Antes do Nosso Limite escrita por Mrs Days


Capítulo 5
Capítulo 5




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Burley, Idaho – 2011

 

Olhei para as minhas malas pela décima vez, conferindo se estava tudo no seu devido lugar. O relógio em minha cômoda dizia que eu estava três horas adianta para o meu vôo, o que significava implicitamente que não tinha pregado os meus olhos durante a noite. Sem meu comando, minha atenção foi atraída para o buquê pousado na minha mesa de cabeceira. Um sorriso dominou os meus lábios e tive que reprimir a vontade infantil de cheirá-lo, procurando por algum rastro do cheiro de Caleb. Não que eu não tivesse já feito isso com as roupas do dia anterior.

Contentada com tudo o que arrumei, segurei minhas malas e minha bolsa de mão e fui para a sala. Não sabia se meu pai iria me acompanhar até o aeroporto, por isso pedi para que Jessie me buscasse. Verifiquei o meu celular percebendo que não havia nenhuma chamada dela. Sentei-me no sofá e afundei o rosto em minhas mãos, querendo que todas as lembranças de ontem entranhassem em mim e que sumisse no segundo seguinte.

Todavia, a primeira coisa que surgiu através de minhas pálpebras fechadas foi o sorriso contagiante de Caleb acompanhado do jeito suave com que ele pegava as minhas mãos, perguntando se tinha feito tudo certo. Meu rosto – tanto na lembrança – quanto no tempo atual adquiriram uma tonalidade rosado ao recordar dos toques que antecederam as inquisições preocupadas de Caleb. Sorri boba e suspirei como uma criança sonhadora que finalmente tinha ganhado o seu pônei. Por isso assustei-me ao sentir uma mão pousando em meu ombro.

— Sua amiga está buzinando à hora lá fora. — Jade reclamou estreitando os olhos na minha direção. Seus cabelos estavam ordenados para quem parecia ter acabado de acordar. — Está me dando dor de cabeça.

Levantei-me segurando as malas e respirando fundo olhando para a porta que talvez nunca mais encarasse. Quando me virei na direção de Jade com a intenção de perguntar sobre o meu pai, ela já tinha desaparecido pelo corredor. Isso significava que eu estava sozinha nessa. Arrastei minhas malas até a porta e encarei uma sorridente e animada Jessie. Quem olhasse de fora e tentasse adivinhar quem estava partindo da cidade, apostaria nela.

— Que roupas são essas? — perguntei.

Jessie riu ainda mais antes de dar uma volta para exibir seu vestuário típico do interior. Suas botas marrons combinando com o colete, blusa branca e short jeans com rasgos. Seus cabelos pareciam ainda mais cheios do que o habitual, assim como sua maquiagem ordenada. Não demorei a entender que o aeroporto seria apenas uma pequena parada antes do grande encontro.

— Com que você vai sair? — questionei enquanto ela pegava a minha mala e punha na traseira do carro de sua mãe. Analisei seu rosto mais de perto e meu cérebro recebeu um estalo. — É com o Tom Hastein? — arrisquei vendo-a gargalhar ainda mais alto.

— Como descobriu?

Apontei para as suas roupas.

— O garoto é praticamente o cowboy do século XXI. Faltou só o chapéu. — entramos no carro e Jessie colocou Taylor Swift para tocar. Recostei no banco revirando os olhos. — Você está exagerando um pouco. Sei que ele é bonito, mas acho que vai perceber que é forçado.

Ela bufou manobrando o carro e seguindo na estrada até o aeroporto. Ela não perguntou sobre o meu pai e eu agradeci por isso. Era quase como Jessie pudesse ler a minha mente nos momentos mais propícios. Outra coisa que reparei foi que minha amiga estava dirigindo sem nenhum vestígio de pressa. Normalmente eu tinha que pular nos seus braços para que obedecesse as leis de velocidade e naquele momento ela bem abaixo. Assim como eu, ela queria apreciar a última conversa cara a cara que teríamos em anos.

— Como ele poderia saber que é encenação?

— Acho que sua diversidade de camisas com temas pop era uma sutil dica. — murmurei rindo um pouco. Abri a bolsa verificando o celular pela quinta vez no dia. Captei o olhar de Jessie na minha direção e me sobressaltei. — Hey, olhe para a estrada!

Encolheu os ombros.

— Prometo não te deixar morrer em Burley, Cass — respondeu com um meio sorriso. Tomou fôlego — Vendo essas paisagens passando por nós dá até vontade de entrar no avião com você. — sussurrou com sinceridade.

— Você sabe que pode. — sussurrei de volta.

Ela deu uma risada baixa e balançou a cabeça.

— Não posso dar o bolo em Tom desse jeito. Ele ficaria bem magoado. — fez um bico imitando a expressão que talvez Tom faria. Ajeitou sua postura no volante e acenou de leve para o policial que passava. — Mas vamos parar de falar de mim. Quero saber como foi ontem com o Caleb. Ele te levou ao limite?

Abaixei os olhos, constrangida e meu rosto queimou. Jessie foi atraída pelo meu silêncio e me encarou. A risada que deu em seguida poderia ser ouvida a quilômetros de distância. Encolhi-me ainda mais em meu banco esperando que sua expressão de alegria passasse. Deixando-me completamente sem ação, Jessie uivou e apertou o volante chamando a atenção dos poucos veículos que se encontravam na estrada. Tive receio que ela botasse a cabeça para fora e gritasse que sua amiga não era mais virgem.

— Quer dizer que ele te levou ao limite mesmo — conseguiu dizer em meio aos uivos. — Esse Caleb não perde tempo, hein. E eu pensando que vocês só dariam uns amassos... — balançou a cabeça. — Como sou iludida.

— Jessie, pare de falar como se tivéssemos praticado todas as posições do Kama Sutra. — reclamei fazendo-a rir mais ainda. — Só... aconteceu. Ele foi bem gentil. Acho que estava tão assustado quanto eu.

— Acha que ele também era virgem?

Bufei.

— Claro que não, Jessie.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Tem certeza?

Abri a boca pronta para por a minha mão no fogo para constatar aquele fato, porém algo me fez retrair. A recordação do nervosismo dele acompanhado do meu, como suas mãos tremiam de incerteza ao tocar determinados pontos e a preocupação no final somado ao clima constrangedor no final, tudo me fez repensar.

— Não pode ser...

— Oh! Quer dizer que o nosso menino problema ainda era puro? — assobiou, surpresa. Senti seu cotovelo nas minhas costelas. — Safadinha! Vai para a Califórnia experiente.  — gemi afundando quase totalmente no banco e Jessie ficou empática com a minha vergonha. — Tudo bem, vamos mudar de assunto por agora. Vou relatar as vergonhas que aconteceram naquele baile para você ter ótimas recordações dessa cidade pequena.

O restante do caminho até o aeroporto foi preenchido por relatos escandalosos de Jessie e gargalhadas inesquecíveis. Peguei meu celular e tirei uma foto de minha melhor rindo, pois era uma coisa que queria guardar para sempre. Exatamente aquele momento.

                                                           *********

— Atenção passageiros do vôo 2458 com destino a Califórnia. Embarque no portão B. — a voz soou nos alto-falantes. Eu e Jesse trocamos olhares cúmplices antes de levantar puxando minha mala para o despache.

Assim como na viagem de carro, demoramos mais do que o necessário para chegar ao despache. Deixamos que duas pessoas passassem na nossa frente e nos abraçamos mais três vezes. Todas as vezes que via as lágrimas retidas nos olhos de Jessie, meu coração se apertava. Seriam cinco anos sem a minha melhor amiga, cercada por pessoas que eu poderia me afeiçoar ou não. Era um passo difícil.

— Está na hora de ser a garota da cidade. — Jessie disse apontando para o portão de embarque. Segurei minha passagem com tanta força que quase amassou. Estava prestes a dizer mais uma adeus para Jessie quando a vi encarando um ponto distinto com as mãos na cintura. — Claro que o garoto problema seguiria o clichê. — murmurou.

Meu coração acelerou antes que meus olhos encontrassem Caleb por entre as pessoas. Quando nossos olhos se encontraram foi a dica que meu ar precisou para escapar. Jessie deu suaves passos para trás, permitindo que tivéssemos privacidade. Caleb andou na minha direção com passos firmes, sem nenhuma intenção de hesitar.

— Caleb, o que...

Ele me beijou, interrompendo minha frase. Qualquer resíduo de ar fugiu naquele segundo. Senti minha passagem escapando por entre os meus dedos, porém não dei a devida atenção. Retribui o beijo de Caleb com a mesma urgência e deixei que meus dedos explorassem cada centímetro de seu cabelo e rosto, como uma forma de levá-lo comigo. Ele segurou minha cintura, puxando-me para mais perto como se não fosse deixar que eu me afastasse. Escutei alguns murmúrios dos outros passageiros e encerrei o beijo, deitando a cabeça em seu peito e sentindo os seus dedos afagando meus cabelos com leveza.

— Só não queria que você fosse embora sem que eu me despedisse — ele sussurrou dando um beijo no topo de minha cabeça.

— Foi uma bela despedida — Jessie interrompeu parando na nossa frente. Vagamente nos afastamos e ela me estendeu a passagem. — Vocês deram um belo show para o aeroporto. Desculpe interromper, mas deram a última chamada para o seu vôo e preciso te abraçar. — Jessie jogou os braços ao meu redor e me apertou. Retribui ainda mais saudosa. — Quando chegar, me mande mensagem. Para mim primeiro depois para ele. — gesticulou para Caleb. Começou a me empurrar em direção ao portão de embarque. — Vá, menina prodígio!

Com as mãos tremendo, entreguei a passagem para a funcionária que me cumprimentou e me desejou uma boa viagem. Olhei para trás, vendo Caleb e Jessie me olhando. Em nenhum momento eles acenaram dando tchau. Era como se de algum jeito soubessem que nos veríamos em breve.

                                                           *********

Palo Alto, Califórnia – 2011

 

— Falta só uma semana! — comemorei no vídeo conferência com Caleb. Ele sorriu ajeitando os seus cotovelos no colchão, levantando um pouco mais o tronco para poder me ver. Por mais que nos falássemos por ali todos os dias durante um mês, o seu sorriso ainda me tirava o fôlego. — Nunca pensei que ficaria tão animada em voltar a Burley.

Em menos de uma semana teria o festival da cidade e era uma ótima oportunidade para visitar os meus amigos. Jessie – como quem eu estava conversando anteriormente – tinha me garantido que seria a festa do ano. Sua mãe estava no comitê e ela sempre dava um jeito de expor suas sugestões. Ela queria que estivesse tudo perfeito para o meu retorno com uma esperança de que eu desistisse da Califórnia e ficasse de vez na cidade.

— Eu nunca pensei que ficaria tanto tempo no computador durante as minhas férias. — ele gracejou e eu ri baixo. — Mas juro que está valendo a pena cada segundo. — seu cenho franziu, expondo sua preocupação e eu me preparei para o assunto que viria em seguida. — Você já pegou os resultados no médico?

— Vou daqui a pouco. — verifiquei a hora no celular. — Na verdade, já deveria estar saindo. Nos falamos mais tarde?

— Claro, Cass. Não se esqueça de me contar os resultados. — pediu com suavidade. Assenti, procurando o botão de desligar com o mouse. Seus olhos escuros se estreitaram um pouco e ele soltou o ar. — Eu te amo. — declarou no segundo em que apertei para desligar.

Minha boca pendeu aberta e eu me desesperei procurando o botão para retomar a ligação, no entanto, antes que pudesse fazê-lo tia Lilian entrou no meu quarto. A visão da minha tia Lilian trazia-me felicidade e um pouco de nostalgia. Ela era irmã gêmea da minha mãe, o que me deixava um pouco desconfortável, mas seu estilo hippie de se vestir destoava um pouco a imagem de minha mãe que morava em minha mente. Seus cabelos eram castanhos claros assim como os meus e viviam presos em uma longa trança enfeitada com coisas engraçados. Dessa vez era uma sequência de conchas descendo pelas mechas.

— Cass, você ainda não está pronta? — perguntou. Gaguejei tentando explicar que tinha que retornar a ligação, mas ela não quis me dar ouvidos. — Vocês, jovens, e seu vício em tecnologia. Quero nem ver como vai ser isso daqui a cinco anos. As pessoas vão caminhar na rua com os celulares grudados no rosto e nem vão ver quando a própria mãe passar do lado delas. — praguejou puxando-me escada a baixo.

— Tia, não exagere. — brinquei aconchegando-me no banco. Senti o cheiro de seu perfume e meu estômago apertou um pouco. Disfarçadamente abri as janelas.  — Essa virose está me matando. — reclamei tocando em meu estômago.

Uma semana depois que pus os pés na Califórnia – e por sorte depois da semana dos calouros – comecei a me sentir mal. Enjoada, fraca e sem nenhuma vontade de comer. Minha tia estava temerosa que eu tivesse pegado alguma gripe por conta das diversas vezes em que fomos a praia de noite. No entanto ela não levou em consideração que não espirrei nenhuma vez sequer. Por isso achamos que poderia ser uma virose ou intoxicação estomacal, por causa da mudança brusca de comida – tia Lilian era adepta a comida vegetariana.

Tentei assegurar para todos que era bem mais suave do que parecia, mas não estava enganando a ninguém. Tia Lilian foi rápida em marcar um médico quanto todos os seus remédios caseiros não deram jeito, por isso ela estava tão agitada para pegar o resultado: para saber qual planta medicinal poderia usar comigo.

— Podemos ir ao shopping depois. — ela ofereceu depois do estranho ronco que o motor do seu carro deu. Sempre ficava temerosa que ele morresse no meio das movimentas ruas de Palo Alto. — Você precisa de mais roupas de praia.

Ela tagarelou sobre as novas praias que poderíamos visitar naquela noite depois que tomássemos o chá. Por mais que tia Lilian falasse mais do que eu estava acostumada, gostava do modo como ela se esforçava para que eu me sentisse incluída na Califórnia. Tinha até se voluntariado para cortar o meu cabelo por achar que ele estava longo demais. Continuamos combinando o que faríamos o restante daquele dia quando fomos chamadas pelo médico.

Não queria transparecer, mas estava nervosa com o que o médico iria dizer. E se eu tivesse uma doença terminal e aqueles fossem os primeiros sinais? E se fosse alguma doença sexualmente transmissível? Por isso que Caleb estava tão preocupado e tinha dito aquelas palavras antes que eu desligasse? Para que eu não o denunciasse? Todas as teorias passaram por minha cabeça, desde a mais lógica até a mais bizarra. Contudo, quando o médico contou o que realmente estava acontecendo comigo foi um baque tão grande que desmaiei.

 

 


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