TOC escrita por Carolambola


Capítulo 9
9- Liza




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Meus pulsos doem naquela posição, então me afasto devagar e sento, olhando para o seu rosto sorridente.

 

— A senhorita vai ter de perdoar a indiscrição e a falta de jeito do homem ferido.

 

— O homem ferido está mais que perdoado.- rimos da brincadeirinha boba e continuamos a conversa, com um tema mais leve dessa vez. Logo, um médico entra do quarto, sorrindo.

 

— Muito bem, senhor Lisset… aqui. Vamos ver. Oh, nossa, pelo visto temos mais um sobrevivente por aqui. E a senhorita, quem seria?

 

— Lily Vogelmann, senhor.

 

— Minha namorada.- Danny acrescenta, do nada.

 

— Pois bem. Bom-dia, senhorita Vogelmann. Então, Daniel, eu sou o doutor John Olive, mas pode me chamar de John. Vamos ver, então. Agora, vou lhe explicar tudo o que aconteceu com você e como vamos proceder a partir daqui, certo?

 

— Você quer que eu saia, Danny?

 

— Não. Por favor, fique aqui. - ele me olha de um jeito e é impossível negar qualquer que fosse o seu pedido.

 

— Teria problema de eu ficar, doutor?

 

— Se Daniel se sente confortável com sua presença, senhorita Vogelmann, não vejo porque não.

 

— Se é assim, tudo bem.

 

Danny segura minha mão. Estávamos os dois no escuro, então prestávamos atenção a cada palavra do médico.

 

— Bom, senhor Daniel, vamos começar do começo, sim? No começo do tiroteio, onde o senhor estava?

 

— Na sala de Inglês.

 

— E quando foi atingido?

 

— Nas escadarias, perto do banheiro.

 

— Ótimo. Será que conseguiria me explicar como foi atingido por três balas, todas do mesmo lado do corpo?

 

Três tiros? E ele estava caminhando logo depois?

 

— Eu estava correndo escada acima. Senti os disparos, mas continuei subindo. Só quando entrei em um banheiro dei uma olhada. Logo depois, ouvi o tiroteio com a polícia. Quando liberaram, esqueci dos machucados e fui procurar ela.- ele finaliza com um gesto de cabeça para mim.- Não percebi que eram três, achei que fosse só um.

 

— Interessante. Realmente, pode ter sido a adrenalina e o medo do momento “bloqueando” a dor. Onde você sentiu o tiro?

 

— Só o primeiro, no ombro. Na verdade, ainda não sei onde estão os outros.

  O médico dá um sorrisinho com a frase de Danny. Ora alguém levar um tiro e não saber onde foi?

 

— O primeiro, no ombro esquerdo, como você já sabe. O segundo, do lado do seu abdome, na altura da cintura. O último, na perna, na região do fêmur.

 

— Quem quer que tenha atirado, estava atirando para matar…- penso alto, fazendo os dois se virarem para mim – O quê? O doutor deve ter percebido que os três tiros eram para ser fatais, certo? Foi um erro de mira…

 

— A senhorita está certa. As três áreas, principalmente o fêmur e o ombro, parecem ter tido a intenção de matar. Nós observamos este padrão nos outros estudantes. Podemos dizer que o senhor teve muita sorte.- o médico parece se perder em pensamentos junto comigo. - enfim. O que importa agora é que o senhor sobreviveu. Ontem, você passou por algumas cirurgias, além da remoção das balas, para conter algumas hemorragias. Já digo que provavelmente vai deixar uma cicatriz. Pelo machucado na perna, você terá que fazer fisioterapia e andar de muletas por algum tempo. Os curativos, mesmo em casa, vão ter que ser refeitos todos os dias. Não molhe os curativos. Por falar em casa, provavelmente você terá alta em mais ou menos duas semanas. Ficamos sabendo que as aulas na escola foram suspensas por mais ou menos o mesmo tempo. Alguma dúvida?

 

— Não, senhor.

 

— Ótimo. Agora, se não lhe incomodar, eu gostaria de dar uma olhada nas feridas, sim?

 

— Claro.

 

— Quer que eu saia? - pergunto, timidamente, porque não vou sair se ele não quiser, obviamente. O médico para e olha para ele, como eu.

 

— Não precisa. Só se quiser.

 

Eu quero, mas ao mesmo tempo, não quero deixá-lo sozinho. Seguro a sua mão “livre” enquanto o médico se encaminha para o outro lado e ergue o lençol, revelando seu corpo. Ele vestia apenas um shorts preto. Mas a maior parte dele estava coberta em algodão e esparadrapo. Ele aperta minha mão mais forte quando o médico tira o curativo do ombro e mostra a ferida ensanguentada. Sinto meu estômago revirar quando ele tira a da barriga, mas não consigo ficar olhando enquanto ele trata da perna. Vejo que Dannny fecha os olhos e eu viro de lado, ainda segurando sua mão. Danny estremece e aperta minha mão. Ouço ele gemer de dor quando o médico toca a pele, e me sinto incrivelmente enjoada durante todo o processo, mesmo sem ver nada.

 

Quando o médico termina, ele joga as bandagens num lixo e chama duas enfermeiras. Uma para levar o lixo para fora e outra para refazer os curativos. Ele avisa que voltará durante a tarde e nos deixa sozinhos esperando a enfermeira, que logo chega, munida de mil esparadrapos, gazes, algodões e bandagens, e já vai atirando o lençol, agora meio ensanguentado, no chão.

 

— Bom dia, eu sou a Lynn e vou ser sua enfermeira. - Lynn tinha uns quarenta e tantos anos, mas era bonita e simpática. - Vejo que temos aqui um casal… nomes?

 

— Daniel Lisset.

 

— Lily Vogelmann.

 

— Muito bem. Vou lhe ensinar como fazer os curativos, Lily. Vem aqui. Primeiro, vamos limpar. - ela olha para Danny – vai arder.

 

Ela esfrega uma solução nas feridas que faz Danny ficar vermelho e quase gritar de dor. Fico desconfortável com a cena até que a mulher grita mais alto que Danny.

 

— Lily, segure a mão dele, por favor. A esquerda, querida.

 

Fico nervosa, mas faço o que me foi pedido. Tento segurar o braço para baixo. Fica mais difícil quando ela passa para o ombro.

 

Depois do que parecem horas, mas foram apenas dez minutos, ela vai embora, nos entregando um lençol novo e levando o usado. Cada um de nós ganhou um copo de água, mas só ele ganhou comprimidos. Continuamos conversando até duas enfermeiras entrarem com o almoço. Alguém fez a bondade de trazer para mim também. E mais bondosamente, me mandou sachês de sal e uma Coca Zero. Nem preciso dizer que usei todo o meu sal. A enfermeira me proibiu de dar o sal ou a Coca para Danny, e eu, sendo obediente, não dei. Só um golinho do refrigerante não vai matar ninguém.

 

Lá pelas três da tarde, a mãe de uma colega de Lize traz ela e Alice para visitar o irmão. Montamos uma pequena estratégia: eu ficaria do seu lado esquerdo para proteção. Diríamos que ele tinha um “dodói” no braço, sem usar a palavra “tiro” ou “arma”. E era só no braço. Conseguimos uma camiseta branca de algodão e subimos o máximo que era possível o lençol. Lavo seu rosto com lenços umedecidos e arrumo seus cabelos. Vou para frente do espelho e tiro aquele rímel borrado que ficou na minha cara o dia todo, e eu falando com um monte de gente.

 

Estou lavando o rosto e passando mais maquiagem quando me dá um ataque de tosse e quase fico cega com o rímel.

 

— Lily?! Tudo bem aí?

 

— Sim! É só rinite!

 

Provavelmente era. A mudança de tempo mexia comigo. Talvez fosse a asma. Uso o inalador. Não parece melhorar muito, mas até que dá uma diferença. Lavo as mãos mais uma vez e volto para o quarto.

 

— Acho que elas estão chegando.

 

Vou para o meu lugar e em segundos as duas aparecem na porta, guiadas pela moça do telefone. Elas entram, e Alice já vai logo subindo na cama. Ele faz uma cara estranha com o peso dela sobre ele, mas sorri mesmo assim. Alice está visivelmente feliz por ver o irmão, e isso me faz sorrir. Liza senta na cadeira que eu estava antes.

 

— Danny! - Grita Alice, meio preocupada de um jeito engraçadinho.

 

— Lice! - Responde Danny, arregalando os olhos como ela. Eles eram muito parecidos.

 

— O que que aconteceu Danny?! - ela estava preocupada, era notável. Mas seu jeitinho infantil de falar era fofo. Ela baixou um pouco o tom para a pergunta.

 

— O mano fez um dodói no braço, Lice. Não é nada pra se preocupar, tá? - ela tem os olhos azuis voltados para baixo. Danny arruma seus cabelinhos no lugar e puxa o rosto dela para cima. - Não é nada.

 

— Mas, mas a Liza disse…- Agora ela está chorando, chorando de verdade, e eu estou quase chorando também, e a Elizabeth também, e ele também, e dali um pouco viraria uma choradeira – A Liza me disse que você ia morrer! Você não vai morrer, né, Danny?!

 

Danny vira o rosto para Elizabeth, que tinha o rosto baixo marcado por lágrimas que não paravam de cair. Depois olha para Alice mais uma vez.

 

— Lice, calma. Olha pra mim. Ninguém vai morrer, tá bom? Eu não vou morrer, tá? Nunca, eu prometo. Não se preocupe, porque daqui uns dias eu vou estar em casa e vou poder ficar com vocês. Tá? Você quer saber mais alguma coisa?

 

— Por que você não me deu boa noite ontem?

 

— Ah, meu amor, porque um cara muito simpático precisava ver o dodói. Mas você dormiu com a Lily. Não foi bom?

 

— Foi, mas ela não me dá boa noite como você. Desculpa, Lily.

 

— Mais alguma coisa, Lice?

 

— Sim. Posso ver seu dodói?

 

— Que tal outro dia, Lice?

 

— Tá. Tem mais uma coisa.

 

— Pode falar.

 

— Eu te amo, Danny.

 

Sorrio com as palavras inocentes dela. Danny também sorri e, com todo o cuidado do mundo, abraça o corpinho mínimo da irmã.

 

— Eu também te amo, Lice.

 

Eles ficam abraçados mais um tempo, até que Danny olha para mim e assente. Outra parte do combinado.

 

— Ei, Lice, o que acha de nós duas irmos tomar um sorvete enquanto o Danny conversa com a Liza?

 

— Sorvete?

 

— Do sabor que você quiser.

 

— Vamos!

 

Eu a puxo do colo de Danny e a coloco no chão. Damos as mãos e descemos até a cafeteria.

 

 

POV. LIZA

 

Observo Lice e Lily saindo pela porta. Quando não posso mais prender o olhar em alguma coisa, viro e encaro meu irmão. Não sei por onde começar, e ele também não.

 

— Então… - começo, finalmente. - o que aconteceu?

 

— O que eu disse para Lice. Eu fiz um dodói no braço.

 

— Ah, por favor! - isso soou rude. Me sinto mal por gritar com alguém nas condições em que ele se encontrava – O que realmente aconteceu? Eu tenho treze anos! Por que vocês ainda me tratam como se eu tivesse três? Diz logo o que aconteceu! Não pode ser tão ruim assim! Vamos, fala!

 

— Eu fui baleado! É isso que você quer saber? Que eu fui baleado?

 

Eu não sabia. Meu irmão foi baleado. Isso caiu como um peso sobre minhas costas, me fazendo arfar. Percebi que a minha pergunta o tinha deixado irritado.

 

— Onde?

 

— No braço.

 

— Só no braço?

 

— Só no braço.

 

Aquilo não me parecia certo. Aquele “só no braço”, toda a peça visivelmente ensaiada entre ele e Lily. Levanto e caminho até seus pés.

 

— Ei, aonde você vai? Eu quero conversar com você.

 

— Eu também. Mas preciso ver uma coisa antes.

 

Ele fica nervoso. Fico de costas, como se estivesse no celular. Depois viro e rapidamente puxo o lençol de cima de seu corpo. Vejo as ataduras que recobrem sua perna. Caminho mais para frente e levanto sua camiseta, checando as bandagens em sua barriga.

 

Sento ao lado da cama, no chão, chorando.

 

— Liza eu- ouço a voz dele, também distorcida pelas lágrimas e por algum esforço que ele parecia fazer – Liza, eu não consigo olhar para você aí. Não consigo virar o corpo suficiente.

 

Subo os olhos para vê-lo. Ele está suando, o corpo erguido e torcido para o lado. O empurro de volta para o lugar.

 

— Para. Você tá se machucando. Deita.

 

Ele deita, ofegante, e leva a mão direita à ferida da barriga.

 

— Danny, eu queria dizer que sinto muito pelo que eu disse. E quero que você saiba que eu não quero que você morra, de jeito nenhum, porque isso me deixaria triste pra sempre. Por favor, diga que não vai morrer, Danny! 

 

  Observo enquanto ele se recupera do esforço, desesperada e me desfazendo em lágrimas.

 

— Danny?

 

— Eu não vou morrer, Liza. Não precisa se preocupar tanto.

 

— Você tá bravo comigo?

 

— Não, porque eu estaria? Eu só queria saber porque você tem estado tão mal-humorada ultimamente.

 

— É por que você, mamãe e papai me tratam como se eu tivesse a idade de Lice. E eu não sou mais criança. E porque a escola não tem sido fácil pra mim, mesmo que eu esteja só no oitavo ano. E ano que vem começa o ensino médio... me desculpe por ter perdido a cabeça por causa de um croissant.

 

— Eu entendo, Liza. Não precisa ficar com vergonha. E o oitavo ano e difícil mesmo, o negócio e se adaptar...

 

— Danny, voltando para você...

 

— Sim?

 

— Foi a Lily quem atirou em você?

 

— Não... foi um bandido.

 

— Ele atirou na Lily também?

 

— Não. A Lily estava escondida. Por que você está perguntando isso?

 

— Por nada. Eu vou chamar Lice de volta, tudo bem?

 

— Tudo. Mas antes, dê um abraço no seu irmãozinho. E prometa que não vai falar mais nada, nem a verdade, para Alice.

 

— Tá bom. 

 

Me aproximo e o abraço, com o máximo de cuidado possível. Ficamos naquela posição até ouvirmos os gritinhos animados de Alice do outro lado da porta.

 


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Notas finais do capítulo

Oi! vocês gostam de capítulos grandes? Esse era para fazer parte do 8, mas ficaria com quase quatro mil palavras... enfim, comentem! Bj bj ♥



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