Entre o Céu e o Inferno escrita por Lu Rosa


Capítulo 19
Confidências


Notas iniciais do capítulo

- Fugir não. Entender. – Genny estendeu as mãos para a frente e entrelaçou os dedos. - A porta foi aberta, Elijah e agora você vai enfrentar os seus demônios, as suas vítimas. E sair fortalecido com isso.
Ele a fitou com admiração.
— Você é tão jovem e tão sábia Genesis... como pode ser isso?
A moça enrubesceu com o elogio e Elijah sentiu novamente a sensação de calor.



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Genny cumpriu sua promessa. Com o auxílio de Magnus e Freya, que aliás haviam se tornado bons amigos, ela incitava sua essência demoníaca para poder controlá-la. O esforço era extenuante e às vezes, ela até desfalecia no processo. Mas voltava dele cada vez mais forte.

Já em relação a Elijah, as coisas tomaram um rumo diferente.

A presença dele a deixava tímida e distraída. A ponto de ela querer treinar com Klaus ao invés de com Elijah. O Original achou estranho, mas não questionou a decisão da moça.

Com Klaus, Genny pode liberar toda a sua frustração, embora não soubesse bem por que ela se sentia assim. Até que um dia, após estar totalmente extenuada, Genny pediu que parassem um pouco.

— Por que, Cinderela? Agora que eu estava me aquecendo.

— Você... é... Intolerável, sabia? – ela reclamou ao mesmo tempo que tentava respirar.

— Ora, vamos, Cinderela. Nós dois sabemos por que você está agindo assim.

Ela o olhou esperando uma conclusão.

— Está no estágio da negação.

— E eu estaria negando o que, posso saber? – ela pegou um copo, colocou água de uma garrafa de cristal e o bebeu em goles generosos.

— Seus sentimentos em relação ao meu irmão. Vamos Cinderela... acha que eu não reparei o como você fica quando ele está por perto? Como sua face fica rosa ou seus olhos mais azuis?

Como resposta, Genny jogou o copo nele que com agilidade o pegou em pleno ar. Ela estava tão quente de vergonha que poderia derreter um iceberg. Ouviu a gargalhada de Klaus enquanto se distanciava.

Mais tarde, enquanto tomava uma xícara de chá, ela pensou nas palavras de Klaus. Seria mesmo possível que, ela houvesse se enamorado do Original? Bem, ela tinha que admitir que ele era distinto, tinha charme e era muito atencioso com ela desde o primeiro momento.

Mas, ainda sim proibido para ela.

Genny não era nenhuma tola. Sabia que Elijah ainda tinha sentimentos pela mãe de Hope, mesmo ela tendo se casado com outro. E depois de ter visto a hibrida, loba toda poderosa, rainha da alcateia Hayley Marshall, Genny se perguntava: como competir?

Como se seus pensamentos o atraíssem, ela viu ele atravessar o pátio em sua direção.

— Olá. Não está treinando? – Elijah perguntou.

— Klaus me pediu para parar. Coitadinho, deve estar ficando velho...

— Eu ouvi isso Cinderela! – Klaus gritou da biblioteca. – Quer que eu conte ao Elijah como foi o treino de hoje? – ele chegou à entrada do corredor.

— Não. – ela respondeu. – Tenho certeza que ele vê que foi bom, uma vez que você ainda está vivo.

Elijah olhava de um para outro com a impressão que eles falavam de outra coisa.

— Por que não se senta e toma um chá comigo? Tenho certa que os inimigos da família Mikaelson não vão esperar que você faça uma pausa em sua eterna vigilância.

— É impressão minha, ou você já está um tanto irônica hoje?

— Bem, não se pode conviver com os mestres e não aprender algo, não acha?

— Depende... Niklaus conheceu Rafael e Michelangelo e não aprendeu nada.

Eles ouviram um barulho de algo caindo e sorriram cúmplices um para o outro.

— Mas que porcaria! Vocês resolveram pegar no meu pé hoje? – Klaus reclamou.

— Vocês devem ter visto os maiores mestres do mundo em ação... como é isso? Ter visto a humanidade evoluir?

— Bem, - Elijah recostou-se na cadeira – o mundo tem beleza. Mas tão pode ser horrível. Napoleão. Duas guerras mundiais... – tamborilou os dedos sobre a mesa, perdido em recordações. - Mas eu me lembro também de como me deslumbrei ao ver um livro impresso pela primeira vez, ou ver Michelangelo pintar a Capela Sistina ou ainda ver o homem voar em um avião. – ele deu um sorriso que fez o coração de Genny saltar uma batida. – Ou viajar no Titanic...

— Não... – ela se inclinou para a frente. – Sério?! O Titanic?!

— Sim. O navio que nem Deus afundava. Devo admitir que algumas das mil vítimas não morreram no naufrágio. – ele se inclinou para a frente e pegou o bule de chá e entornou um pouco em uma xícara. – E você, senhorita Wayland? Qual é a sua visão do mundo?

Genny fitou Elijah, tomou um pouco do chá e começou sua história.

— Eu nunca vi o mundo, sabe? Quer dizer, eu via-o da janela do meu quarto. Via as estações passarem, casais se separarem e pessoas formando novos casais. Mas pessoas nunca me viam. O Instituto não pode ser visto pelos mundanos, ele é protegido por um feitiço.

— É uma existência muito triste. - comentou Elijah, tomando um pouco do líquido quente.

— Eu não conhecia outra vida. Tinha meus livros na biblioteca, minhas plantas na estufa e o telhado. Passei anos estudando. Sabia tudo sobre runas, sobre o anjo Raziel, sobre armas celestiais e sobre os submundanos.

— Como eu, não é?

— Desculpa... é que eu aprendi assim.

— Não se preocupe. Continue. - ele pediu.

— Eu nunca convivi com crianças da minha idade, mundanas ou não. Não fui a escola, como Clary. E os aprendizes... eles tinham uma reserva natural em relação a mim. Depois com o tempo, eu ganhei a confiança deles... com uns pequenos truques que aprendi com o Magnus. – ela criou energia com os dedos e a manipulou por alguns minutos. - Quando eu tinha dez anos, Clary me contou a história da Rapunzel. Conhece?

— Sabendo de sua história, eu diria que você poderia ter inspirado os Irmãos Grimm duzentos anos antes.

— Ah tá! - ela riu. - Rapunzel, pelo menos, teve um príncipe que a libertou.

— E você não teve?

Genny enrubesceu com a lembrança de Adrian. Por muitos anos, ela achava que ele seria o seu príncipe encantado. Mas agora, sua percepção de príncipe havia mudado um pouco. - Não. Nenhum Shadowhunters pensa em ser o príncipe encantado das garotas. 

— Talvez você estivesse enganada.

Genny rodou a xícara no pires e respirou fundo.

— E você? Já foi o príncipe encantado de alguém?

Elijah sombreou o rosto.

— Há muito tempo, eu achei ter encontrado a minha princesa. Mas, não era.

— Ela lhe deixou?

— Não. Ela morreu.

Não foi com todas as letras, mas Genny entendeu o que ele não dissera: a moça havia sido sua primeira vítima. A tristeza em seus olhos azuis fez com Elijah desejasse ter falado outra coisa.

— Sabe, quando eu fiz dezoito anos Clary me disse que me levaria para conhecer Nova York, aproveitando que Jace tinha ido para Idris. Segundo ela, é a idade em que os mundanos se tornam adultos.

— Em algumas culturas até antes. Com doze, treze anos, o menino já tem que caçar e as meninas a cuidar de uma casa.

— Como a sua? Sua família é nórdica, não é?

Ele se surpreendeu com a perspicácia dela.

— Sim. Minha família era viking. Meu pai fazia parte da expedição de Leif Eriksson. - sentiu satisfação ao ver que ela sabia de quem ele estava falando. - Mas isso é uma outra história.

— Que eu vou gostar de ouvir. Mas, voltando à minha história, Clary me levou para conhecer Nova York. De início eu vi o Central Park, o Museu de História Natural e até assisti um espetáculo na Broadway. Mas, vi também pessoas doentes, brigas, tristeza e morte. Aquilo me partiu o coração. Era muita dor. Nunca mais sai do Instituto.

— A vida pode ser bem difícil. Mas também bela. Eu já vi os maiores tesouros da humanidade serem construídos e inventados. Mas também já vi muita coisa triste, muita morte. E sinto em dizer que eu contribuí em muitas coisas tristes.

Genny não soube o que responder.

— Eu já matei tantas pessoas, Genesis, que uma existência de mil anos não seria capaz de apagar. Muitas dessas pessoas eram tão más quanto eu. Mas muitas eram inocentes. Você me perguntou sobre eu ter sido o príncipe encantado de alguém. Sim, Genesis, eu fui... de uma jovem viúva chamada Tatia. Eu a amava e tenho certeza que ela também me amava. Mas, então, minha mãe fez o feitiço que selaria nossos destinos para sempre. E eu matei Tatia, quando ela descobriu sobre nós. Teoricamente você é parte demônio. Eu não tenho esse consolo. Eu me tornei um.

Genny sabia que tinha que dizer algo rápido.

— Eu acho que agora vou ter que fazer minhas as suas palavras. Quando eu fiquei com medo da minha origem você disse que todos nós tínhamos um demônio dentro de si. Minha pergunta é: você lidou com eles a sua vida inteira. Mas foi porque os escondeu ou teve a coragem de enfrenta-los?

— Eu os escondi. Tentei esquecê-los. Criei para mim uma máscara de autocontrole tão grande que me considerei acima de qualquer coisa. Me tornei a consciência do Niklaus, por pura presunção. Era tão selvagem quanto ele. Nisso a Esther estava certa. Eu não posso fugir de quem eu sou.

— Fugir não. Entender. – Genny estendeu as mãos para a frente e entrelaçou os dedos. - A porta foi aberta, Elijah e agora você vai enfrentar os seus demônios, as suas vítimas. E sair fortalecido com isso.

Ele a fitou com admiração.

— Você é tão jovem e tão sábia Genesis... como pode ser isso?

A moça enrubesceu com o elogio e Elijah sentiu novamente a sensação de calor.

— Eu sempre tive a necessidade de entender as pessoas. De me colocar no lugar delas. Então, acho que é isso. É como ter sintonia com elas. Eu procuro isso. Ter uma conexão. – ela fechou os olhos e sentiu o mundo inteiro em seu coração - É o que as pessoas precisam ter. Uma conexão. Clary, minha mãe... ela não é minha mãe de verdade, sabe. Mas ela me deu tanto amor... eu penso que nossas almas já se conheciam, pois eu a amava tanto que... - sua garganta fechou com as lágrimas que ela queria sufocar. Mas ela respirou fundo e continuou.

— Ela dizia que quando ela e Jace me encontraram, que não havia jeito de nos separar. Eu era o seu prêmio. Quando Valentim, o pai dela, fez experimentos com ela ainda na barriga da mãe, ele modificou algo em seu DNA. Clary não podia ter filhos, então eles me adotaram.  Mas sempre quis saber como é ter irmãos.

Elijah deu um sorriso sem humor.

— Pode ser o céu ou o inferno, se você tiver irmãos como os meus.

— Eu ouvi isso, Elijah! -  Klaus gritou da outra sala.

Genny deu uma risada. Elijah se surpreendeu com o som. Era alegre e inocente, como de um bebê. Quente como o sol. Era agradável de se ouvir.

— Adrian costumava me aborrecer assim, como um irmão mais velho. Adrian, era... - a emoção tomou conta dela novamente e dessa vez duas lágrimas escaparam dos olhos azuis. - Mas agora ele não pode mais me chatear, me surpreender, me fazer rir. - a moça riu entre as lágrimas.

— E esse Adrian...

Ela fechou a cara na mesma hora.

— Está morto. Eu não tenho mais ninguém. Clary era o meu último pilar. Agora não tenho mais ninguém.

Elijah inclinou-se e pegou na mão dela. Seu toque era ligeiramente frio se comparado aos das outras pessoas com que Genny já estivera, mas isso não a incomodou. Era aliviador sentir a mão morena sobre a sua e ela sentiu uma emoção desconhecida a sentir o aperto reconfortante.

— Você não está sozinha. Nós, os Mikaelson temos muitos inimigos e isso nos torna tão unidos quanto um só. E você está sob nossa proteção. Sob a minha proteção. Foi isso que eu prometi a sua mãe. E deixá-la em segurança será meu único objetivo, Genesis.

Os dois se encararam e Genny sentiu seu corpo se aquecer sob o olhar sério dele.

Freya chegou à porta nesse momento e observou seu irmão com a jovem loira. Por um momento achou que ela fulgurava um suave brilho prateado. Como uma estrela. E ela se perguntou se a chegada da jovem não teria sido uma dádiva de Deus para alguém como seu irmão.


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Notas finais do capítulo

E no próximo capítulo...

— Sabe o que é mais admirável? A lealdade de uma mãe para com seu filho. Eu poderia matá-la, Isabelle Lightwood, e você ainda teria alguns segundos de duvida. Sim, minha querida. Sou eu, Sebastian Morgenstern.
Isabelle arregalou os olhos de surpresa.