Ave de Ferro escrita por Astus Iago


Capítulo 1
Ave de Ferro




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No seu tempo, não havia homem tão benigno e bem-sucedido como Henriq Feust. Mas o seu tempo já passara e, mesmo assim, mantinha o seu sucesso. Homem altamente devoto à sua religião mas altamente dedicado à ciência e aos mistérios da vida e da morte. Vivia sozinho no seu pequeno laboratório empoeirado, no topo de uma colina sem nome. Recebia constantemente pedidos diretamente de Elson, líder-supremo de todo o Domínio.

Henriq desperdiçava o seu tempo na concretização de experiências químicas, físicas e mecânicas, no estudo de textos ancestrais e na invenção de… inventos. Fora um destes últimos o responsável pela fama do seu inventor: o “Falcão de Ferro”. Através de um sistema de propulsores, milhares de roldanas, tubos, carvão e bombas hidráulicas, este falcão mecânico do tamanho de uma pessoa era capaz de voar durante escassos minutos, transportando um piloto consigo. Resumidamente, o Falcão funcionava da seguinte forma: primeiro, enchia-se de carvão uma câmara específica; através da sua combustão libertava-se vapor; através de um sistema de tubos, esse vapor alimentaria uma turbina, gerando energia elétrica que permitiria ao piloto (posteriormente) aceder aos controlos da máquina e pilotá-la; o vapor ativaria de igual forma um sistema de bombas hidráulicas que, expelindo água a elevadas pressões, permitiria que o Falcão voasse (seria o controlo cuidado da libertação da água o evento responsável pelas subidas e descidas do aparelho durante o voo).

Henriq produzira centenas (se não milhares) de Falcões para Elson em pessoa. Porém, desejava mais. Desejava manter um piloto em voo durante tempos infinitos. O problema era o combustível. Quando a água ou o vapor acabassem, também acabaria o voo. Era preciso algo novo. Uma abordagem diferente. Decidido a tudo, dedicou longos anos de vida exclusivamente à solução deste problema e ao processo de criação desta máquina inovadora (que prometera pessoalmente ao próprio Elson). Chamar-se-ia “Águia de Ferro”.

Após inúmeros cálculos, fórmulas, equações, teoremas e outras coisas que tais, pensou ter chegado a uma hipótese. Aumentaria o número de turbinas bem como de propulsores e retiraria as bombas hidráulicas. Trocaria a água por propulsores mais avançados e perfeitos alimentados pela eletricidade. Pequenas células fotovoltaicas e diminutos aerogeradores seriam também implantados. Isto significa que, para além do carvão e do seu vapor, roubaria o poder do Sol e do vento para atingir os céus. Isto não era de todo a perfeição que ambicionara alcançar. Não passava do início de uma nova era moderna. O mundo evoluiria graças a si!

Chegou o momento de construir o tão almejado aparelho. Tal obra de engenharia custou todas as suas despesas. Mas aquilo ia certamente funcionar! Teria êxito! Nunca duvidara do seu intelecto! Apesar de dispendiosa, a magnífica Águia nasceu sublime e espantosa. Só faltava um teste, uma experiência. Para isso, bastava um piloto voluntário (pois Henriq já se considerava demasiado velho para o cargo). O barão Ratimob, aprendiz na arte da engenharia e seguidor de longa data do aclamado Henriq Feust, aceitou o desafio. Seria muito bem pago e socialmente reconhecido caso tivessem sucesso. Marcaram a data da experiência e aguardaram com compreensível impaciência.

O dia prometido chegou finalmente. A colina de Feust era perfeita para o teste, visto que se encontrava isolada da restante civilização. A Águia estava pronta e Ratimob também. Henriq observava esperançoso, rezando. Encheram de carvão a câmara destinada a recebê-lo e ativaram a máquina. Após uns segundos, as turbinas começaram a mostrar sinais de atividade. Estava pronto para levantar voo. A Águia acordara.

 Deitando-se sobre o dorso do animal metálico, o piloto tomou controlo dos comandos. Bastou dar as ordens. Os propulsores ativaram-se, expelindo massivas rajadas de energia (tão fortes que fizeram Henriq cair, pois não havia previsto tamanha potência). Lentamente, a Águia de Ferro foi subindo. Feust, novamente de pé, ria e pulava de pura alegria e contentamento. Estava a voar! A Águia era incrível! A Águia era perfeita! O seu potencial energético era ilimitado! Demasiado ilimitado…

Ao aproximar-se demasiado do Sol, o aparelho entrou num estado de sobreaquecimento. Estava sobrecarregado de energia. Era demasiada energia para conter, vinda de todos os lados. Num único milésimo de segundo, a Águia explodiu e iluminou o céu azul com milhares de outras cores. Fora fulminada pelo seu próprio poder, derrotada pela sua própria força, deixando em terra um caído, mutilado e brutalmente queimado Ratimob. Henriq correu para ele em pânico. Não estava morto. Conseguia ouvir o seu coração bater com dificuldade. Ainda podia salvá-lo. Talvez ainda houvesse tempo. Mas, se o fizesse, teria de admitir o seu fracasso. Ficaria sem nada pois sacrificara tudo o que tinha naquele projeto. Pior ainda: seria tomado como responsável por aquele abominável acidente. A sua ignorância causaria a sua execução. Não! Nada disso poderia acontecer! Rezou às suas divindades e optou por livrar-se do corpo, escondê-lo. Abriu um buraco na terra, perto da sua casa, e sepultou lá o barão ainda vivo (obrigando-se a acreditar que não havia outra hipótese e que aquele inocente não podia ser salvo).

Henriq Feust, utilizando como desculpa uns supostos ladrões que lhe roubaram o protótipo da Águia e assassinaram Ratimob, recebeu dinheiro para poder criar um novo aparelho e entregá-lo a Elson. Uma última oportunidade. Apesar do trágico acontecimento que causara, decidiu não voltar atrás. Abraçou essa oportunidade que lhe sobrava. Conseguiu, criou uma nova Águia, entregou-a e tornou-se abundantemente rico e adorado. Venerado por todos. Contudo, bastou acontecer outro acidente com a máquina para alguém descobrir que algo de errado se passava. Instaurou-se o caos. Várias pessoas acabaram desintegradas pelo seu próprio meio de transporte. A população revoltou-se contra o inventor e perseguiu-o. Feust, com a consciência pesada, confessou tudo o que fizera. Admitiu tudo. Admitiu que errara, que falhara. Admitiu a sua ambição e ganância. Porém, acima de tudo, admitiu que o Homem era um ser ignorante por natureza e que, como Homem de corpo e alma, era sua obrigação aceitar tal característica. Este discurso não chegou para comover aqueles pobres iludidos. Poucos dias depois, Henriq Feust foi executado. Devemos aprender com os nossos erros, é verdade, mas, em primeiro lugar, devemos procurar evitá-los a todo o custo. Que a alma de Feust voe e conquiste os céus, como a ave de ferro que sempre desejou oferecer ao mundo.


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