O Mundo que Você não Vê escrita por Carolambola


Capítulo 1
1




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Não lembro muito bem o que aconteceu naquele dia. Já faz muito tempo. Era um dia ruim.

Eu caminhava por entre galhos e raízes. Me meter na floresta de vestidinho não foi uma boa ideia. O fato é: Josh, meu namorado, aliás, ex-namorado àquela altura, tinha me traído. Para a surpresa dele e de todos, eu não fiquei triste e me desfiz em lágrimas, apenas fiquei aborrecida. E brava. Muito. Gritei com a vagabunda da Alicia e ainda desci a mão na cara dele. Daí sai correndo e entrei na floresta, onde costumava ter uma clareira, o meu esconderijo.

Outro fato: já estava escuro, e eu sabia o caminho da clareira saindo do meu quintal. Não do de Josh, cuja casa fica a três  es quarteirões da minha.

Terceiro fato: Eram duas florestas diferentes, sendo a de Josh muito maior e fechada. O que nos leva ao quarto fato: entrar ali foi burrice. 

Mas, no calor do momento, minha cabeça quente correu para dentro da mata em direções aleatórias por quinze minutos. Ou seja, eu estava completamente perdida no escuro, sem qualquer coisa que me indicasse uma direção, com fome e frio. Aliás, a temperatura caia rapidamente. 

Frustrada, já estava ali a quase duas horas, segundo o meu celular, que não tinha meio ponto de sinal. Sentei em uma raiz qualquer e pensei no que poderia acontecer se dormisse ali. A combinação de frio e cansaço fazia meus músculos doerem.  Estava sentada, ponderando sobre as folhas das árvores e em como o céu poderia ser visto, estrelado, se elas não existissem, quando ouvi um barulho de folhas sendo remechidas. Passos, talvez? Silenciosamente,  me levantei e contornei a árvore que me apoiava. E se fosse um bicho? Grande?

Fiquei surpresa ao ver uma silhueta humana vinte passos a minha frente. Provavelmente um homem, virado de costas para mim. Por algum motivo, fiquei mais assustada e puxei o vestido florido para baixo, e fechei a jaqueta jeans no pescoço. Andando de costas, tropecei na raiz e cai com tudo no chão.

Esperando, sem fé nenhuma, que o homem não notasse o barulho que fiz ao cair, comecei a me levantar. Mas ele notou e começou a se virar, com certeza me vendo. Não prestei atenção no seu rosto, apenas me levantei num pulo e corri como louca,  numa tentativa desesperada de salvar minha vida do que eu já tinha deduzido ser um estuprador homicida. 

Para o meu pavor, o homem apareceu na minha frente. Como ele me passou tão rápido? Tive que parar, sem escolha. Parei um metro a sua frente, tomando fôlego e me preparando para correr de novo. Foi quando reparei em seu rosto. Ele parecia ter minha idade e era lindo. Seus cabelos eram castanhos, bem escuros. Seus olhos, verdes como a grama, escurecidos pela falta de luz. Tinha a pele muito clara. 

A imagem tirou o que restava do meu fôlego. A expressão dele era a de quem estava sofrendo muito.

— Dia ruim, hein? - disse, com um fio de voz, sem fôlego e assustada.

— Pode se dizer que sim - O que acontecia com aquele garoto? A voz dele parecia sair estrangulada. - sinto muito garota, mas eu preciso fazer isso.

Dito isso, ele se jogou em mim, enterrando a boca no meu pescoço. "Tá aí, sabia que ia dar merda. Esse cara vai me estuprar e me matar..." Foi o que eu pensei enquanto o maníaco estava com a boca ali. Foi então que senti a pele do meu pescoço sendo rasgada. Aquilo era real? Um maníaco estuprador assassino rasgou meu pescoço com os dentes? Como pode uma coisa dessa?

O menino continuou ali, para a minha surpresa e medo. Por alguma razão, achei que ele iria apenas rasgar meu pescoço e me deixar ali para morrer. Mas não. Ele parecia sugar meu sangue, tipo um vampiro. Vampiro? Isso não existe, disse a mim mesma, enquanto sentia meu corpo ficar mole. Achei que iria desmaiar, mas algo chamou a atenção do moço, que simplesmente desapareceu. Fiquei deitada por alguns instantes, recompondo as forças necessárias para me levantar e continuar minha jornada até em casa. Quando finalmente o fiz, estava mais perdida ainda. Agora, não poderia dizer nem mesmo onde era a minha casa. Resolvi seguir em linha reta, afinal nada poderia piorar se eu continuasse andando para frente. Que erro. 

Eu sabia que tinha um precipício em algum lugar da floresta. Era o que isolava a cidade. Mas minha falta de noção não me lembrou disso, infelizmente, pois só percebi o grande abismo na mina frente quando um dos meus pés escorregou para ele. Desesperada, tentei me agarrar nas raízes, o que me deixou pendurada. Com os dois pés balançando e as mãos escorregando da raiz, tentei puxar o corpo para cima. Percebi que ainda estava com o pescoço sangrando. Estava tonta e fraca, e meu otimismo sarcástico já estava cansado de mim. Tudo o que eu conseguia pensar era em como minha morte afetaria o resto do mundo. Não tanto assim, mas desestabilizaria algumas relações. Pelo menos Josh quebraria a cara, afinal. 

Por fim, a exaustão e a perda de sangue venceram, e eu senti minhas mãos escorregando para o abismo.

Acordei pela manhã, normalmente. Exceto por uma coisa: estava deitada, dramaticamente esparramada, no fundo do abismo da cidade. Não lembrava muito bem como tinha chegado ali, ou em como estava viva. Passei as mãos pelo corpo, tudo inteiro. Me levantei, arrumei o vestido e me pus a caminhar. Sabia que em algum lugar tinha uma escada,  pois turistas adoravam descer ali.

Não foi difici encontrar. Logo, estava na cidade, e então sabia voltar para casa. Woodville não era muito grande, e rapidamente cheguei em casa.

— Mandy! - minha mãe gritou. - onde você estava, filha? Quer nos matar de preocupação?

— Desculpa, mãe, pai. Dormi na Julie. Vou subir. 

De fato, eu subi, mas desci logo depois. Estava morrendo de fome. Meus pais tinham saido e tinha pizza na geladeira. Agarrei a caixa e voltei para o quarto. Engoli a pizza quase inteira.

Para agradar, lavei toda a louça e levei o lixo para fora. Então fui correndo para o banheiro e vomitei toda a pizza. Droga! Ainda estava com fome, mas nada me parecia bom. Para piorar, meus braços e pernas começaram a queimar como o inferno. Saí de casa e fui até a pracinha. A luz do sol fez meus olhos doerem.

Eu estava ficando louca? De repente, ouvi um choro de criança. Sammy, um garotinho que eu tomava conta de vez em quando, tinha cortado o braço no balanço. Corri para ajudar o menino. Quando cheguei perto e vi o sangue, meu instinto, que normalmente me diria para limpar, me mandou atacar. 

Com a última gota de prudência que me restava, corri dali. Corri para longe. Estava entrando em um beco sem saída quando vi um garoto familiar ali. 

— Venha cá, menina.

— O que você fez comigo?

— Eu já te explico. Venha cá.

Então eu fui.


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Notas finais do capítulo

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