comer antes pode dar dor de barriga, aí já viu, né... Oh, olá! 
– Vocês são péssimos. – Eu lhe disse, rindo ainda mais alto. Ele me acompanhou e logo me puxou para um abraço tão esmagador quanto o primeiro. 
– Fica à vontade aí, pequena. – Tom me disse após beijar o topo da minha cabeça. – Sinta-se em casa. 
– Com toda essa nojeira, eu acho bem difícil. 
Eu empurrei algumas das embalagens vazias que se espalhavam pelo sofá, abrindo um espaço para que pudesse me sentar. Tom entregou-me uma cerveja e Harry se jogou ao meu lado. 
– Uhm, cadê... os outros? – Eu tentei generalizar para evitar dizer o nome de Dougie, e me senti ridícula por isso. 
Harry mal havia tido tempo de me responder quando mais três figuras surgiram pela porta de entrada do camarim. Danny vinha primeiro, carregando duas sacolas nas mãos que continham uma exagerada quantidade de garrafas de cerveja. Os outros dois que o seguiram, no entanto, fizeram meu estômago revirar em um mal-estar que eu jamais sentira na vida. 


No meu último dia na Escócia, Samantha havia me levado ao aeroporto de Gatwick para o meu vôo, e, nos acompanhando, Tyler. Eu havia ficado surpresa quando ele me perguntara se também poderia ir para se despedir de mim, mas também me senti ligeiramente contente. Nós havíamos passado aquela minha última semana em Edimburgo juntos; ele me levava para todos os outros lugares da cidade que Samantha não tivera tempo de me mostrar, e insistia em me convidar para restaurantes chiques e românticos, nunca me deixando pagar uma única libra pela conta. Eu começara a ficar cada vez mais confortável ao seu redor, e resolvi parar de tentar compará-lo com Dougie após perceber que isso parecia me deixar estranhamente triste e até decepcionada. Eu resolvi que iria me permitir aproveitar, para variar. 
Alguns minutos antes de eu ter que embarcar, Samantha anunciou com extrema indiscrição que precisava ir ao banheiro, deixando-nos sozinhos. Eu não sabia muito bem o que dizer naquele momento, e apenas senti uma incrível vontade de seguir minha amiga para matá-la. Tyler, por outro lado, parecia saber as palavras certas para me tirar do constrangimento. Ou não exatamente palavras. E, ao invés de constrangida, eu passei a ficar exageradamente envergonhada, mas ainda assim me sentia feliz. Ele havia segurado minha mão com delicadeza, entrelaçando nossos dedos, e dado alguns passos para frente em uma aproximação perigosa. Eu, obviamente, ainda permaneci calada e imóvel, sentindo as maçãs de meu rosto em chamas. E então, mesmo com as claras e óbvias indiretas, eu me vi pega de surpresa ao que seus lábios tocaram os meus em um beijo calmo e ainda gostoso. Não tendo mais o controle de minha própria mente naquele momento, a imagem de Dougie surgiu em meus pensamentos, e eu me lembrei do nosso próprio beijo. Eu apertei minhas pálpebras uma contra a outra, tentando afastar aquela memória não mais bem-vinda, e fui a primeira a me distanciar dele com cautela. Ele olhou dentro dos meus olhos, e, para não parecer que eu não havia apreciado sua atitude ou para que não notasse minha repentina perturbação, sorri. 


– Eu subi no bar pra pegar mais cerveja porque as nossas tavam... – Danny ia dizendo até parar para levantar o olhar e abrir um imenso sorriso ao me ver sentada ali. – PEQUEEEEENA! 
– Hei, desde quando você a chama de pequena? – Tom berrou, observando a figura de Danny correr em minha direção e pular no sofá sobre mim eHarry. – Pode parando de chamar ela assim, ouviu? 
Eu estava paralisada demais para corresponder à felicidade de meu amigo, e ainda tinha quase certeza de que eu me tornara tão pálida que parecia estar passando tão mal quanto eu me sentia. 
Dougie havia parado imóvel à porta, provavelmente se sentindo do mesmo modo que eu – ao menos era o que pareceu, já que eu via seu rosto perder a cor normal. Seu braço, antes envolvido na cintura da menina que o acompanhava, foi retirado bruscamente e posicionado ao lado de seu corpo, como se quisesse disfarçar a cena que eu havia visto. 
– Juh? – Eu ouvi a voz de Tom me chamar de algum lugar distante em minha mente. 
– Licença. 
Eu empurrei o corpo de Danny com delicadeza – não proposital, mas pelo fato de estar sem forças – para o lado e me levantei do sofá, passando pelo casal ainda parado à porta e acidentalmente esbarrando na garota em minha saída apressada. Eu andei em passos rápidos pelo corredor, mas mal consegui alcançar a saída antes de precisar parar e me apoiar na parede para respirar. 
– Cara, o que ela tá fazendo aqui? – Eu ouvi a voz de Dougie ainda do camarim. 
– Nada, Dougie. – Tom respondeu com rispidez. 
– Como nada? – Ele insistiu. Eu arrisquei olhar para trás para ver metade do corpo de Tom parado na porta; seu braço era puxado pelo que eu achei ser a mão de Dougie. – Primeiro eu vejo ela na platéia e agora ela tá aqui no camarim? Por que você não me avisou que ela vinha, Tom? 
– Amor, o que tá acontecendo? – A garota ao lado de Dougie perguntou. Eu senti mais uma pontada dolorosa na boca do estômago à menção da palavra amor
– Uhm, nada não, Hannah. – Ele a respondeu. – Olha, você se importaria de ir com o Harry procurar a Elizabeth? Ele tava querendo ajuda pra achar ela. 
Ninguém disse nada, mas eu vi ao que a garota passou por Dougie e Tom, e, antes de se retirar, se inclinou para beijar Dougie nos lábios. Ela então seguiu um Harry aparentemente desesperado. 
– Tom, por que você não me avisou que ela vinha? – Dougie repetiu, e eu pude sentir uma ligeira mudança no tom de sua voz. – Você sabe que eu iria querer saber, eu iria querer falar com ela e- 
– Exatamente por isso, Dougie. – Tom rebateu mais uma vez seco. – Eu não quero que você fale com ela de novo, eu não quero que você a magoe de novo, e eu nem quero você perto dela. 
Dougie não respondeu, parecendo estar completamente sem palavras. 
– Você é um dos meus melhores amigos, cara, mas eu nunca vou te perdoar pelo que você fez com ela. 
Tom lançou um último olhar significativo a Dougie e rapidamente lhe deu as costas. Antes que pudesse virar para algum dos lados do corredor, ele conseguiu me enxergar ali, apoiada na parede, prestando atenção em sua conversa. 
Ele correu em minha direção, esticando ambos os braços para me segurar. Eu apenas levantei a mão e o parei. Eu não estava e não era fraca para que ele precisasse me consolar daquele modo, por mais que apreciasse sua preocupação. Ele me encarou com olhos suplicantes e entrelaçou sua mão à minha, e eu avisei que estava bem apenas por movimentos labiais. Ao fundo, eu vi quando Dougie deu um passo também em minha direção, e, automaticamente, eu dei um passo para trás. 
– Juh! – Eu ouvi a voz de Suzana atrás de mim. Agradeci-a mentalmente, pois Dougie rapidamente recuou. 
– O que tá acontecendo? – Elizabeth perguntou, já se posicionando às minhas costas e intercalando seu olhar entre eu, Tom e então parando emDougie. 
– Nada. – Eu lhe disse sem muita convicção em minha voz. Girei os tornozelos para que pudesse encará-las de frente, e me surpreendi ao ver que Tyler estava ali, encarando-me com preocupação nos olhos. 
– A gente achou ele perdido lá fora. – Suzana explicou em um tom divertido. 
À menção de sua presença, ele abriu um imenso sorriso e correu para envolver seus braços em mim. 
– Você tá bem? – Ele me olhou mais uma vez preocupado e beijou minha testa. – Você parece meio pálida. 
– É o meu bronzeado natural. – Eu tentei brincar, sorrindo-lhe fracamente. – Você teve algum problema pra achar aqui? 
– Não muito. Eu fiz o que você pediu e parei pra perguntar, e, bem, todo mundo realmente sabe onde a Wembley Arena fica. Depois foi fácil pra achar. 
Tyler sorriu mais uma vez e então me beijou delicadamente nos lábios. Em seguida, parecendo notar as outras presenças ao nosso redor, ele levantou o olhar e esticou a mão, cumprimentando Tom, ao lado. 
– E aí, cara. Foi bem de viagem? 
– Sossegado. Eu dormi a maior parte do tempo desde que o avião saiu de Edimburgo. 
Eu senti que aquela conversa tão casual não parecia combinar com o clima relativamente estranho que havia se postado ali desde minha saídateatral do camarim, mas ninguém além de Tom, Dougie e eu mesma pareceu notar aquilo. 


Eu achei que nunca mais iria ver Tyler de novo. Não que eu precisasse, mas eu tinha de admitir a mim mesma que ele me fizera bem, como eu não me sentia há um bom tempo. Dois meses passados, no entanto, eu também começava a admitir que fora apenas um “caso de verão”, por mais clichê que soasse. 
Uma semana e meia antes do meu aniversário, Samantha chegara em Londres, e eu e as garotas havíamos ido buscá-la no aeroporto. Ela me disse, no caminho para casa, que meu presente iria chegar na manhã do dia em que eu faria vinte anos, e, mesmo não entendendo, eu agradeci. Às dez e trinta e sete daquela manhã que ela mencionara, eu entendi o que quisera dizer. 
– Tyler? 
– Uhm, surpresa? – Ele tentou, sorrindo de lado de maneira envergonhada. 
Eu não havia entendido o porquê de Samantha me dar aquele tipo de “presente” – talvez ela tivesse adivinhado o quanto Tyler havia me feito bem depois de Dougie, ou então eu mesma deixara aquilo bem exposto –, mas eu realmente a agradeci. Ele havia sido uma grande ajuda e distração quando, na noite da minha festa, eu vi Tom, Harry e Danny passarem pela porta do meu apartamento desejando-me feliz aniversário, mas não avistei um indício de Dougie. Nem mesmo um cartão ou qualquer recado entregue por um de nossos amigos. Talvez alguma parte de mim ainda acreditava que ele se importava o bastante para aparecer em meu aniversário, mesmo sabendo que poderia levar xingo. Ou talvez eu apenasquisesse que ele fosse a pessoa mais superior entre nós dois, e aparecesse porque simplesmente sentia minha falta. Qualquer que fosse, eu sabia que estava errada e ainda dolorosamente desapontada. 
Naquela noite, eu e Tyler ficamos novamente. Não que eu pudesse chamar um beijo de despedida de “ficar”, mas acho que havia significado algo. Quando todo mundo já havia ido embora, ele insistira em ficar para me ajudar a arrumar as coisas, junto de meus amigos. 
– Hei, vem cá. – Ele me chamou, e eu parei de varrer o canto da sala para me encontrar com ele. – Eu queria te contar uma coisa. – Eu estranhei o mistério e esperei em silêncio, mas ele apenas acariciou a pele da minha bochecha com as costas de sua mão. – Bem, eu... eu meio que recebi essa proposta no trabalho, e eu tava pensando em aceitar. 
– O que é? – Eu perguntei, não agüentando a enrolação que ele fazia. 
– Eu acho que fui promovido, sabe. 
– Você acha? – Eu ri. 
– Não, eu fui promovido. – Ele assentiu firmemente, arrancando mais uma risada de meus lábios. – A empresa quer que eu me mude aqui pra Londres. 
Em uma resposta automática, meus olhos se arregalaram e minha boca congelou em um meio sorriso. 
– Isso é... ótimo! 
– Bom, meu salário realmente ficou maior. – Ele brincou, mas desta vez eu não consegui rir. – E eu gosto daqui. Não é tão frio quanto Edimburgo. E, bem... eu ficaria mais perto de você. 
– Isso é... ótimo! – Eu repeti ainda mais uma vez, sentindo-me a pessoa mais idiota do planeta. 
– Eu não quero forçar nada, Juh, sério. – Ele tentou me tranqüilizar, percebendo que eu realmente não havia achado outras palavras além de “isso é ótimo.” – Quero dizer, a gente não se conhece há tanto tempo, mas... não sei, eu gosto de você. E eu queria te conhecer melhor, sabe? Passar mais tempo junto. 
Eu estava prestes a responder “Isso é... ótimo!” pela terceira vez, mas algo em sua voz me fez parar para pensar. Ele realmente demonstrava gostar de mim; era carinhoso, divertido e me fazia bem, além de ser extremamente bonito. E, naquele momento, ele realmente estava sendo sincero.
– Tyler, eu não posso decidir isso por você. Se você acha que deve aceitar o emprego, então aceite. – Eu lhe disse, medindo com cuidado minhas palavras. – Mas... – Naquele exato segundo, eu o vi abaixar a cabeça e suspirar pesadamente, e percebi o quanto suas palavras de antes haviam sido verdadeiras. Eu levantei seu queixo e sorri antes de continuar. – Mas eu iria adorar se você pudesse mesmo morar aqui. 
– Sério? – Ele me perguntou descrente, sorrindo de orelha a orelha. 
– Sério! 


Harry já havia retornado ao camarim assim que Tom ligou em seu celular para lhe avisar que Elizabeth e Suzana estavam conosco, e a garota que havia o acompanhado também estava de volta. Eu havia me sentado com Tyler e minhas amigas no sofá, e vi as duas entreolharem-se em choque quando a loira se postou ao lado de Dougie e lhe beijou mais uma vez os lábios. Eu mantive meu olhar em meus sapatos pela maior parte do tempo, tentando ignorar a cena, e apenas levantava a cabeça para me comunicar com o resto do grupo. 
Mesmo sentindo o clima ainda pesado e estranho, eu resolvi prosseguir com a entrevista. Elizabeth e Suzana levaram Tyler e a tal Hannah, namorada ou ficante – eu fingia que aquilo pouco me importava – para o bar no andar de cima, enquanto os quatro garotos se sentaram em minha frente. Eu deixei a câmera sobre a mesa de centro, liguei o gravador e apoiei meu caderninho sobre meu colo, segurando a caneta com uma mão trêmula. Eu então lhes fiz as perguntas já escritas, e durante a maior parte da entrevista, Tom, Harry e Danny soltavam alguma piada ou resposta engraçada na tentativa de amenizar o clima, mas eu mal ria de nenhum delas. Dougie manteve-se calado o tempo inteiro, e só respondia em murmúrios apenas quando os garotos chamavam sua atenção ou mencionavam seu nome. 
Eu finalizei a entrevista com a mesma falta de ânimo que começara, mas me senti aliviada simplesmente por ter conseguido a matéria que precisava. Assim que guardei minhas coisas, Tom ligou para as meninas para que elas, Tyler e Hannah nos encontrassem de volta no camarim; Harry e Danny sentaram-se ao meu lado, oferecendo-me uma garrafa de cerveja; e Dougie se acomodou a um canto do cômodo, escrevendo algo em um pedaço de papel. Nenhum dos meninos se preocupou em perguntar-lhe o que ele fazia, e ele já parecia ter acabado em tempo de sua namorada/ficante voltar. 
– Então, o que vocês querem fazer? – Elizabeth foi a primeira a quebrar o silêncio da sala. – Vamos sair? 
– Por mim... – Suzana encolheu os ombros ao que brincava com os dedos de Danny, entrelaçados aos seus. 
– Uau, calma, gente! Empolgação demais! – Tom ironizou. 
– A gente podia ir naquela boate que inaugurou. – Harry sugeriu. – É aqui perto. 
– Vamos! – Danny concordou, o único na verdade empolgado. – Vamos sair e encher a cara, como nos velhos tempos! 
A maioria do grupo riu – com a óbvia exceção de Dougie e eu mesma – e logo se levantaram, apanhando suas coisas e discutindo quem iria no carro de quem. Eu continuei sentada, ainda encarando o chão, e não fiz menção alguma de me juntar à idéia de meus amigos. 
– Hei. – Tyler me chamou em um sussurro, de modo que só eu pudesse ouvi-lo. – Tá desanimada? 
– Um pouco. – Menti. – Mais cansada. 
– Quer ir pra casa? – Ele me perguntou, acariciando minha mão com as pontas dos dedos. 
– Não, eu vou na boate se você tiver a fim de ir. 
– Por mim, tanto faz, contanto que eu esteja com você. – Ele piscou para mim, rindo. – Vamos, a gente pode passar alugar algum filme e ficar comendo pipoca em casa mesmo. 
Eu sorri em agradecimento e me levantei junto dele. Joguei a bolsa de qualquer jeito no ombro e esperei meus amigos terminarem a discussão, sabendo que levaria sermão por não acompanhá-los. 
– Combinado então! – Elizabeth anunciou quando eles finalmente haviam decidido quem dirigiria. Ela se virou para mim e sorriu animada. – Vamos? 
– Erm, então, sobre isso... – Eu comecei, observando o sorriso em seu rosto murchar aos poucos. – Eu e o Tyler vamos pra casa mesmo. Eu to meio cansada e nem um pouco a fim de sair. 
– Velha. – Danny bufou em meu ouvido. 
Suzana rapidamente o acertou com um tapa na cabeça e em seguida sorriu daquela mesma maneira doce e preocupada. Ela então me abraçou e sussurrou “fique bem” em meu ouvido, fazendo-me sentir a pessoa mais vulnerável e patética do quarto. Elizabeth a copiou, abraçando-me ainda mais forte, e assim que me soltou, Tom seguiu as duas primeiras, esmagando-me em seus braços. 
– Eu também quero! – Danny berrou, empurrando Tom do caminho e também me abraçando. Eu o agradeci mentalmente por ter conseguido me fazer rir. 
– Ah, já que é assim... – Harry fez o mesmo que os outros quatro, arrancando mais risadas ao redor. 
– Tá bom, chega de abraços. – Eu empurrei Danny, que já vinha de braços abertos para me abraçar mais uma vez. – Me liguem amanhã caso vocês forem fazer alguma coisa, certo? 
Eles concordaram em uníssono, e assim que Tyler terminou de se despedir – Danny fez questão em também lhe dar um abraço –, nós deixamos o camarim e passamos a caminhar pelo corredor em silêncio. Eu não só estava desanimada como também absorta em pensamentos, e Tyler, provavelmente percebendo isso e querendo respeitar minha falta de vontade em conversar, apenas entrelaçou sua mão à minha e continuou andando ao meu lado. 
Quando nós alcançamos a saída que levava ao estacionamento, eu ouvi meu nome ser chamado, e, ao me virar, avistei a última pessoa que eu esperava correndo para tentar me alcançar. 
– Juh! – Dougie insistiu. 
Eu paralisei no lugar, e minha mão automaticamente apertou a de Tyler com mais força. 
– Será... uhm, que eu... poderia falar com você um instante? 
Tyler levantou o olhar para mim, apesar de eu continuar congelada na mesma posição. Quando meus sentidos foram aos poucos retornando, eu retribuí seu olhar e apenas assenti com um aceno de cabeça. 
– Tudo bem. – Eu lhe disse. – Você pode me esperar no carro? 
Eu o vi concordar meio a contragosto, e em seguida me beijou os lábios antes de seguir em direção à vaga que havia estacionado. Eu esperei até que ele estivesse fora de vista para me dirigir a Dougie. 
– O que foi? – Perguntei em um sussurro fraco e baixo. 
– Seu namorado? 
– E isso por acaso te interessa? 
– Interessa. – Ele abaixou o olhar para o chão, e ao seguir seu movimento, percebi que ele segurava em uma das mãos um pedaço de papel dobrado. – Eu preciso saber se ele te faz feliz. 
– Você precisa saber? 
– Preciso. 
Eu não o respondi de imediato. Não entendia o motivo de sua atitude e muito menos de sua pergunta. 
– Bom, vejamos... – Eu fingi pensar, tentando achar as piores palavras para magoá-lo, mesmo sabendo que me sentiria mal depois. – Ele se mudou pra cá basicamente por minha causa e quando voltou pra Escócia nas férias pra visitar a família, não me chifrou. Então é, eu acho que ele me faz bem feliz. 
Se eu realmente desejara magoá-lo, naquele momento eu percebi que havia conseguido. E, como esperado, o sentimento de culpa me tomou logo em seguida. 
– Bom, é isso que importa. – Ele disse no mesmo sussurro fraco e sem vida que o meu há minutos atrás. 
– O que importa? 
– Que você esteja feliz. 
– Por que você tá fazendo isso, Dougie? – Eu perguntei após algum tempo em silêncio onde eu tentava entender aonde ele queria chegar com aquela conversa. Minha voz falhou mais do que eu esperava, e eu senti meus olhos queimarem por causa das lágrimas. – O que você quer de mim? 
Ele deu alguns passos para frente até que nossos corpos estivessem próximos o bastante para que eu pudesse sentir sua respiração fraca e desuniforme. Com a visão tão próxima de seus olhos, eu me encontrei mais uma vez imóvel, e quando meu cérebro me mandou recuar, eu não consegui obedecê-lo. 
– Isso. – Ele sussurrou em uma proximidade perigosa, e antes que eu conseguisse entender o que estava acontecendo, ele selou seus lábios com os meus. 
Depois de tanto tempo, eu percebi que sentir o seu gosto era o que eu realmente havia necessitado. Eu imaginei que se eu houvesse cedido no aeroporto, três anos atrás, e o beijado quando o vi atravessar os portões, eu provavelmente nunca teria tido a coragem de dizer o que disse e terminar tudo. Nós provavelmente estaríamos juntos naquele exato dia, e eu nunca teria de passar por tudo que passei. Porque estando ali agora, beijando-o pelo que pareceu a primeira e a última vez, eu percebi que ele era tudo o que eu mais precisei. Por todo esse tempo, era sempre ele, e sempre seria. 
Eu permiti que as lágrimas escorressem livremente de meus olhos, fazendo o caminho pela minha face e juntando ao gosto doce que os lábios deDougie possuíam. Minhas mãos seguraram seu rosto com certo desespero, procurando prendê-lo ali junto a mim para sempre. Eu senti seus braços envolverem minha cintura com violência, forçando nossos corpos a praticamente se fundirem em um só. Tudo ao meu redor desapareceu, e as únicas pessoas que existiam em todo planeta era eu e ele. 
Quando o ar começou a nos faltar, nós nos distanciamos alguns míseros centímetros e eu automaticamente solucei alto. Ele me segurou com mais força, como se não quisesse me deixar escapar, e encostou sua testa à minha, mantendo os olhos fechados. 
– Eu te amo. – Ele sussurrou com a voz falha e embargada. – Sempre amei e sempre vou amar. 
Meu soluço foi ainda mais forte, e eu cobri minha boca com a mão na tentativa de me controlar e reprimir os futuros soluços. 

– Eu só quero que você seja feliz. – Ele completou, finalmente abrindo os olhos e permitindo-me ver suas lágrimas presas ali. Ele então estendeu sua mão para mim, e eu pude ver novamente o papel que ele segurava. Eu o encarei sem entender. – Prometa que vai ler quando estiver sozinha.  Eu assenti com vários acenos frenéticos de cabeça, e ele selou nossos lábios em mais um beijo, dessa vez mais rapidamente. Quando nos separamos, ele pressionou os dedos com violência contra os olhos, e eu percebi que ele havia se permitido chorar. Em passos lentos e a contragosto, ele se distanciou de mim.  Eu escorreguei pela parede assim que ele havia sumido de meu campo de visão, sentando-me no chão e pondo-me a chorar com mais vigor. Afundei o rosto nas mãos e desejei mais do que qualquer outra coisa que ele voltasse, mas não havia barulho algum além do meu próprio choro desesperado. Tentei então me controlar e observei o bilhete que ele havia me entregado. Abri-o com pressa e tentei ler as palavras escritas através dos meus olhos extremamente marejados. 

I’ll pretend that I’m kissing the lips I am missing, and hope that my dreams will come true. 
And I’ll send all my loving to you. 

Forever, my Cinderella.


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Notas finais do capítulo

Bem... É o fim né? ;x
Eu demorei demorei mas ela findou >.<'
Perdão pessoal minha vida Off anda muito cheia @_@''
Agradeço a todos que acompanharam a fic *------*
Bejo pa tudim e um muito obrigada *-*



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