O Garoto da Calça Rasgada escrita por Biax
Algumas semanas se passaram sem qualquer tipo de contato com Nathaniel. Apesar de me sentir um idiota por não ter coragem, eu também acabei o esquecendo graças a uma garota recém-chegada chamada Priya. Ela era tão bonita que eu levava algumas cutucadas na costela para parar de encará-la. Precisava dizer que ela virou um novo amor platônico?
Foi sorte ela ter caído na nossa sala, e mais ainda por Gabrielly ter sido a primeira a puxar assunto, e assim conseguimos mais um integrante para o grupo. Além de bonita, ela era interessantíssima, inteligente e falava sobre qualquer coisa. Eu ficava quase hipnotizado quando conversávamos, e aparentemente ela gostava de ter aquela atenção.
Como de costume, esperamos Armin no corredor, e Nathaniel saiu primeiro e ficou na porta. Não me dei ao trabalho de saber se ele estava mexendo no celular ou fazendo qualquer outra coisa.
Armin chegou e me despedi de meus amigos. Andamos rumo à sala, e só quando entramos é que percebi que Nathaniel não estava com o celular.
Tirei meus materiais da mochila e a professora começou a anotar a matéria na lousa.
— Me empresta uma caneta, Castiel?
Parei com a caneta na folha, sem ter certeza se ouvi direito, já que foi um sussurro. Erguendo a cabeça, encontrei Nathaniel me encarando, virado na cadeira na minha direção. Estranhei, mas procurei uma caneta em meu estojo e entreguei a ele.
— Obrigado — agradeceu, sorrindo, e se arrumou no lugar.
Por que ele não pediu para o amigo dele, Kentin, ou Armin? Estranho.
Tinha sido a primeira vez em que eu o olhei diretamente nos olhos. Eles tinham uma cor de caramelo claro. Sua expressão amistosa não saiu da minha cabeça.
Após o término da aula, ele me devolveu a caneta e agradeceu de novo, e daquela vez não correu para ir embora. Guardou as coisas na mochila com a mesma preguiça que eu sempre tinha, como se imitasse meu ritmo.
Não nos falamos de novo, e eu saí da sala primeiro. Fui para a casa pensando naquilo, e me lembrei de que teria que fazer compras. Apenas troquei de roupa, coloquei ração para Dragon e fui ao supermercado. Não comprei exatamente tudo o que eu precisava, já que não aguentaria levar tantas sacolas, e o processo levou menos de uma hora.
Passei pelo parque na volta, e um movimento, atrás de uma árvore, chamou minha atenção. Um par de All Stars imundos balançando no chão. Parei, pensando se devia checar. E se fosse Nathaniel, o que eu falaria? Se ele estava ali, sozinho, provavelmente era porque não queria companhia, não?
Mesmo cheio de dúvidas, circulei a árvore, de fato encontrando Nathaniel, de olhos fechados, com algumas manchas vermelhas no rosto e um corte no lábio inferior. A cena foi tão chocante que eu reagi automaticamente, chegando mais perto.
— Nathaniel?
No mesmo instante, ele abriu os olhos e me encarou, como se levasse um tempo até me reconhecer.
— Castiel? O que tá fazendo aqui? — perguntou, franzindo o cenho.
— O que você tá fazendo aqui? Andou brigando?
Ele deu uma risadinha irônica.
— Por aí.
— Por quê?
— Tentaram me roubar. — Deu de ombros, como se fosse a situação mais comum do seu dia a dia.
— Você tá bem?
— Sim. Alguns socos na cara não são suficientes pra acabar comigo.
Apesar da pose, ele parecia exausto.
— Por que não vai pra casa?
— Se eu for pra casa assim, meu pai me deserda. Não que eu me incomode com isso. — Ele passou a língua pelo machucado e fez uma leve expressão de dor, que logo tentou conter.
— Não tem outro lugar pra ir?
— Não.
Observei seus machucados, imaginando o quanto deviam estar doendo. Só gelo ajudaria na sensação.
— Vem, eu vou te ajudar. — Deixei as sacolas no chão e estendi a mão direita em sua direção.
— Eu não pedi sua ajuda — afirmou, desviando o olhar.
— Não perguntei se você quer — respondi no mesmo tom.
Nathaniel riu, mesmo que não tivesse um pingo de graça.
— Não quero sua ajuda — reformulou, estranhamente em um tom gentil.
— Se não pode ir pra casa, vai fazer o quê?
Ele observou o parque por alguns segundos, suspirou e me encarou novamente.
— Eu me viro.
Por que tanta teimosia? Ele não ia morrer se aceitasse ajuda.
— Anda logo, não tenho a noite toda. Meu cachorro tá me esperando.
— Você tem cachorro? — Nathaniel riu.
— Qual o problema?
— Nenhum. — Suspirou e levantou, se apoiando na árvore. Assim que ficou de pé, colocou uma mão na barriga e se curvou levemente para frente.
— O que foi?
— Levei um soco no estômago. —Deu um sorrisinho. — Isso dói.
— Vai aceitar minha ajuda? — perguntei, começando a achar que ele era maluco.
Ele me olhou, considerando.
— Só porque preciso levar meu rosto.
— Que seja. — Peguei as sacolas de volta. — Vem.
Nathaniel me seguiu em silêncio, parecendo cansado e com dor demais para falar alguma coisa. Abri o portão de casa, o deixei passar e entramos. Dragon estava fazendo sua festa, mas parou ao notar que eu não estava sozinho e encarou meu convidado com extrema atenção. Deixei as sacolas do mercado em cima da mesa da cozinha.
— Uau, ele é enorme — comentou Nathaniel, impressionado. Ele estava com medo ou era impressão minha?
Antes que Dragon ameaçasse rosnar, o peguei pela coleira e o prendi na lavanderia. Não era justo, mas eu gostaria de evitar mais machucados. Ele ficaria lá até se acostumar com o cheiro do visitante.
— Você mora sozinho? — perguntou Nathaniel da cozinha.
— Tecnicamente, sim — respondi assim que voltei. — O banheiro fica na segunda porta do corredor.
Ele acenou brevemente e foi até lá.
Comecei a guardar as compras em seus devidos lugares. Quando acabei, ouvi um barulho estranho, mas que me era familiar, e fui até o corredor. Com surpresa, percebi que era o chuveiro.
— Quem te deu permissão pra tomar banho?! — berrei, batendo na porta do banheiro.
— Eu tava muito sujo — respondeu Nathaniel, simplesmente.
— Você devia ter pedido!
— Tenha um pouco de consideração por quem apanhou de três caras, vai.
Parei com o punho encostado na porta, assimilando a informação. Ele não tinha especificado quantas pessoas tentaram o assaltar, e imaginar três marginais para cima dele era de cortar o coração. Por mais que ele pudesse saber se defender, não teria como. Não era justo.
Soltei um suspiro e voltei à cozinha, pensando se devia tentar conversar com ele sobre aquilo. Ele não parecia ser alguém fácil de se lidar, ainda mais sabendo que sua teimosia era grande a respeito de problemas. Enquanto isso, decidi começar o jantar.
Cinco minutos depois, escuto a porta do banheiro ser destrancada e Nathaniel apareceu na cozinha, vestindo somente as calças e com a toalha sobre a cabeça, esfregando os cabelos para secá-los, o que me fez sentir o cheiro automaticamente.
— E você ainda usa o meu shampoo. Não tem como ser mais folgado, não?
Ele deu um sorriso torto.
— Foi você que ofereceu ajuda.
— Oferecer ajuda é uma coisa, você ir tomando banho sem pedir é outra. — Me virei de volta para o balcão, querendo parar de observá-lo.
— Eu realmente tava muito sujo, tá? E eu nem demorei. Pago sua conta de água, se quiser.
Balancei a cabeça em negação e continuei a trabalhar. Uma das cadeiras da mesa foi arrastada.
— Aquela sua amiga nova, a morena... Vocês estão ficando?
Aquela pergunta me pegou de surpresa.
— Não.
— Mas você gosta dela?
Minhas bochechas esquentaram e abaixei mais a cabeça, sabendo que estava corando.
— Não.
— Então por que ficou vermelho? — perguntou Nathaniel, com humor na voz.
— Porque eu não gosto de falar da minha vida pessoal.
Ele riu e levantou, indo encostar no balcão ao meu lado.
— Quer ajuda? — indagou despreocupadamente. Nem parecia que tinha levado uma evasiva.
— E você por acaso sabe cozinhar?
— Posso não ser um chef, mas sei me virar.
— Ferver água não é saber se virar. — E ele gargalhou, mesmo eu tendo usado um tom irritado. — Por que perguntou da Priya?
— Por nada. — Deu de ombros. — Isso tem um cheiro muito bom, o que é?
— Comida — falei, mexendo o conteúdo da panela com uma colher.
Nathaniel fez um bico, o que o fez parecer uma criança, com a toalha na cabeça. E assim que pensei aquilo, ele puxou a toalha e jogou os cabelos para trás com a mão.
— Espero que meu cabelo fique brilhoso igual o seu. As meninas adoram meu cabelo, sabe?
Meu cabelo era brilhoso?
— Ah, é? — perguntei, desinteressado.
— Uhum. Até que você fica bem de cabelo grande. Combina com você. — Nathaniel pegou uma pequena mecha de cabelo entre os dedos, como se o analisasse.
As pontas dos meus cabelos estavam próximas da base do pescoço. Eu nunca fui desleixado com ele, sempre cuidei muito bem e recebia elogios com certa frequência, mas nunca me importei muito. Então por que aquelas palavras me fizeram corar?
— Sai, invejoso. — Empurrei sua mão, de leve, para longe. Eu até poderia ter gostado do contato, mas nunca dei liberdade a ele.
Ele riu, achando graça, e se afastou.
— Melhor eu ir.
— Não vai comer? — indaguei, desacreditado.
— Não. Melhor ir pra casa... — Nathaniel foi até o banheiro e voltou com o resto de suas roupas. Calçou os sapatos e vestiu a blusa. — Dá pra ver alguma mancha de sangue? — Indicou sua camiseta.
Analisei a peça, sem encontrar nada.
— Não.
— Beleza. — Puxou novamente o cabelo para trás, parecendo incomodado com o jeito que os fios lhe caíam sobre a testa. — Deixei a toalha no banheiro.
— Tudo bem... Tem certeza que não quer ficar pra comer?
— Tenho sim.
Acompanhei Nathaniel até o portão, e ele parou na calçada, aparentemente sem jeito.
— Hmm... Obrigado — agradeceu rapidamente, de olho no chão.
— Por nada.
Nathaniel me deu um rápido sorriso e saiu andando. Talvez ele tivesse dificuldade em demonstrar sentimentos.
Fechei o portão e entrei, indo soltar Dragon, pensando em quão estranho tudo aquilo tinha sido.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Até o próximo!