A temperatura caiu, um estalo pôde ser ouvido lá fora indicando que o transformador quebrou deixando tudo escuro. Uma fumaça começou a penetrar a casa trazendo consigo um fraco cheiro de enxofre. O flash de um celular estava ligado como lanterna.

A garota começou a tossir abanando as mãos em uma falha tentativa de conseguir ar puro. Um clarão vinha da mesa, um símbolo brilhava tão forte que machucava seus olhos. Ela tentou se afastar mas quando se virou para sair, deu de cara com uma criatura feita de sombras.

Ela encarou aquela forma translúcida não confiando em seus olhos, pois devido a rápida cegueira que o clarão lhe proporcionou, enxergava vários pontos brancos agora.

Os dois seres permaneceram imóveis, até a criatura de sombras quebrar o silêncio:

— Como me invocou? 

A voz da criatura soou na mente da garota que continuava parada sem saber o que fazer.

— Como? Ninguém me chama há séculos.

— Desculpa, quem é você? O que está acontecendo? Por que ficou tão frio? - ela disparou sem pausar para respirar. - Eu só estava fazendo um lanche de boas na minha cozinha, que por sinal está destruído depois do que quer que tenha acontecido.

— O que? - após alguns minutos ele tornou a responder - Eu sou um demônio das sombras, preciso do escuro e do frio para me manter aqui. Como me invocou?

— Demônio das sombras... 

— Como me invocou? Eu estava quase zerando o meu jogo antes de ser indelicadamente puxado para este plano - insistiu novamente com uma leve irritação.

— Eu não sei. Eu só queria comer um lanche mas depois que coloquei maionese, o condimento começou a brilhar e essa loucura aconteceu - a garota comentou enquanto sentava-se no chão escorando na parede.

O demônio se desfez e surgiu novamente na frente dela.

— Então tudo isso é um acidente? - a voz incrédula preencheu sua mente.

— Você me diz. Não veio aqui pegar a minha alma ou algo assim veio?

— Não funciona desse jeito. Eu faço um acordo, cumpro a minha parte dando algo ou fazendo algo de interesse para a pessoa que me invocou, aí coleto o que ficou combinado, sendo geralmente a alma. Mas os tempos mudaram de uns séculos pra cá. Muitos demônios aceitam um corpo pra ficar neste plano por algum tempo, usufruindo deste mundo e roubando algumas coisas - a criatura se aproximou um pouco. - Porém, a alma ainda é valiosa no mercado negro, se estiver interessada em um acordo. 

— Ahn... Não, obrigada. O que eu faço agora? Como te mando de volta?

— Você disse que estava fazendo... Um lanche?

— Sim, que agora está espalhado em vários pedaços - ela comentou apontado.

A criatura se aproximou da mesa deixando um rastro de fumaça enquanto se movimentava.

— Aqui o símbolo. Você me invocou com... O que é essa coisa branca? Maionese? Você me invocou com maionese?! - ele disse exasperado.

— Eu só fiz um desenho no pão, é costume, não achei que fosse invocar um demônio!

Voltaram a ficar em silêncio, o demônio encarando-a perplexo.

— Pare de me encarar. Eu só queria comer - ela suspirou. - Como te envio de volta?

— Com o símbolo de banimento. - Dito isso, ele começou a se movimentar desenhando o símbolo com seu rastro.

A garota se levantou, pegou o pote de maionese e se pôs a desenhar. O demônio continuava a fazer o símbolo.

— Tem certeza quenão quer fazer um acordo? - ele perguntou sem quebrar o movimento.

— Não quero fazer um acordo! Só quero te enviar de volta, saco!

— Nossa que irritada você.

Quando ela enfim terminou, novamente o símbolo começou a brilhar. A criatura começou a desaparecer lentamente, a fumaça que invadiu toda a casa agora era sugada pelo símbolo. A temperatura começou a normalizar, porém tudo continuava escuro, salvo pela luz do celular. Levaria ainda algumas horas até a energia voltar, a CPFL sempre demorava para ir no seu bairro.

Tudo parecia normal, a única coisa que denunciava que a experiência sobrenatural realmente ocorreu era o lanche em pedaços pela cozinha. Até os símbolos tinham desaparecido.

Com um suspiro, a garota se trocou, conferiu o dinheiro, pegou as chaves do carro e foi para uma lanchonete. Ainda estava com fome e toda aquela experiência tinha arruinado seu perfeito X-TudoQueTemNaGeladeira, e não estava pronta para tentar mexer com comida novamente. Sempre disseram que ela era péssima na cozinha, quem diria que iria acabar invocando um demônio.