Após a chegar em casa, como de costume, foi direto ao computador. Já era de se esperar muitas e muitas mensagens, todas com desejos para si. Infelizmente, sabia que aquilo era apenas uma forma de mostrarem que eles sabiam do dia, mas não se pronunciariam a aparecer, afinal, quem era ela naquele apartamento alugado, vivendo com seus dois gatos e sem contato com a família ou amigos? Ela era somente uma pessoa na qual o mundo declara como "invisível".

Levantou-se da sua cadeira, que não era muito confortável, estava ali apenas para ter um lugar para sentar, mas antes colocara um jazz melódico para não sentir a solidão, andou em direção a cozinha e serviu-se do melhor vinho que tinha, o gosto era divino, do que mais gostava, suave e tinto, nunca foi boa com o álcool mas hoje era a ocasião perfeita para exagerar um pouco, seguiu para a sacada que mesmo sendo pequena, a confortava em momentos como aquele. Admirou a paisagem, os carros passando, o barulho irritante que as motos faziam e até mesmo o som do vento frio que passava por seu rosto e gelava suas bochechas. Ficou ali... Quieta e observadora...

Tornou a cozinha e serviu-se novamente com mais vinho, indo logo depois ao banheiro e preparando um banho quente, preparou velas, sais de banho e tocou mais uma vez a água para conferir se estava tudo pronto, não queria nenhum desconforto para aquele momento, somente ela e ela, nada mais. Despiu-se, colocou a taça junto a garrafa deixando próximo a ela e entrou na banheira, sim, aquilo ela denominava como um momento perfeito, sentindo a pele se aquecer e o álcool começar a fluir em seu sangue... Era a hora...

Ao lado, seus comprimidos, bem especificados nos rótulos para não serem ingeridos com qualquer bebida alcoólica e sempre na hora e dosagem certas, não importava, aquilo não lhe apavorava mais. Deitou o recipiente em sua mão, deixando cair bem mais que o recomendado, aliás, muito mais do que esperava, somente os jogou garganta abaixo e tomou mais um gole, dessa vez, para dar certo mesmo. Já tentará outras vezes, todas em vão, mas dessa vez, a ocasião era bem mais séria, teria que dar certo de qualquer jeito. Olhou para a gaveta da penteadeira ao lado, abrindo-a, tinha seu instrumento de tortura favorito, na qual sempre que a lamina tocava sua pele a sensação de alivio era indescritível, não excitou, tirou o pequeno objeto de dentro da caixa de madeira e começou a novamente a se machucar, mas ao invés de linhas opostas, escreveu o que mais queria dizer a todos, em letras grandes até demais para seu braço pequeno e já judiado tantas vezes, surgiam mais cicatrizes e sangue com a palavra: B Y E.

Não demorou muito para que começasse a sentir o efeito dos remédios, a dor e o enjoo que tomara conta dela, eram aliviantes, estava triste e ao mesmo tempo contente, finalmente tudo ia acabar não é? Após tantas tentativas frustradas... O som da música começou a ficar mais baixo, suas pálpebras começaram a ficar pesadas e a vista cada vez mais escura, sentiu o corpo ficando mais leve e descendo na banheira até ficar totalmente submerso pela água ensanguentada. Em seus últimos minutos, apenas algumas coisas lhe passaram a mente, a única pessoa que realmente amara um dia, seus pais que nunca a entendiam, a formatura, a fuga de casa, os irmãos que um dia foram de confiança, pessoas que se denominavam amigos e por fim, a única coisa que pensara o dia todo, desejando a si mesma antes de perder o fôlego e perder totalmente os sentidos... Feliz aniversário para mim...