Antes do Nosso Limite escrita por Mrs Days


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Finalmente consegui postar essa história depois de tanto tempo. Estou escrevendo esse enredo desde o ano passado, mas só agora resolvi que estava na hora certa de postar. Espero que todos gostem.



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Burley , Idaho – 2011

 

            Os corredores do colégio estavam fervendo em murmúrios por conta da aproximação da formatura e, principalmente, do baile. Garotas comentavam sobre seus amados vestidos e o quanto estavam alegres por terem sido convidadas pelo homem dos seus sonhos e os garotos furtivamente mostravam os cartões dos quartos de motéis que haviam alugado para depois do evento. Eu não conseguia me encaixar em nenhuma das euforias. Primeiro, por não planejar pisar no baile e segundo por não ter sido convidada para escapar após esse evento social. De qualquer maneira, já tinha aceitado o convite da Stanford de passar uma semana com eles para conhecer os programas estudantis e era para isso que eu estava empolgada.

— Não acredito que você vai para Stanford — Jessie pegou em minha mão, saltitante após ler a minha carta de aceitação. Deveríamos parecer duas loucas por fazer isso, mas no durante aquela semana em específico, aquilo era considerado um comportamento normal. — Pena que vai perder o grande baile.

— Garanto que não vai ser uma grande perda comparada a isso — ergui a carta e a balancei. Decerto, as pessoas deveriam estar pensando que aquilo era o convite dourado para a fábrica do Willy Wonka. E era quase isso. — Além disso, quanto mais rápido sair daquela casa, melhor ainda.

Jessie soltou um muxoxo, complacente com a minha situação familiar. Desde o falecimento de minha mãe há quase três anos, meu pai nunca mais foi o mesmo. Sempre dependente de relacionamentos destrutivos que não atingiam só a ele, mas a mim também. Mas parecia que a ideia de separar era irremediável. Era como se meu pai tivesse medo de perder pela segunda vez o amor da sua vida e não quisesse colocar nada a perder.

Foi em um desses relacionamentos que ele conheceu Misty e se casaram em menos de um ano. Infelizmente, a minha torcida de sempre para que ela reparasse na dependência dele e terminasse – como todas as outras fizeram – não deu certo e ela se aproveitou da fragilidade do meu pai. Se fosse apenas ela, talvez eu cogitasse relevar, afinal, meu pai estava tendo uma chance de recomeçar. No entanto, o problema principal tinha saído do útero de Misty e tornado minha vida o mais insuportável possível.

Era possível ver Jade conversando animadas com as suas amigas do outro lado do corredor, festejando e imaginando todos os cenários possíveis ao lado de seus respectivos pares no baile. Simultaneamente, ela me encarou com seus grandes olhos verdes e os revirou na minha direção, retornando sua atenção para as suas amigas. Resolvi fazer o mesmo, retomando a conversa com Jessie.

— Nem tive a chance de contar para o meu pai sobre Stanford. — reclamei recostando-me no armário como se precisasse de um apoio. Jessie nunca sabia o que dizer ao certo para me consolar, preferindo apenas se manter em silêncio e me escutar. Foquei meus olhos em seus cheios cabelos cacheados e – como em inúmeras vezes desde que nos conhecemos – pensei em como ela era uma das garotas mais bonitas da escola. Sua pele negra poderia ser comparada a de uma boneca, tendo ocasionais espinhas em períodos que seus hormônios estavam a flor da pele, mas isso não diminuía a sua beleza. — Jade ficou o mês inteiro arrastando Misty para fazer compras e meu pai foi o chofer. Então, quando eu estava em casa, nunca estava acompanhada. Ou o assunto era o cabelo de Jade, a cor do segundo vestido de Jade – porque ela não ousaria usar o mesmo vestido na formatura e no baile, por mais que fossem no mesmo dia e em horários diferentes –, como o par de Jade é gentil e popular e, claro, que é uma pena que eu não vá por não ter par.

— Ela é uma vaca egocêntrica! — Jessie disse finalmente.

Balancei minha mão sem dar muita importância aquilo. Era a formatura e o baile, era normal para uma menina ficar animada com tudo aquilo. Eu não poderia recriminá-la por aproveitar um dos melhores momentos da sua vida, assim como eu estava aproveitando o meu. Olhei para o relógio vendo que faltavam menos de cinco minutos para que o sinal tocasse e suspirei por estar cansada mentalmente.

— Vou tentar contar para o meu pai hoje. — relatei em voz baixa. — Misty e Jade vão até a costureira para verificar se o vestido está pronto e vou ter uma brecha. Preciso de sorte.

Jessie deu um tapinha no meu ombro.

— Sabe que se precisar de alguém para derrubar bebida no vestido da senhorita perfeita... — deixou a frase em aberto e eu assenti como se cogitasse permitir que ela prosseguisse com esse plano maluco. — Não precisa ficar desanimada desse jeito. Quem está perdendo é o seu pai. De qualquer maneira você vai se mudar para Califórnia e se tornar uma renomada advogada. Não vamos terminar essa amizade nunca, acho que vou precisar dos seus serviços muitas vezes. Principalmente se continuar na mesma cidade que aquela ali — apontou novamente para Jade.

Trombei o meu ombro contra o dela, brincalhona.

— Para de tanta implicância. — pedi e ela bufou em resposta. — Aposto que quando eu me mudar, vocês duas se tornaram as melhores amigas da terra.

— Sim, claro. E eu tenho um terceiro mamilo. — respondeu irônica. Coloquei minha mão na boca para abafar a alta risada que eu iria dar no meio do corredor. Felizmente, as palavras de Jessie fizeram-me engolir em seco e todo o humor se diluir. — Hey, Cass! Olhe quem está vindo.

Não precisei ser nenhum gênio para adivinhar a que Jessie se referia, mesmo assim fingi que não sabia do que se tratava apenas para olhar e meu coração agradeceu por isso com batidas aceleradas contra o meu peito. Parecia por um segundo que o tempo tinha parado e assumido uma velocidade que contrariava a física, pois seus passos enquanto caminhava pelo corredor eram lentos e angustiantes.

 Mais duas ou três meninas acompanhavam sua passagem com os olhos, devorando-o, fazendo-me sentir patética. Seus cabelos castanhos estavam arrumados em um topete como sempre, ainda que tivessem fios de cabelos que não estavam tão arrumados, como se ele tivesse dado um último retoque com os dedos. Suas mãos estavam escondidas nos bolsos da jaqueta do time de lacrosse, tendo a mochila pendurada no ombro apenas por uma alça – o que eu não achava muito recomendado – e seus olhos escuros fixos no caminho que deveria traçar.

Pelo menos foi isso o que achei até que seus olhos encontraram os meus por alguns segundos. Minhas mãos estavam geladas e suadas – se é que isso era possível e eu tive que recordar o meu cérebro de que meu corpo deveria exercer funções básicas como piscar e respirar.

— ... e eu descobri que elefantes podem sim voar junto com Simba e o Timão. — Jessie finalizou. Pisquei com força, como se estivesse saindo de um feitiço e a encarei. Jessie tinha um meio sorriso debochado preso em seus lábios e meu rosto ficou corado. — Você já contou a ele que vai para Stanford?

Arfei.

— Por que eu contaria para ele que estou indo embora?

— Porque talvez assim ele pare de glicose anal e conte que é louco por você. — passou um braço ao redor dos meus ombros e me virou a tempo de vê-lo virando o corredor e sumindo. — E você também tem que parar com essa glicose. Você só tem mais uma semana nessa cidade, Cassandra. Se fosse eu, estaria fazendo as maiores loucuras do mundo.

Jessie, assim como a maioria dos moradores de Burley, preferia frequentar a faculdade e estabelecer a vida sem sair da cidade. Eu fazia parte da mínima porcentagem que tentaria ficar mais de dois anos fora sem falhar miseravelmente.

— Você não precisa de um impulso para cometer loucuras, Jessica. — respondi usando o seu nome inteiro, assim como ela tinha feito. O sinal tocou exatamente nesse segundo e eu peguei meus livros no meu armário abraçando-os contra o meu peito. — Preciso ir. A primeira aula é com a Sra. Lancaster e ela está sedenta para dar a última detenção do ano. Nos encontramos no refeitório. — acenei para ela, corredor em direção a sala.

Tive que desviar de uma quantidade considerável de alunos que estavam tão apressados quanto eu. De soslaio vi Jade indo para a direção oposta com as suas amigas e perdi a atenção do meu caminho. Obviamente não prestar a atenção no meu caminho acarretaria em um resultado desastroso, como eu caindo de joelhos no chão e meus livros espalhados no chão. Porém, com esse tipo de coisa eu poderia facilmente lidar. O problema em si era em quem eu tinha trombado.

Deveria ter imaginado que a vida seria uma cretina comigo nos meus últimos dias na cidade e que me deixaria correr em uma velocidade constante que se compararia aos passos lentos dele, o que ocasionaria em um inevitável atrito. Abaixei com o rosto totalmente vermelho, recolhendo todas as minhas folhas que estavam perto e levantei os olhos o suficiente para vê-lo se abaixando na minha frente e me ajudando. Fechei os olhos, rezando para que Deus me deixasse sobreviver até o final de semana e que ele não dissesse nada.

— Desculpe por isso — eu sussurrei querendo ser rápida e rosnando quando uma folha escapava por entre os meus dedos. Ele juntou um bolo de folhas e me entregou. — Muito obrigada. — agradeci abraçando os livros e acelerando em direção a sala.

— Hey! — ele chamou atrás de mim.

No entanto, continuei com os passos firmes em direção a sala. Ele deve ter cogitado que não escutei o seu chamado, pois começou a me seguir pelo corredor e me chamar. Se bem que não consideraria um chamado ser gritado de Hey. Ele me alcançou quando eu estava na porta da sala e tocou em meu braço. Foi como se todo o meu corpo tivesse acordado de anos de sono e eu me assustei com aquela reação desconhecida, dando um passo desastroso para trás. Em uma tentativa de me salvar, ele segurou o meu braço, o que gerou mais um tropeço da minha parte.

Quando percebi, estávamos um em cima do outro no meio da sala de aula sob os curiosos olhares dos meus companheiros de classe e o furioso encarar da Sra. Lancaster. Olhei para cima, transferindo meu constrangimento para frustração e estreitando os olhos na sua direção. Não precisava ser um gênio para saber nosso caminho depois de nos levantarmos.

— Detenção. Para os dois!

                                                           ********

— Em minha defesa, eu só queria te entregar sua caneta. — ele sussurrou na minha direção.

Eu permaneci em silêncio, ainda frustrada por estar sentada ali dentro no primeiro dia da última semana, sendo que não tinha culpa de nada. Estávamos presos na biblioteca com o professor Silverman, no entanto, ele estava mais interessado em dormir do que recriminar os alunos por conversarem quando não deveriam. A mesa que eu dividia com o causador da minha desgraça era dupla, o que tornava impossível me afastar muito. E, a julgar pelo rosto não muito amigável das outras pessoas presentes, ele era a minha melhor opção no momento.

— Cassandra... — tentou novamente.

Espantei-me um pouco por ele saber o meu nome, sendo que não tínhamos trocado mais de três vezes durante todos esses anos que estudamos na mesma escola. Virei-me para ele, expondo meu descontentamento por estar presa naquele lugar quando deveria estar definindo o meu futuro.

— Caleb, esqueça isso! — pedi em um murmúrio urgente. — Aconteceu, não podemos mais fazer nada. Quer me dar a minha maldita caneta agora? — estiquei minha mão na sua direção.

Ele sorriu, coçando a nuca sem graça. Caleb parecia bastante jovial sorrindo ao contrário das vezes que mantinha o semblante sério e uma armadura ao seu redor. Claro, era o tipo de coisa que fazia garotas idiotas suspirarem. E eu tinha que reter um suspiro a cada décimo de segundo sentindo o seu cheiro e sua presença ao meu lado.

— Eu ia dizer que você está pisando no meu pé, mas aqui está. — ele entregou minha caneta, fazendo com que seu dedo deslizasse pela palma da minha mão. Guardei a caneta com a desculpa para que ele não visse os meus pelos arrepiados. — Você parece preocupada. Não para de olhar para a hora. — apontou para o relógio em meu pulso.

Suspirei, desanimada.

— Eu tinha uma coisa importante para resolver e só tinha hoje para fazer isso. — mexi em meu cabelo como uma forma de evitar o seu olhar direto. Encolhi os ombros, mexendo-os em seguida, como se não me importasse tanto. — Se não conseguir fazer isso até sexta feira, terei que tomar medidas drásticas. — soltei um riso sem graça imaginando-me na Califórnia desfazendo minhas malas e meu pai lendo um bilhete sobre minha partida.

— Se é sobre o vestido que vai usar no baile, acho que azul combina com você. — Caleb palpitou sério. Meus olhos se arregalaram levemente diante de seu comentário desconexo. — Combina com os seus olhos. Aposto que seu par concordaria comigo.

Desviei o olhar pressionando os lábios.

— Eu não tenho um par. — sussurrei quase inaudível. Comecei a passar o indicador ao redor das pichações na mesa, apenas para fugir da inquisição dos seus olhos. — Não que não tenha recebido alguns convites, mas acho que não estarei mais por aqui no baile. — confidenciei. Pelo canto do olho, observei-o se recostar na mesa pondo seu cotovelo ali e virando seu corpo na minha direção com a sobrancelha arqueada. Era um misto de interesse e curiosidade em sua expressão. Não iria ser estúpida ao ponto de negar aquela atenção. Apostava que se Jessie estivesse assistindo a aquela cena, estaria batendo palmas e dizendo que esteve certa o tempo todo. — Passei para Stanford e planejo ir para Califórnia morar com a minha tia.

Ele se aproximou um pouco mais.

— Vai sair de Burley? E a sua família?

Retive uma risada de desdém.

— Garanto que vão ficar bem sem mim. — gracejei e levantei o rosto na sua direção. — O problema é que não consegui contar para o meu pai sobre isso. Ele nem sabe que passei para a faculdade e isso é frustrante. É como se o tempo estivesse acabando e ainda existisse um grande elefante na sala. — gesticulei abrindo os braços como se o animal estivesse bem na minha frente. Respirei fundo, envergonhada por ter agido desse jeito na frente dele. — Desculpe por isso. É só estou com isso engasgado tem alguns dias.

Caleb permaneceu em silêncio por alguns segundos, apenas me observando e distraída pela bela tonalidade de castanho de sua íris, também fiquei encarando-o de volta. Não sabia de onde tinha vindo toda aquela coragem, mas dizer em voz alta que meu tempo naquele lugar estava cotado tinha feito uma pequena diferença, por mais que naquele momento fosse imperceptível aos olhos leigos.

— Deveríamos fazer alguma coisa antes de você partir. — ele disse subitamente, aproximando ainda mais o seu rosto do meu. Seu movimento foi tão súbito que quase caí da cadeira, porém, por sorte ele me segurou pelo bíceps. — Vamos fazer tudo de novo? — ele debochou referindo-se a cair em cima de mim. Balancei a cabeça com um sorriso bobo nos lábios. Percebendo que deveria estar parecendo uma idiota, fiz o sorriso sumir e balancei a cabeça com a expressão séria. — Não quer sair comigo? — indagou interpretando os meus sinais erroneamente.

— O que? Não, não foi isso o que quis dizer. — tentei me explicar gesticulando descuidada. — Quis dizer que não vou deixar você ficar em cima de mim. — ao soltar essas palavras, Caleb riu e meu rosto ficou ainda mais vermelho. — Não quis dizer isso também. — respirei fundo procurando retomar o controle da situação. — Ok, eu saio com você. Mas para onde vamos?

Eu perdi o ar em um arfar quando Caleb deixou o rosto perigosamente perto do meu. Era como se ele quisesse ouvir meu coração palpitando com força ou o suor deslizando por minhas têmporas. Mantive-me firme e retribui seu olhar, esforçando-me para que minha mente focasse no momento atual e não em criar diferentes cenários para onde Caleb poderia me levar.

— Vou te levar ao limite — prometeu em um sussurro.

Estava prestes a perguntar o que ele queria dizer com aquilo, mas fomos interrompidos pelo grito do senhor Silverman que fez questão de nos afastar em seguida. Fechei os olhos, recostando-me na mesa e permitindo que minha mente – finalmente – fantasiasse com a realidade.


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