Westwood escrita por Olivaras


Capítulo 1
Ponte da Cidade


Notas iniciais do capítulo

Trilha para acompanhar o capítulo:
Green Day - 21 Guns
Green Day - Boulevard Of Broken Dreams



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Antes

— Vamos, vocês não podem passar o dia inteiro aí na frente ou acabarão congelando. — A mulher esguia e fisionomia simpática sinalizava com as duas mãos para que os alunos adentrassem o salão.

O interior do prédio imponente não parecia mais aconchegante que a sua área externa a não ser pela ausência daquela corrente de ar enregelante. Atrás do grupo de jovens a porta de madeira maciça e grossa se fechava cortando o som do vento que uivava por entre as árvores de galhos secos da entrada. Lá dentro o clima continuava gelado e seco. A mulher velha e fina caminhou de volta para frente do grupo, estavam todos agora em uma espécie de saguão que dava de frente para uma ampla recepção, na parede atrás do extenso balcão de madeira escura onde algumas pessoas entregavam papeis e atendiam telefonemas, uma porta gigante se estendia deixando a claridade invadir aquele espaço tão soturno. O saguão era ladeado por duas escadarias que davam para o segundo andar, com um pé direito imenso e cheio de vitrais o local se assemelhava a uma catedral gótica.

 

Um barulho incômodo de engrenagens fez preenchendo todo o saguão seguido de um estalo ecoante. O grupo curioso esticou os olhos em direção ao lado esquerdo do hall de entrada, de trás de onde a escadaria de pedra se erguia saiu um homem velho de aparência taciturna, ele emparelhou-se à mulher e saudou os jovens sem muito entusiasmo, porém de forma muito educada.

— Pela cara de vocês devo imaginar que está bem frio lá fora hein? — Alguns assentiram com a cabeça, mas nenhum som foi emitido, o homem observou os jovens como se reconhecesse cada um, parou o olhar mais sobre uns que outros e tornou a falar acenando para a mulher ao seu lado — A Matilde irá entregar os formulários e as instruções para que possam ir até seus dormitórios, as suas bagagens serão levadas até o final do dia, imagino que tenham etiquetado tudo corretamente. — Ouviu-se um praguejo no meio do grupo — Para os que não, fiquem com a sua bagagem até que possa ser tomada uma providência ou levem para o quarto se não for muito pesada, é claro, mas evitem rondar o saguão pois teremos outro grupo chegando em alguns minutos.

O homem despediu-se tão fria e cordialmente quanto se apresentou voltou em direção à parte posterior a escadaria para o exato lugar de onde havia saído produzindo em seguida um barulho de maquinário enquanto o elevador velho e antiquado sumia calmamente em direção do subsolo.

Algumas semanas antes.

Raesy estava cansada, os fins de semana costumavam ser puxados no café aonde trabalhava. A maioria das luzes internas já estava apagada e Raesy limpava a última mesa do canto, próxima a grande vitrine de vidro, por onde os clientes podiam acompanhar o movimento da rua, quando viu a caminhonete de faróis apagados se aproximar e estacionar preguiçosamente rente o meio fio, o estômago de Raesy apertou e ela correu até o balcão, atirou o pano úmido de limpeza que estava usando dentro da pia, lavou as mãos apressadamente para procurar as chaves no bolso da calça. Raesy havia ficado responsável por fechar o Café hoje, assim Mônica e seu pai teriam um tempo a sós, caso encontrassem alguém para cuidar de Ellen, é claro, embora no fundo a garota é que estava interessada em passar um tempo sozinha, sem Mônica por perto sendo exageradamente gentil e seu pai sendo obcecadamente protetor, apenas Ellen, sua irmãzinha, agia como se tudo estivesse perfeitamente normal, e para um bebê de colo certamente estava.

Raesy levou alguns minutos para achar a chave e verificar tudo, a porta da frente já estava trancada e ela saiu pela velha porta dos fundos que dava para um beco com lixeiras e escadas de incêndio. Fazia frio naquela noite, mas na sua cidade sempre fazia muito frio, Raesy trancou a porta do Café e se apressou em direção à caminhonete estacionada na rua, ela só queria fugir daquele frio, mesmo no vento cortante sentia seu estômago revirando de ansiedade assim que tocou a maçaneta gelada do carro.

— Vamos, antes que você congele.

Ela sorriu largamente ao ouvir aquele tom de voz tão familiar. Raesy realmente adorava ter Sebastian por perto. Assim que ela se ajeitou no velho banco da caminhonete eles se cumprimentaram com um beijo úmido e calmo, em seguida Seb ligou o carro e deixaram a rua deserta seguindo em direção à ponte Mose.

— Sebastian vá com calma, eu não quero derrapar como da última vez — Reasy piscou os olhos repetidas vezes, os fleches vieram instantaneamente a sua mente, mesmo depois de tanto tempo a memória do acidente ainda a perturbava — Ok?

— Confia em mim Raesy — Ele tinha um sorriso torto no rosto quase malicioso, aproximou-se para dar mais um beijo na menina e logo estavam no começo da ponte.

Os dois se conheciam desde criança, mas isso era algo comum em uma cidade pequena como Mosenberg, praticamente todos lá se conheciam embora a cidade tivesse um fluxo frequente de mudanças, pois algumas pessoas tinham dificuldade em se adaptar ao frio e a distância da cidade grande, além das outras características que não tornavam Mose muito atraente. Uma delas era a falta de grandes oportunidades a maioria dos moradores eram antigos, tinham negócios de família na região e não queriam ir embora por causa disso, ou então tinham medo do que poderiam achar fora de Mosenberg uma cidade tão pacata e tradicional.

A ponte, uma longa armação vermelha de ferro fundido e madeira, o rio sob ela parecia um abismo escuro, frio e sem fim. Raesy se ajeitou no banco do carro, tivera bastante tempo para se recuperar do susto de anos antes, mas ainda sim revivia cada momento sempre que atravessava a bendita ponte.

***

— Dave, — A mãe bateu três vezes na porta do quarto e não obteve resposta, mas ela insistiu — Dave, não fique se culpando por isso, porque não vai dar uma volta e conhecer a cidade? Talvez não agora, já esta deserto lá fora, mas amanhã, amanhã cedo. — A voz dela ela insistente e trêmula, quase suplicante — Não vá passar a noite inteira neste computador, eu estou indo pra cama ok? Beijos e durma bem anjinho.

O garoto soltou um gemido em resposta e continuou a digitar freneticamente seu ultrabook. Estava em uma conversa interessante com um dos muitos amigos que havia deixado onde morava, era sobre uma festa, uma daquelas que David conhecia bem, sentiu-se empolgado e ao mesmo tempo irritado por estar tão longe. No lugar onde costumava morar ele não perdia uma única festa, mesmo que não fosse convidado, ele ficou conhecido por dar algumas festas também, principalmente quando os pais viajavam, e eles viajam muito.

A empresa da família Runner, que havia começado anos atrás com um bisavô mecânico, tinha crescido muito nos últimos anos, dava bons lucros para a família assim como ocupava quase todo o tempo de seus pais. Inauguração de franquias, convenções e jantares de negócios, era uma vida agitada. Certa noite após um dos jantares de negócios, um dos muitos que seus pais costumavam frequentar, Dave havia apagado no sofá depois de uma maratona de Senhor dos Anéis, despertou com o barulho dos pais chegando durante a madrugada. Eles entraram pela cozinha sem se dar conta da presença do filho, discutindo havidamente, a mãe estava enfurecida e o pai argumentava o máximo que podia.

— Esqueça Max! Não há explicação para o que você fez, como pôde me humilhar daquele jeito?

David ouvia gavetas sendo abertas e fechadas, sua mãe parecia estar arrumando a cozinha ou lavando a louça, quando se irritava ela começava a fazer as tarefas de casa compulsivamente, foi então que ele ouviu a voz do pai se alterar.

— Quantas vezes vou ter que dizer, não houve nada! Nada! Ela trabalha pra mim só isso! Não seja paranoica!

— Quando nós nos conhecemos eu trabalhava para o seu pai. Não banque o esperto comigo Max, eu sei muito bem como aquela conversa ia terminar, isso se foi a primeira conversa!

Dave pensou em perguntar o que estava acontecendo, mas conhecia bem os pais a ponto de saber que jamais seriam sinceros com ele, sem mais opções decidiu apenas ouvir e caso o encontrassem fingiria estar dormindo. A discussão durou horas e ele quase pegou no sono, foi despertado apenas com o veredicto: eles iam dar um tempo nos negócios, sossegar e deixar que o outro irmão Runner, o tio Marcelo, cuidasse da empresa, abririam uma filial em uma cidade pequena e nada mais de grandes eventos, ou funcionárias atraentes. É, ele estava completamente ferrado.

Olhou pela mesa do computador e para o quarto, ainda havia algumas caixas para desempacotar, mas colocar tudo no lugar o faria sentir que realmente ficaria naquela cidadezinha esquecida pelo resto do mundo. Digitou mais algumas palavras, olhou a pasta de downloads, faltavam poucas horas, ele resolveu deixar o computador ligado, pegou um casaco preto de dentro de uma das caixas, foi até o banheiro e escovou os dentes, tirou o celular do carregador e pôs no bolso, aguardou alguns minutos pensando se era a melhor ideia. Abriu o Google Maps apenas para se certificar da distância, se esgueirou até a garagem, descobriu a Honda CRF 230 e agradeceu por seu pai gostar tanto de motos e carros, pensou em pegar a Custom, mas se algo desse errado era melhor não arriscar um preço tão alto, ou teria que dar a bunda pra pagar tamanho prejuízo. Em menos de 40min já estava atravessando a ponte, teve alguma dificuldade por causa do vento e seu pouco peso, praguejou o caminho quase inteiro até pegar a estrada pela floresta, atravessou duas cidades pequenas, eram quase meia-noite.

...

 


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