Crônicas dos Descendentes: A Escolhida -DEGUSTAÇÃO escrita por Bea B Pereira


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Eles passaram uma semana em casa. Tive que fingir que gostei da companhia deles durante todo esse tempo. À medida que os dias passavam, fui percebendo que estava errada sobre Michel também, ele é infantil ao extremo, conversar com ele é o mesmo que falar com Caleb. Gabriel também não deixou boas impressões, seus comentários egocêntricos e o orgulho com que ele falava do acontecimento do baile me deixavam enjoada.

Chad cresceu bastante nesse período e, coincidentemente, o número de gatos e ratos daqui diminuíram consideravelmente. Consegui fazer com que o dragão só saísse para se alimentar durante a noite, quando todos estavam dormindo.

Escolho um dos vestidos para usar hoje. Lúcia, outra criada antiga da casa, disse que temos outro convidado nesta manhã. Minha mãe e eu conseguimos convencer Marge a tirar alguns dias a mais de folga. O enterro de Abigail foi há dois dias, e o que mais me incomodou foi o fato de todos dizerem que sua morte foi um trágico acidente.

― Não foi um acidente. ― As palavras saem da minha boca como por impulso.

Pego o vestido que está mais perto e começo a me vestir. Olho de relance para o dragão e vejo-o próximo demais da janela, e, como ele ainda não aprendeu a voar, eu o chamo para perto.

Você pode falar comigo pela mente se quiser ― fala uma voz na minha cabeça. É a voz de um garoto, nem muito fina, nem grave.

O vestido cai no chão, e eu me aproximo do dragão. Seus olhos azuis me encaram intensamente.

Chad? Como é possível?

Você sabe como é possível. Já ouviu as histórias do seu pai...

Tudo bem, eu as ouvi, mas você só tem uma semana.

Sou um prodígio como você, já que só deveria saber bordar e cozinhar ― diz ele, irônico.

Mal nasceu e já está assim? Só roubou minhas características negativas ou pegou as boas também?

Peguei algumas boas também. Então, o que terei para comer?

Pego o vestido caído do chão e começo a me trocar.

Você fica aqui, não chame a atenção de ninguém. E não faça mais nenhuma nova idiotice.

Eu só tinha um dia ― fala ele na defensiva.

Vou até a penteadeira e escovo o cabelo.

Agora que você é seis dias mais velho, não faça nada que eu não faria ― digo, sorrindo, exagerando para baixo propositalmente.

Ironia só cai bem em mim, Luna.

Comporte-se ― digo, me dirigindo à saída. Fecho a porta e a tranco, escondendo a chave entre as dobras do vestido, como ando fazendo desde aquele acidente da cozinha.

Desço as escadas devagar e, quando chego ao salão para comer, percebo que Lúcia poderia ter sido um pouco mais generosa nos detalhes quando disse que tínhamos um convidado. Sentado à mesa, no lugar do meu pai, está ninguém menos que o próprio rei.

Faço uma reverência e me sento no único lugar vago, do lado esquerdo do rei.

― Sebastian, sua filha está mais bela do que eu recordava.

Você está com a adaga na bota, mate este homem. ― Dou um pulo com a voz. Céus, eu ainda não me acostumei com isso!

Ficou maluco? Eu não tenho arma nenhuma. E acha mesmo que isso adiantaria? Olhe os guardas. Não conseguiria fazer nada e sair daqui ainda viva. Ainda por cima, tem minha família e você que eu preciso proteger.

Tudo bem, já entendi... Eu estou com fome, vou dar uma volta.

Fique onde está. Se o rei está aqui, os soldados estão por perto e...

― Deseja manteiga, Luna?

― Não, obrigada, Vossa Alteza. Prefiro ficar só com as frutas. ― Para provar meus argumentos, encho meu prato com uvas e morangos.

Como de maneira natural, forçando uma calma absurda. Ficar ali e comer sossegada são exatamente o contrário do que eu quero fazer. Minha vontade é deixá-los, como deixei os dois idiotas, e correr até Chad.

Consigo perceber que os olhos do rei não desgrudam de mim. Ele me encara sem piscar, com seus olhos que me lembram dos de um rato, juntos e pequenos, completamente negros. Seu rosto em geral lembra o de um rato: nariz longo e arrebitado, a boca fina e quase sem carne, e o rosto fino que deixam as bochechas alongadas. Seu cabelo negro cai até a altura dos ombros. Sinto que ele me avalia silenciosamente.

― Diga-me, Luna, quantos anos você tem?

― Tenho dezessete, senhor.

― Já está em idade para se casar ― diz ele, sorrindo. ― Tenho certeza de que, com esses belos olhos, tem vários pretendentes.

― Eu...

― Luna, minha filha, já terminou de comer? ― pergunta minha mãe.

― Sim, mãe.

― Então vá se preparar para sair.

― Sair? Aonde vamos?

― Apenas precisa saber que deverá estar linda ― responde o rei.

Faço uma reverência e saio contrariada. Ao chegar ao meu quarto, vejo Chad deitado em cima da minha cama, com um animal morto no chão.

Não me diga que você comeu isso na minha cama.

É claro que não. Esse eu trouxe para você.

Com a barra do vestido, pego a carcaça e jogo para fora da minha janela.

Eu já comi.

Ele solta uma fumaça preta e se ajeita no armário, que já está ficando pequeno. Sem falar mais nada. Vejo cada um dos vestidos. Por fim, decido vestir um cinza-escuro, com detalhes em dourado e vermelho. As mangas são compridas e se abrem em uma boca de sino. Minha cintura e meu colo ficam demarcados, enquanto a saia é mais rodada. Coloco um colar mais sofisticado por cima do que uso normalmente. Tenho que conter as lágrimas ao me lembrar do colar, é um copo-de-leite feito de prata que Abigail me deu quando fiz quinze anos. Ela ficou envergonhada por ser tão simples, mas é minha joia favorita.

O broche do primogênito está espetado por cima do meu seio direito. Ele também, da flor, incrustado com esmeraldas e pérolas. É de costume que o primogênito de cada família receba o símbolo da casa em um objeto. Normalmente, quando o primeiro filho é um menino, o símbolo é incrustado na primeira espada, e quando é menina, o meu caso, é feita uma joia.

Infelizmente, tenho que trocar as botas confortáveis por sapatos de salto completamente impossíveis de andar. Minha adaga é recolocada em uma bainha que prendo na coxa direita.

Eu vou sair, não faça nenhuma besteira. Volto assim que possível.

Ele não me responde. Reviro os olhos e saio do quarto.

Os outros estão me esperando já no estábulo. Vejo que arrumaram a carruagem e que os nossos melhores corcéis a puxam.

― Você está feia ― fala meu irmão, se aproximando.

― Se olhou no espelho quando terminou de se arrumar? ― digo, sorrindo.

Ele mostra a língua e corre para a carruagem.

― Você está bonita, querida ― fala meu pai, me dando um beijo na testa.

― Obrigada, pai ― digo. ― Também está muito bonito.

Ele usa o uniforme completo. O símbolo do coração em chamas transpassado pelas duas espadas do rei reluz em vermelho sangue em cima da armadura negra. Sua espada estava em sua cintura, e até mesmo a bainha é daquelas que ele só usa em momentos especiais. Ele leva o capacete no braço direito.

― Onde estamos indo?

Ele morde os lábios antes de me responder, deixando de me encarar.

― Você logo saberá. Vá entrando.

Acontecerá alguma coisa. Alguma coisa ruim. Meu pai é um péssimo mentiroso e, da mesma maneira que consegue ler-me, eu consigo lê-lo. Ele está me escondendo alguma coisa, mas eu o obedeço. Entro na carruagem e sento-me ao lado de Caleb.

Minha mãe entra logo em seguida. Ela usa um vestido verde, com nosso símbolo bordado em fios dourados. Em seu pescoço, brilha um colar com esmeraldas. Seu cabelo está preso em um coque para cima, decorado com uma rede de renda.

Ela examina minhas roupas, e eu endireito minha postura.

― Fez uma boa escolha, querida.

― Obrigada, mãe.

Meu pai e o rei também sobem na carruagem, e, em poucos minutos, começamos a andar.

A cidade não é muito longe do nosso palácio. As casas perto do palácio são arrumadas e grandes e pertencem aos mais ricos. A carruagem vai em direção à praça principal, onde a catedral aos Senhores se ergue majestosamente em direção ao céu. As quatro torres, apontando para os quatro pontos cardeais, são destinadas aos quatro Senhores. E as duas portas opostas são destinadas à Mãe Lua e ao Pai Sol.

No hotel da vila, estão montados um palco improvisado com um trono em veludo vermelho, destinado ao rei, e outras três cadeiras, destinadas a nós. A praça está completamente lotada de pessoas. E isso me assusta.

Por conta de todo o povo ali, a carruagem não consegue mais avançar. A porta se abre, e vejo os soldados do rei criando um cercado entre nós e o povo. Minha mãe tampa a boca e o nariz com um lenço rendado antes de sairmos. Pego na mão de Caleb. Ele pode ser uma peste quando estamos sozinhos, mas, devido ao número elevado de pessoas ali, ele aceita minha mão de bom grado.

O rei e meu pai são os primeiros a descer, e escuto vaias e xingamentos. Também consigo escutar os gritos de dor. Abraço Caleb e espero que o soldado diga que podemos descer. Minha mãe vai primeiro, cercada por uns cinco soldados.

― Não solte a minha mão ― digo.

Ele assente, e nós dois descemos da carruagem. O cheiro do esgoto se mistura ao de suor e sangue recém-derramado. Os guardas nos cercam, mas não conseguem nos proteger dos xingamentos.

Caminhamos entre o povo, de vez em quando vejo os soldados acertando a espada em alguém. Assim que chegamos ao palco, minha mãe nos examina e me faz endireitar a postura.

― Sentem-se, senhoras ― ordena o rei.

Minha mãe me pega pela mão e me puxa até a cadeira em que me sento. Caleb senta-se ao meu lado, enquanto meu pai permanece em pé ao lado da cadeira do rei.

O homem se levanta, e a praça fica imediatamente em silêncio.

― Cidadãos de Lubawn, estou aqui com pesar no coração. Uma semana atrás, uma das filhas dessa gloriosa cidade foi morta por traição. ― Meu coração bate ainda mais acelerado. ― E, ainda por cima, ela trabalhava diretamente com a família Areaes. Isso prova que a traição pode vir de qualquer lado, portanto vim terminar o serviço. Afinal, não podemos deixar impune a família de um traidor.

Marge é trazida por soldados, acorrentada.

Suas roupas estão rasgadas, e seu rosto está repleto de hematomas. Seu cabelo foi cortado curto. Ela é colocada de joelhos na frente do rei.

― Mulher, essa é sua última chance de dizer onde sua filha escondeu os planos.

― Eu não sei ― choraminga ela. Seus olhos se voltam para meu pai. ― Senhor, por favor, diga que eu nunca fiz nada.

Meu pai vira o rosto. E escuto o som surdo do tapa que o rei dá no rosto dela.

― Tragam minha espada.

― O quê? ― Não consigo conter esse impulso.

Fico em pé e me interponho no caminho do soldado que traz a espada. O rei me encara.

― Tem alguma coisa a dizer, senhorita Areaes? Lembre-se de que ela é uma traidora.

Seus olhos de rato avisam para eu recuar, mas já cruzei a linha, não adianta parar agora.

― Majestade, peço que tenha misericórdia desta mulher. Meu irmão nasceu pelas mãos dela, e ambos fomos cuidados por ela. Ela nos viu crescer.

― Nesse caso... ― Ele faz sinal para o homem atrás de mim. Ele passa por mim e entrega a espada para o rei, que em seguida a coloca nas mãos do meu pai. ― Esse é o dever do homem que foi cego o suficiente para entregar seus filhos às víboras. ― Mais baixo, ele completa: ― Mate-a.

Um comando direto. Com o Juramento de Sangue que meu pai fez para permanecer vivo, ele não pode recusar. O Juramento de Sangue é uma magia antiga, anteriores aos Senhores. É um dos poucos feitiços que ainda é lembrado pelos humanos. Suas consequências são pesadas. Se não obedecer ao que foi jurado, a magia irá compeli-lo, indo até as últimas consequências para isso, até mesmo a morte.

Meu pai dá um passo à frente, e vejo o rosto de Marge empalidecer ainda mais. Ele tira a espada da bainha, e vejo que ela aceitou seu destino. Escuto meu irmão chamar seu nome baixinho.

Meu pai levanta a espada acima da cabeça. Tento correr em sua direção, mas duas mãos fortes me seguram. Lágrimas escorrem enquanto grito o nome dela. A espada desce.

A armadura dele fica manchada de vermelho, o palco fica sujo de sangue, e o corpo inerte de Marge é empurrado em direção à multidão pelo rei.

Paro de me debater, e o guarda me solta.

***

O caminho de volta é um borrão. Não sei como cheguei em casa e nem o que fiz até dormir.

A única coisa que me lembro é de sentir o calor reconfortante do meu dragão durante a noite.

No dia seguinte, Lúcia me acorda. Eu a mando para fora aos gritos. Racionalmente, sei que estou sendo uma megera em descontar nela, mas nesse momento, eu não consigo agir de maneira racional. As lágrimas novamente escorrem, é minha culpa Marge e Abigail estarem mortas. Chad se aproxima e encosta sua cabeça na minha coxa.

Você não poderia ter feito nada.

Poderia, sim. Eu poderia ter lutado, enfiado a adaga nele como você sugeriu.

E agora, não só Marge estaria morta, como você, eu, seus pais e Caleb.

― Luna, sua mãe está mandando você descer ― diz Lúcia, com receio na voz, sem abrir a porta.

― Já vou descer. ― Faço uma pausa. Se está difícil para mim, para ela também está. ― Me desculpe pela grosseria.

Escuto apenas duas pequenas batidas como resposta. Coloco um vestido qualquer e prendo meu cabelo em um rabo de cavalo alto, calço as botas e coloco a adaga que estava embaixo do meu travesseiro na bota direita.

Não saia daqui, por favor.

Desço as escadas e me sento à mesa de banquetes. Como com tranquilidade, sem olhar para o rei que continua aqui, nem para meu pai.

Assim que termino, minha mãe me dispensa, e eu vou direto para minha rotina: aula de montaria, pintura, línguas e bordado. Algumas aulas de dança, em que devo admitir que sou péssima, e minha aula preferida, esgrima, com meu pai. No entanto, não estou tão animada assim para encontrá-lo.

Depois das aulas para me tornar uma dama, volto ao meu quarto para me trocar. Vejo que Chad não está. Bufo de raiva, não foi só o sarcasmo que ele herdou de mim. Depois de alguns minutos o esperando, ele volta pela janela, agarrando a parede como uma lagartixa.

Onde infernos você estava?

Estava me exercitando. Não se preocupe, não chamei a atenção de ninguém.

O rei está aqui. ― Volto minha atenção para o armário, para pegar a roupa. ― O rei que eu deveria ter jurado lealdade e que matou Marge e Abigail. Elas morreram para te proteger, então, por favor, quando eu disser para você não sair, não saia.

Sinto muito, Luna ― diz ele.

Reviro os olhos.

Eu não consigo ficar brava com você, só tenha cuidado com essas suas saídas.

Ele assente.

Troco o vestido por roupas melhores: uma calça preta e uma blusa surrada. Saio do quarto e ando até o ginásio, no entanto, quando abro a porta, uma densa fumaça entra em minhas narinas.

― Pai? ― pergunto, tossindo.

― Seu pai não pôde vir, está resolvendo uma questão diplomática. Ele me pediu para treiná-la. ― O moreno de olhos pequenos sai do meio da fumaça, assim como o rosto de um dragão preto como os olhos do homem. ― Luna, quero que conheça Durna, um dos dois últimos dragões.

Faço minha melhor cara de surpresa, e ele parece acreditar.

― Então, menina, me mostre o que seu pai te ensinou.

Com uma reverência, tiro a espada que estava presa na parede, e ele faz o mesmo, continuando imponente. Tenho vontade de já começar a atacá-lo, mas contenho esse impulso, e começamos a nos rodear, vou primeiro avaliar o tipo de oponente que ele é.

Seu corpo não parece estar tenso. Ele anda com passos firmes, mas mesmo assim, seu rosto o entrega: ele está impaciente.

Você pode matá-lo aí mesmo, acidentes acontecem.

Você consegue ver isso? Onde você está?

Eu estou vendo através dos seus olhos, sabichona. Cuidado!

Eu mal tenho tempo de desviar da lâmina e a vejo passando pela minha bochecha. Ele desfere mais alguns golpes, mas eu já volto para o momento presente.

Desvio de um golpe que era destinado ao meu peito e bloqueio outro que deveria rasgar meu ombro. Minha espada dança junto com a dele, enquanto nos revezamos nos golpes.

Percebo que ele tem golpes firmes, mas ele repete sempre a mesma sequência. Ainda assim, ele não é o tipo de oponente que você subestimaria.

Quer ajuda?

Você consegue me ajudar? ― pergunto, enquanto bloqueio outro golpe.

Ele não me responde, apenas sinto sua energia se juntar à minha, aprimorando meus sentidos, aumentando minha força e agilidade. A luta de espadas segue por um longo tempo. Estamos praticamente empatados, ambos suando e com as respirações rasas.

Em um momento, quando tenho a vantagem, acerto a espada em seu ombro, abrindo um corte. Aquilo faz com que eu me sinta um pouco melhor; Ele sangra como um homem, logo pode morrer como um. Dou outro golpe que deixa nossas espadas unidas. Nesse instante, a boca do homem se abre como se tivesse sido surpreendido, e, de súbito, o dragão preto se levanta e, com a calda, acerta minha barriga, me jogando alguns metros para trás. Bato as costas na parede. Aquilo faz com que eu perca o ar.

Sinto a raiva do meu dragão se somar a minha quando vejo o sorriso falso do rei. Ele usou o dragão porque estava perdendo. E perdendo para uma garota.

― Me desculpe, criança, Durna às vezes faz isso. ― Ele estende a mão para me ajudar a levantar. Eu me levanto sozinha, e ele continua com o tom de falsa cordialidade. ― Você luta bem para uma menina, é rápida e forte. ― Suas palavras parecem gentis, mas percebo que ali existe uma mensagem escondida. Porém, eu não consigo compreendê-la.

― Obrigada, senhor ― digo.

Ele olha para o dragão, e um silêncio pesado paira sobre o ambiente. Meu sangue ferve nas veias. Toda a minha força de vontade está em não acertar a espada no coração dele.

Depois do que parece uma eternidade, ele volta a me encarar. Embora sua postura mostre que ele está relaxado, posso ver a instabilidade em seus olhos. Ele não está tão tranquilo como aparenta.

― Durna acha que encontraram outro ovo.

― Ovo? Ovo do quê? ― Tento tirar todo o sarcasmo das minhas palavras, mas pelo sorriso que ele dá, eu acredito que falhei.

― Não banque a estúpida comigo, criança. O ovo de um dragão.

― Achei que isso era apenas uma lenda.

― Acredite quando digo, menina, algumas lendas podem ser reais. E meu dragão acredita que ele está próximo. ― Ele vira de costas para mim. ― Durna acredita que era isso que aquela sua babá rebelde e a filha dela estavam escondendo.

― Abigail ― murmuro.

― O quê? ― pergunta ele, se virando.

― Os nomes delas eram Marge e Abigail.

Ele dá dois passos em minha direção, ainda segurando a espada. Forço meu corpo a parecer relaxado.

― Sabe, Luna, seus olhos são realmente muito bonitos. Nenhum dos seus pais tem olhos assim.

― Minha avó tinha esses olhos ― digo, na defensiva.

― Sua avó? Interessante. ― Ele vira de costas para mim, perdido em seus próprios pensamentos. Depois de alguns segundos, volta a falar: ― Está dispensada, Luna.

Faço uma reverência e saio apressadamente da sala.

Você acha que ele sabe sobre nós? ― pergunto, com preocupação crescendo em meu peito.

Improvável, mas Durna sentiu quando nasci. Isso pode ser um problema. O que você acha melhor fazermos?

― Luna, que bom que te encontrei!

― Mãe? O que você quer?

― Vim te entregar isso. ― Ela tira o papel de trás das costas e me entrega. ― Acabou de chegar, veja de quem é. ― Ela sorri como uma adolescente.

Pego a carta da mão dela e leio o nome de Michel Riverblack.

― Acho que ele gostou de você.

― Obrigada, mãe.

Continuo caminhando, e ela me segue.

― Obrigada? Só isso? Abra para vermos.

― Você já sabe minha opinião em relação ao casamento.

― Pode pelo menos fingir que está feliz.

― Estou tão feliz ― respondo, irônica.

― Você é impossível ― diz ela.

Ela já estava voltando para o corredor, porém o barulho de algo caindo a traz de volta.

― O que foi isso?

― Deve ter sido o vento, devo ter deixado a janela aberta.

Outro barulho.

― Luna, tem alguém ali dentro.

― O quê? Não tem nada.

Ela caminha até a porta, mas eu me coloco na frente.

― Mãe, não é nada.

Mais uma caixa caindo. Ela me empurra para o lado e abre a porta.

Ela grita. Um grito alto e agudo. Empurro-a totalmente para dentro do quarto e tapo sua boca.

Ela para de gritar, mas seus olhos ainda estão tomados de medo.

― Mãe, eu vou tirar a mão da sua boca. Promete não gritar mais?

Ela assente. Devagar, tiro a mão, e ela me encara chocada.

― Ele... Ele... É um dragão.

― Mãe, esse é Chad. ― Encaro o dragão que já está do tamanho de um cachorro de porte grande.

― Quando você o achou?

― Na noite que Abigail morreu.

― Você esteve com Abigail?

― Foi por ele que ela foi morta.

― Pelos deuses, Loony. ― Ela cai sentada na cama. ― Ela foi morta por traição, assim como Marge. Isso não fez você parar para pensar no que acontecerá com você se não fazer o Juramento? ― Ela passa a mão na testa. ― Seu pai já sabe?

― Ninguém sabe, mãe. Ninguém pode saber.

― Luna. ― Ela se levanta e segura minhas mãos. ― Você precisa fazer o Juramento.

― Eu não posso. Mãe, você viu como o povo está, viu o que ele fez com Abigail e Marge. Eu não posso, eu não consigo jurar fazer tudo que aquele monstro mandar.

― Minha filha, se não fizer o Juramento de Sangue, ele vai te matar como fez com todos os outros montadores. Para seu bem e para o de todos nós, você deve ser fiel ao seu rei.

― Mãe...

Ela solta minha mão e vira as costas para sair do quarto. Tento chamá-la mais uma vez, mas ela simplesmente não se vira.

A porta se fecha. Não tenho tempo a perder, corro até o meu armário e pego a minha mochila. Encho-a com roupas, toalhas e alguns produtos de higiene pessoal. Pego minhas armas debaixo da cama e as coloco em meu corpo. Pego também a comida e todas as minhas economias que deixo na gaveta da cabeceira. Troco minhas roupas por outras mais quentes e coloco uma capa que cobre todo meu corpo e ainda tem um capuz.

Entre aí ― digo ao dragão, apontando minha mochila.

Vai ficar pesado para você.

Chad, não é hora de bancar o fresco. Os soldados já devem estar a caminho, entre logo!

Ele entra, e, como ele disse, a mochila fica pesada, mas será por pouco tempo Saio do quarto, indo em direção aos estábulos. Ninguém presta muita atenção em mim, com o rei aqui, o trabalho triplicou. Assim que chego, o vassalo estranha minha presença e minhas roupas.

― O que deseja, senhorita Areaes?

― Saia daqui e esqueça que meu viu.

― Mas, senhorita...

― Faça o que eu disse. Agora.

Ele corre para fora. Espero que não o machuquem por isso. Começo a correr até o curral de cada cavalo, abrindo todas as portas e fazendo-os se movimentar. Assobio e vejo meu corcel vir até mim. Ele ainda continua selado.

Monto rapidamente e começo a galopar em direção à Floresta Perdida. Assim que passo pelos cavalos dos guardas, eu corto as cordas que os prendem, e eles começam a causar a confusão que eu queria. Aperto ainda mais as botas ao redor do corpo de Nevasca.

Para onde vamos? ― pergunta o dragão.

Para Henkun.

Onde é isso?

A última cidade em que qualquer um iria me procurar. A última cidade que os guardas entrariam.

E por que isso?

Porque ela está fora do governo de Werneck. E não tem uma fama muito boa.

Qual é a fama de lá?

A de sempre. Bandidos armados até os dentes, ladrões... Típicos habitantes do Norte.


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