A Lâmina de Vénus escrita por Astus Iago


Capítulo 1
A Lâmina de Vénus




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Ah...

As pétalas de amendoeira lá fora, caindo num uníssono afónico. Doce alegria silenciosa, amargo sabor da satisfação. Um céu azul saúda-nos. Algumas nuvens nos olham de lá do alto. O sol banha a terra com a sua luz. Alimenta-nos a pele, queima-nos os olhos. Protege a sua forma dos olhares mortais. A beleza não é inalcançável. A beleza é, na sua essência, invisível. É impossível enxergá-la através do olhar. É impossível tocá-la através da carne. Degustá-la. Prová-la. Mas sente-se. Oh... a beleza sente-se mesmo. E eu tenho a certeza disso.

Olho através da janela. Vejo tudo mas não a vejo a ela. Ela está lá, longe, em sua casa. Pensando? Sempre. Em mim? Que nobres pensamentos! Provavelmente não. É possível pensar em muitas coisas distintas. O cérebro é uma máquina. O cérebro é um computador biológico de elevada potência. O cérebro é um símbolo de inteligência, não de estupidez. Porque haveria ela de pensar em mim?

Quem pensaria em mim? Eu, possivelmente. Quando estou de bom humor, pelo menos. Todos temos aqueles dias em que nos esquecemos de nós próprios. Dias em que vemos o mundo como se nunca estivéssemos lá para o observar em primeiro lugar. Dias de epifania, momentos de reflexão. Eu tenho-os todos os dias, ou melhor, tinha-os. Ela fê-los parar.

Ela calou-me os pensamentos. Silenciou as vozes da minha cabeça. Por fim, deu voz à minha voz. Falei como nunca falei antes. Deixei de lado todas as máscaras que havia criado ao longo da vida. Deixei de me esconder. Odeio as pessoas. Seres desprezíveis que recusam a minha arte. Negam a minha originalidade e limitam a minha criatividade. Ignoram-me. Julgam-me "estranho". Como resposta, escondo-me perante as pessoas - é a minha natureza. Mas desta não. Desta não.

Tocou-me os lábios com os seus. Deixem-me levar pelo seu aroma. Nunca mais me esquecerei daquele cheiro, daquela fragrância. A liberdade. Sim... senti-me livre como nunca antes. Aquela mulher, aquele ser, estava a dominar-me. Estava a unir-se a mim através do beijo. Aquela mulher desejava-me. E o sentimento era recíproco. Eu queria tomá-la nos meus braços.

Assim o fiz. Abracei-a. Deixa-a curvar a sua face rubra sobre o meu corpo trémulo. O meu coração batia, selvagem. O céu noturno presenteava-nos com o seu brilho estelar. Sinto-me livre. Realizado. Completo. Pela primeira vez na minha vida, tenho a certeza de que me sinto amado.

Eu amo alguém - demorei algum tempo a habituar-me a essa ideia. Demorou-me minutos, horas a processar. Sentimentos - ainda os tinha, pelos vistos. Ainda os tenho. Ela acordou-os de mansinho. Tocou-lhes no ombro e fê-los levantar de livre vontade. Aquela mulher entrou na minha mente e eu não quero que ela saia. Eu amo-a. Quando olho para ela, vejo-me a mim. Quando a observo, vejo a beleza. Não a vejo, sinto-a. O meu coração sabe que ela está lá. Porém, não acredita que ela me ame.

Não é realizável. Porque haveria ela de se apaixonar por mim? Sou um ser desprezível. Isto na minha consideração pessoal, claro. Não faz o mínimo sentido. Será que ela me mentiu? Para me fazer acreditar? Para que eu não terminasse... magoado? Não! Ela beijou-me. Não iria tão longe... acho eu.

Fecho os olhos. O Diabo que me leve. O "Diabo"? Qual Diabo! Vénus! Que Vénus me aceite no seu domínio. Que Vénus me abençoe. Porque eu não a quero deixar. Não pretendo parar. Não quero parar de a ver. Não quero parar de a imaginar. Não pararei de pensar nela. Prometo.

Foi aí que aceitei o facto. Ela amava-me. Eu amava-a. Estava apaixonado. Nada do que pudesse pensar agora alteraria esse facto. Não estava iludido. Não estava enganado. Ela revelou-se a mim. Eu revelei-me a ela, as minhas verdadeiras cores, a minha verdadeira personalidade. Mostrei-lhe o meu verdadeiro eu. Pela primeira vez, estava feliz.

Saí de casa o mais rápido que pude. Corri, corri e corri. Procurei e encontrei. Demorei horas para o fazer mas não me importou no momento. Encontrei a casa, a casa dela. Bati. Toquei. Esperei por uma resposta de dentro. Esperei, cansado, ofegante, incessante. Obsessivo. Eu queria-a. Queria beijá-la, tomá-la nos meus braços, acariciar-lhe os cabelos dourados. Mas desiludi-me. Da porta, saiu um homem. Um amigo meu ao que parece. Um amigo que me contou que aquela mulher, aquele ser que tomou o meu coração como seu, não existia em primeiro lugar.

Vénus... desgraçaste-me.


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