Vingança escrita por KodS


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa é minha última fic do mês (yeyeye!!!) e é a mais diferente. Espero que gostem
Sei que disse que ia postar ontem, mas tava tão gripada que nem conseguia me mover na cama :(



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Eu me lembro como se fosse ontem. Estava sentada em uma pedra afiando uma ponta de flecha. Era uma coisa feia e rústica de madeira e pedra, uma coisa simples que aprendera ainda criança como fazer.
Estava me preparando. Conferi a minha aljava mais uma vez, estava cheia. Era bem familiar à espada e colecionava vitórias em lutas corpo a corpo, mesmo contra o exército real, mas preferia não me arriscar com o que faria.
Por anos cacei homens muito maiores e mais fortes do que eu, mas dessa vez seria diferente. Nesses casos, tudo costumava ser rápido e limpo, mas não era o que queria dessa vez.
Armei o arco e prendi uma flecha na corda. Puxei até a altura de minha orelha e mirei na árvore. Não havia qualquer flecha ali, mas um alvo tosco fora pintado e era ali que mirava.
A flecha voou em linha reta por um tempo que variava entre milésimos de segundos e atingiu o alvo quase 10 centímetros acima do centro.
— Pensei que não errava mais — respondeu um homem grande como um urso puxando o objeto da madeira — Quase dez centímetros. Devo me preocupar?
— Caso não tenha percebido, não era onde estava mirando — tinha com um ar rude em minha voz. Haviamos tido uma discussão na noite anterior. Ronan era contra minha missão, mas era algo que nunca iria deixar de lado, minha vingança fora a razão da minha vida por mais tempo do que qualquer um poderia pensar.
Ele encarou o alvo débil contra o qual treinava desde que chegara em suas mãos. — Se você acha que vou mata-lo de primeira está muito enganado — resmunguei tirando a arma das mãos grossas e calejadas e meu instrutor.
Odiava discutir com ele, mas era algo que precisava fazer por mim. Não podia seguir em frente sem aquilo. Muitas vezes poderia parecer infantil, mas era meu orgulho, minha vida.
— Nyssa — ele falou em tom moderado, um tom tão indefeso e cansado que não me permitiu resistências quando a me virar para encara-lo. — Sabe que sou contra sua partida, por mim iria para as ruínas — Estava pronta para a batalha com uma aljava presa ao lado esquerdo do quadril e a bainha do lado direito onde repousava uma espada que ganhara em seu aniversário de 13 anos. Ronan nunca me contou como havia conseguido aquele presente, mas sabia, sempre soube.
Abri a boca para protestar, mas ele logo ergueu a mão indicando que ainda não terminara de falar.
— Mas eu entendo sua necessidade — disse com calma segurando meus ombros com delicadeza. Era inevitável abaixar os olhos diante de sua preocupação, afinal, era o homem que me criara. — Da aldeia onde vim — ele começou escorregando a mão para pegar algo no bolso de sua túnica larga e grosseira — Sempre me disseram que dá azar começar uma jornada sem uma benção.
Nesse momento ele envolveu meu pescoço com um grosso cordão de couro trançado de forma desajeitada para alocar um pingente de metal feito com uma ponta de flecha. Era uma ponta antiga com uma pequena e brilhante pedra negra. A marca de quem procurava. Algo que me manteria focada.
Lembrava-me do dia que o encontrara com Ronan.

Caminhava segura logo a frente de meu protetor, bem diferente da garota que havia sido anos antes. Tinha uma aljava pequena e um arco para treinar.
— Você precisa aprender a se proteger — fora a primeira coisa que Ronan dissera quando me viu de olhos abertos. Ainda era uma criança quando o conhecera, mas frente a deplorável situação em que ele me encontrou tinha certeza que precisaria aprender a me defender por conta própria.
Já haviam se passado quatro anos desde então e não havia hesitação nos em meus movimentos. Alguns diriam que era graciosa feito uma garça, esvoaçando de uma ponta a outra, ágil e silenciosa como uma raposa, mas para mim era apenas precisa, me escondendo da vista de qualquer um e a espreita do melhor tiro. Armava o arco, apontava e acertava. Havia aprendido rápido, mesmo que na época não soubesse nem segurar uma espada de madeira. Eu só começaria a treinar para isso meses mais tarde.
Corri mais rápido em frente à meu protetora, ciente de seus passos em meu encalço, indo em direção a uma clareira.
Era apenas uma criança aprendendo na época, não tinha paciência para escutar à minha volta e só confiava em meus olhas, porém os olhos podem enganar e de longe a clareira parecia vazia e silenciosa, mas Ronan tinha uma audição mais treinada e percebeu o perigo. Não lembro ao certo do que aconteceu, apenas dos braços largos empurrando meu corpo esguio para o chão. A dor em minhas costelas fora insuportável, apesar de não lembrar de ter quebrado qualquer uma. E agora, não muito longe, podia ouvir o som dos passos e das vozes que ainda me atormentavam à noite.
A caça as bruxas avançava cada vez com maior velocidade para dentro daquele território esquecido. Muitas mulheres morreram, mulheres que se julgavam seguras: Curandeiras, parteiras e mesmo algumas agricultoras que sabiam “demais” sobre as plantas e a terra.
A movimentação continuava. As vozes se exaltaram. Havia uma mulher, era tudo que ele sabia e eu também. Ela gritou por socorro.
Minha primeira reação fora puxar uma flecha de minha aljava, sabia que poderia acertar aqueles bastardos de onde estava, mas Ronan balançou a cabeça e apertou-me mais contra seu corpo, impedindo minha movimentação.
A mulher gritou, um homem a segurava com os braços para trás. Lembro que sua próxima ação fora me puxar para seu colo, escondidos contra uma árvore enquanto sua mão segurava meu rosto, tapando meus olhos. A mulher gritou e logo uma nova movimentação fora ouvida. Os homens gritavam e uivavam como lobos saindo de uma caça. Estavam feliz e se embriagariam em uma taberna qualquer.
Quando tudo acabou e a mão de Ronan deixou meus olhos, nem ao menos olhei para ele ou para o lugar onde haviam assassinado uma mulher a sangue frio, apenas corri para o lago, o mais rápido que minhas pernas aguentavam. Eu o conhecia, não precisei vê-lo, conhecia sua voz fria como o aço, mas agora conhecia sem rosto e para na minha idade, parecia o rosto do medo.
Não sei ao certo explicar, mas conheço cada um dos movimento de Ronan naquele dia. Posso ver com clareza como ele se aproximou do corpo inerte que mantinha seus olhos abertos para o céu e uma flecha firmemente enterrada em seu peito. Posso ver as mãos grossas fechando as pálpebras daquela estranha com cuidado, quase uma prece silenciosa e então puxar a flecha com a ponta de metal ainda brilhando enfeitada com uma pequena pedra negra.
Se soubesse melhor, diria que ele sempre soube que daquele momento em diante caçaria o dono daquela flecha como um animal.

Como uma caçadora experiente eu aprendi diversas coisas: como rastrear um alvo, como me aproximar de forma furtiva, técnicas de interrogatório e já fui colocada em algumas situações bastante complicadas. Qualquer um que nunca tenha passado por isso pode criar a ilusão de que não há momentos tediosos em uma vida como essa, porém é dessa forma que se separa o caçador profissional de um mercenário, afinal há algo muito mais importante que qualquer coisa: A Paciência.
E essa sempre era a pior parte. As primeiras horas de viagem eram sempre as mais terríveis por conta dessa espera e da expectativa de que algo acontecesse, que alguém aparecesse, de que houvesse uma pista para seguir.
Ao fim do primeiro dia montei acampamento em uma floresta próxima a um entreposto comercial. Pela manhã eu buscaria informações por lá.
Acendi uma fogueira com algumas madeiras podres e mofadas que encontrei pelo caminho e me preparei para dormir, mas o sono nunca vinha fácil nesses dias. A verdade é que sempre preferi ficar acordada a noite. Talvez fosse algo com Ronan, cuidar o máximo de mim para dar a menor quantidade de preocupação possível, afinal é mais fácil emboscar alguém adormecido.
Já era tarde da noite e a lua ia alta quando dei graças aos céus por estar acordada.
O estardalhaço de passos pesados e metal encheu a floresta de repente. Em um reflexo rolei para o lado, a mão apoiada na aljava.
O arco não deveria estar muito mais longe e nem minha espada, porém a espada é muito pesada para um ataque furtivo e o arco só serviria para matá-los exatamente de onde estava, mas naquele momento era melhor não arriscar. Parecia um bando de homens e matar um chamaria mais atenção do que me manter escondida, pelo menos até que estes se provassem uma ameaça.
Tinha um pé firmemente posicionado contra o chão enquanto o outro repousava esticado com o joelho sustentando o peso, mantive cabeça abaixada sob uma moita encarando a escuridão com olhos semi cerrados.
Para isso meus cabelos negros sempre me foram úteis, uma vez que ficavam imperceptíveis em meio as sombras da escuridão. Em minha mão repousava a flecha rústica de pedra e madeira, pronta para o ataque se alguém viesse para cima, mas o barulho se dissipou enquanto os homens trilhavam seu caminho para dentro da floresta.
Ergui a cabeça rapidamente para averiguar a minha situação e um par de olhos duros como a ponta de minha flecha encontrou os meus em meio a escuridão, no mesmo momento senti o perigo. Não deveria ter sido vista.
Eu pude sentir a aproximação deles pelo farfalhar das folhas. Me abaixei ainda mais contra a moita. Era uma estupidez. Mesmo que não me vissem, o fogo me entregaria. Mesmo assim permanecia agachada, protegida pela sombra da folhagem. Ele continuava a se aproximar. Os outros homens uivavam de bêbados, os galhos arranhavam meus braços e meu rosto, mas aquele homem estava focado em me encontrar.
Ao pular a vegetação ele se encontrou de costas para mim e foi então que ataquei. A ponta da flecha pressionando a jugular, evitando apenas por centímetros que ele perdesse sangue.
— Onde está seu líder? — perguntei em voz baixa. Os amigos provavelmente já haviam notado sua falta, logo voltariam para procura-lo.
Ele não respondeu minha pergunta, porém deve ter pensado o mesmo que eu, pois a última coisa que fez foi gritar para chamar a atenção dos companheiros e logo o grupo estava sobre mim, minha única opção foi cortar a garganta do homem.

Eu lembro do dia em que recebi minha espada de Ronan.
Eu tinha completado meus 12 anos muito recentemente. Os ‘exterminadores’, como eram conhecidos os caçadores de bruxa, passaram a fazer rondas mais frequentes e como se para me proteger Ronan me mantinha o mais afastada possivel da aldeia próxima.
Não me importava com isso. As crianças do vilarejo, antes minhas amigas, se tornaram um aborrecimento quando perceberam que minha habilidade com arco e flecha superava a dos garotos mais velhos, tudo porque as meninas pensavam em mim como um praga e os rapazes, bem… lembro bem de minha dizendo: “Quando homens conhecem uma mulher superior a eles, em força ou coragem, só atuam de duas maneiras: ou a seguem para se mostrar superior ou a desprezam para evitar sua grandeza”.
Nunca havia entendido aquelas palavras, mas agora, vendo como todos me tratavam eu compreendi cada uma.
Foi em um desses dias, enquanto nos dirigíamos para a aldeia. Ronan e eu. Quando ele notou um exterminador vindo em nossa direção. Ainda não estávamos longe de casa e o capacete que o exterminador usava lhe danificava bastante a visão, ainda mais da distancia em que se encontrava. Meu protetor não perdeu qualquer tempo em me enviar de volta para nossa choupana de madeira.
Ao longe eu podia ouvir o retinir do metal contra metal. Me mantive encolhida junto a parede, tremia de medo de perde-lo também. Demorou horas para que ele voltasse, ou fora o que me pareceu encolhida ali. Porém trouxera consigo uma espada, grande demais para mim.
— Você crescerá, pequena Nyssa. — disse quando protestei sobre o tamanho — Mas por hora continuaremos treinando com seu toco.
Não discuti. Ele tinha o rosto ferido por uma pancada, um corte raso no pescoço e o sangue, se de cortes escondidos ou do inimigo não saberia dizer, manchava a túnica branca; ele também suava e eu sabia que a luta havia sido difícil. Não era hora de perturbá-lo com preocupações inúteis.

A luta corpo a corpo foi algo que normalmente dispensaria, principalmente nas condições que estava. Não tenho qualquer intenção de mentir aqui por isso admito que minhas habilidades de luta corporal se limitavam a no máximo dois atacantes por vez, de preferência algum tipo desajeitado com a arma ou bêbado, e com bastante dificuldade. Então imagine o meu desespero ao ver um grupo de cinco homens com três vezes o meu tamanho e muito melhor equipados se aproximar, destruindo a moita na qual me escondia anteriormente.
Eu ainda tinha a vantagem de tê-los bêbados, mas ainda assim não parecia uma vantagem muito boa quando tudo o que tinha em mãos era uma flecha rústica.
Soltei o corpo morto no chão enquanto um dos amigos agarrava meus ombros por trás eu primeiro instinto fora cravar minha arma contra o pescoço do homem que cambaleou e tombou no chão. Não havia tempo para lutar contra os outros. Eles continuavam a se aproximar cambaleantes por efeito da bebida e com os olhos queimando na expectativa de uma batalha.
Eu mesma cambaleei para trás. Se ao menos pudesse pegar minha espada. Se ao menos tentasse.
Com um chute certo consegui erguer meu arco no exato momento em que um dos bêbados ergueu a arma para mim. Talvez eu houvesse errado minhas possibilidades. Eram muitos homens grandes, mas o tamanho os tornavam lentos e a bebida diminuía sua sincronia.
Ergui a arma para me defender. O aço de boa qualidade criou rachaduras na madeira. Ele desceu a sua em diagonal na esperança de acertar as minhas costelas, mas consegui ser mais rápida, deslizando o arco para o ponto de impacto da espada. Mais ranhuras se formaram, assim não aguentaria muito tempo e ainda tinha três outros homens com quem lutar.
Aproveitei minha posição para acerta-lo na barriga com o arco, então chutei-o entre as pernas e quando se abaixou acertei sua cabeça na esperança de derruba-lo e ganhar algum tempo.
Olhei de soslaio para a direção dos atacantes, um havia parado para socorrer o amigo com a flecha cravada no pescoço e os outros dois se aproximavam com rapidez.
Me abaixei apenas para pegar as duas primeiras flechas que toquei. Eles estavam mais próximos. Não tinha tempo de ajustar a mira de forma que a flecha passou raspando contra o ombro de um. Armei a segunda, mirei o melhor que pude no mais perto e acertei seu coração.
O homem que nocauteei voltou a se levantar, enquanto o parceiro corria em seu auxilio. Mais um golpe na cabeça serviu para derrubar aquele. O outro foi mais complicado.
A espada se chocou contra o arco de baixo para cima. Enquanto me defendia consegui engatar meu pé no vão entre a lamina e o cabo da minha própria, um chute foi o suficiente para ergue-la em uma altura que podia pegar.
Senti o aço frio contra as minhas mãos e pude respirar mais aliviada. Com uma finta rápida bati o cabo contra o punho do adversário, fazendo-o derrubar sua arma e girando o punho consegui acertar o outro na cabeça com a parte afiada da lamina, justo quando encontrava seu equilíbrio pela segunda vez. Uma fenda rasa se abriu na cabeça.
Nesse meio tempo o outro havia recobrado sua espada. Bloqueei o primeiro golpe, sua segunda tentativa fora alta, fazendo com que se descuidasse da guarda baixa e me dando brecha para acerta-lo com a espada que atravessou o estômago, fazendo-o cuspir sangue. Meu pé se encarregou de derruba-lo e retirar a espada.
Foi nesse instante que senti o sangue correr de um talo profundo em minha perna.O homem que havia acertado na cabeça se recuperara. Não conseguira se levantar, mas tinha força e consciência de como me atacar. Se aquele golpe houvesse sido um palmo mais para cima, teria sido derrubada. Você não vai querer saber onde a espada fora enfiada, mas garanto que seu rosto não ficou bonito após isso.
Me aproximei do que havia se mantido afastado da luta e, pasma, percebi que não era um guerreiro.
Era possivel dizer que a armadura era muito maior que seu usuário apenas pela forma desajustada que ficava. Sua musculatura real não se comparava mesmo com a minha estatura esguia. O pescoço era fino, deixando proeminente o pomo de adão e os braços eram longos e magricelos, mesmo sob as grossas camadas de roupa. Era apenas um noviço e não deveria ter mais que 14 anos.
— Vai me levar até seu mestre — ele acenou com a cabeça e a vergonha correu pelas minhas veias. Ele estava com medo, foi quando a vergonha me correu nas veias.
Aos 14 anos Ronan não me deixava ver tanta morte.
Eu não tinha o direito de fazer isso com aquele rapaz.

A cada passo que dávamos nos afastávamos mais e mais do lugar onde fora criada e nos aproximávamos do fim da minha missão. A missão que governou a minha vida durante mais de 15 anos. Era inevitável imaginar o que faria a seguir, mas toda vez que pensava em seguir em frente eu lembrava dela.
O motivo de toda a minha raiva era a morte da minha mãe. Mesmo depois de todo o tempo que ela partiu as pessoas me perguntam como ainda lembro dela .
Eu tinha nove anos. Não era uma criança de colo e essa é a parte mais dolorosa. Minha mãe foi minha heroína e para sempre lembraria dos longos cabelos negros e os olhos azuis, e vê-la toda a vez que encarava meu reflexo não ajudava.
Mas não era isso que a tornava a grande inspiração da minha vida. Minha mãe era uma mulher guerreira. Criou a mim sozinha e ainda cuidava das pessoas em nossa vila, era uma curandeira respeitável de forma que todos os dias saia pela manhã para coletar ervas para seus emplastros.
Eu lembro desses dias. Eram as melhores manhãs que já tive em minha vida. Não que não gostasse de passar as manhãs com Ronan, mas enquanto ele me levava para treinar na floresta, as manhãs com minha mãe eram cheias de luz, cor e risos. Gostava de correr na beira do rio, às vezes entrava com a água até as coxas e coletava aquelas plantas que se escondiam no fundo enquanto meus pés resvalavam nos seixos do fundo.
Naqueles dias eu sempre sabia que podia contar com seu sorriso pelas manhãs ao acordar e antes de dormir. Eu sabia que ela estaria lá quando precisasse.
Ronan era bom cuidando de mim, mas às vezes parecia estar distante demais para ser alcançado. Nesses dias eu caminhava até a casa onde vivi com minha mãe e me enrolava nas cinzas, esperando reter o resto do espírito dela.
Era estranho perceber que isso estava acabando, era como perder o resto daquela mulher que ainda permanecia comigo.


Caminhamos até uma aldeia próxima ao amanhecer. Era onde os homens haviam deixado seus cavalos. O resto da viagem havia sido bem mais rápida do que eu esperava, a ponto de quase relevar as paradas frequentes que o jovem precisava para descansar. Ele se manteve calado por um longo tempo, não falava comigo. Na verdade nem ao menos me encarava, isso não me incomodava de verdade, mas em algumas noites os silencio me incomodava. Uma vez apenas tentei puxar assunto, uma simples “desculpa”, eu não precisava dizer mais nada e ele não respondeu, sabíamos bem sobre o que era.
Eu estava aborrecida quando finalmente vi a enorme catedral que servia de lar para o monstro que iria enfrentar. O jovem baixou a cabeça, eu recomendei que ele ficasse, pois poderia ser a pior coisa que ele veria na vida. Mas aprendi uma coisa cobre aquele rapaz: Ele era uma pessoa que protegia tudo o que acreditava e sua religião era sua principal crença, provavelmente minha mãe respeitaria aquele garotinho magricelo.
— Mandarei o homem que procura — ele disse com os olhos focados na abadia, mas sem me olhar — Mas derrame sangue em um lugar santo.
— Eu sinto muito — repeti, naquela pequena viajem, mesmo que não houvesse uma troca de palavras, aprendi demais sobre ele.
Ele assentiu e seguiu para dentro. Poucos depois eu vi o homem saindo. Conhecia aqueles olhos cinzentos, mesmo que nunca os houvesse visto. Ele tinha os cabelos mais brancos do que me lembrava e vinha de mãos vazias, a espada embainhada no quadril. Parou em minha frente.
— A que devo a honra de ser buscado por tal beleza? — perguntou com um sorriso preguiçoso crescendo nos lábios.
— Eu vim vingar as almas que você levou. — Talvez isso lhe pareça um pouco ridículo, a forma como soei e ergui a minha espada para o homem claramente idoso em minha frente, mesmo o homem riu, porém um reconhecimento cruzou seus olhos.
— Mulheres não deveriam brincar com armas — ele respondeu me olhando nos olhos. Não houve qualquer outra reação da parte dele, que continuava a me encarar com deboche no olhar.
Não pude controlar os movimentos que se seguiram. Estava cega pela raiva quando o ataque, mas ele bloqueou o movimento alto. Tentei uma estocada na altura do estômago, mas novamente minha arma foi desviada. Eu atacava por instinto enquanto ele se mantinha frio e impassível. Não lembro de acertar qualquer dos meus golpes, mas senti o frio de sua arma quando cortou a parte interna de meu braço e próximo das minhas costelas.
Ergui minha arma para acerta-lo, mas novamente fui parada pelo homem que me acertou no rosto com cotovelo.
— Sinto muito por isso, criança — ele respondeu — Mas você não deveria desafiar qualquer homem na sua vida.
Ele parou. Senti o sangue pulsar na minha cabeça, um pouco dele escorria pelo meu nariz, mas não sentia dores, também não fiz um inventário dos meus machucados. Tudo o que sabia é que estava no chão.
Naquele momento tudo o que via era a casa de minha mãe pegando fogo, eu ouvia os gritos dela. Quando a minha visão clareou eu preparei a minha primeira flecha no arco. Por mais que quisesse desistir eu sabia que a memória de minha mãe precisava daquilo.
Soltei a corda e vi a flecha percorrer seu caminho em direção ao homem. Ela só parou quando atravessou o ombro do homem. Outra se prendeu na túnica, muito próximo ao pescoço, o prendendo junto a árvore. Soltei mais duas que se prenderam ponta de suas mangas.
Me levantei com dificuldade, mas ele não parecia conseguir se soltar. Caminhei lentamente, finalmente a dor chegava ao meu cérebro, mas o homem não parecia fazer esforço para se levantar. Ergui a minha espada e coloquei a ponta sobre seu pescoço enquanto a outra mão repousava na árvore atrás dele.
Eu vi o sangue escorrer lentamente assim como o sorriso se espalhava por seu rosto. Na minha mente voltaram todos os rostos das pessoas que matei. Eram pessoas estranhas com a qual não tinha qualquer problema, mas agora minhas mãos tremiam por alguma razão. O rosto de minha mãe piscava com uma luz sobrenatural.
Aproximei meu rosto do homem.
— Lembre-se de quem poupou sua vida — encarei seus olhos, a espada ainda apontando contra a sua jugular — Meu nome é Morrigan, filha de Lena, a mulher que você queimou há 22 anos. Repita — disse com frieza.
— Morrigan, filha de Lena — ele repetiu, saboreando as palavras com um sorriso presunçoso.
Eu o soltei, largando embainhando minha espada e retirando as minhas flechas. Virei as costas para ele. Foi um erro, fui ingênua. Senti um puxão em meu pescoço e o cordão se apertar mais e mais. Logo o ar passou a me faltar. O pingente que usava pareceu ser atraído pelo homem que acabava de poupar.
— Sabe a melhor parte de por essas pequenas pedras em minha flecha? — ele perguntou, mas o ar já me faltava — Porque elas sempre voltam para mim. — A realidade me acertou como o punho de uma espada. Aquele homem que maltratara tanto o povo mágico, era um deles. — Agora me diga, onde está a pedra Mage? — sua voz era fria e o ar já havia deixado minha cabeça de vez. Para mim, eu vivia apenas de teimosa. As mãos dele percorreram meu corpo em busca da pedra vermelha que minha mãe entregara há muito tempo, mas não a encontrou. — Não se preocupe, eu a encontro.
Ele sorriu mais uma vez antes de me largar. A última coisa que vi antes de me erguer foi o jovem que trouxera se aproximando de meu corpo caído e então tudo era escuridão.

 


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Notas finais do capítulo

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