A Rua Infinita escrita por A G Oliveira


Capítulo 1
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 O coração do garoto estava acelerado. Ele era fraco e franzino, tinha quinze anos, mas era frequentemente confundido com uma criança de dez. Suas mãos suavam, suas pernas tremiam. Seu corpo e mente pareciam gritar desesperados. Mal conseguia se segurar de pé, mas tentava correr pela rua estreita e sombria. A neblina densa e iluminação decadente davam um aspecto de amedrontador para o lugar. Não possuía nenhuma memória de como chegara ali. Não podia ver nenhuma forma de escapar. Há muito tempo estava vagando, sem chegar a lugar nenhum. Seus pés descalços eram carne viva. A rua era ladeada por casas arruinadas, calçadas destroçadas e árvores sem folhas. A alma do garoto ardia em chamas, sabia que este não era lugar para humanos.

Uma pálida chama se acendeu no chão aos seus pés, sem emanar calor algum. As labaredas tocavam o garoto como folhas movidas pelo vento forte. Em meio ao fogo surgiu um objeto. Todas as vozes em sua cabeça gritaram em uníssono – Pegue -. Foi retirado das chamas um punhal. Lâmina negra, cabo prateado, desenhos ornamentais incompreensíveis. Pensamentos profanos passavam pela mente do garoto ao olhá-lo. Pensamentos que o assombravam como nada em toda sua vida havia feito até então. O menino lutou contra esses pensamentos e guardou o punhal em um bolso de sua capa. As vozes diziam para não o jogar fora.

Um sussurro baixo, incógnito, foi ouvido pelo garoto. A maior parte vinha de dentro de sua cabeça, mas os que o assustavam vinham de fora. O tom das vozes cresceu até serem discernidas palavras. Palavras que não deveriam ser ditas. O menino se esforçou para não ouvir.

As palavras se tornaram gritos. Em altura crescente, até que o próprio chão se pôs a tremer.  O garoto não conseguiu se manter de pé, foi atirado de joelhos ao chão e ali ficou. O medo o impediu de fugir. Seus pensamentos não faziam sentido. Vozes, vozes e mais vozes tomavam sua cabeça em murmúrios indecifráveis e gritos corrompidos.

Levante. Corra. CORRA...

Com esforço o menino se levantou, mas era impossível correr. Ao longe apareceu uma porta. Negra como a lâmina do punhal e ornada da mesma forma. Cada átomo de seu corpo parecia ser atraído a ela. –— Diziam as vozes.

Quando abriu a porta. Escuro. Nada além do silencio e das trevas. O garoto deu dois passos adiante e adentrou as sombras. Virou-se para trás e já não havia mais porta. O punhal que pegara na rua explodiu em chamas. Labaredas frias, mas capazes de iluminar um pouco do ambiente. O menino estendeu o braço segurando o objeto como uma tocha e caminhou em frente.

Algo como um raio rasgou a escuridão ao longe, iluminou uma coisa que não pode ser descrita. O menino viu a sombra de algo que não devia existir. Sua alma outrora em chamas, pareceu se esvair completamente de seu corpo. Um por um, todos os seus sentidos acuaram, tomados pela escuridão.

O garoto abriu seus olhos, cada uma de suas pálpebras parecia ter o peso de um portão de pedra maciça. Estava deitado no chão. Seu coração palpitava, o peito doía. Suas mãos formigavam e o ar não encontrava o caminho aos seus pulmões. As coisas que havia visto já eram suficientes. Seus olhos estavam abertos, mas sentia um medo profundo do que veria. As vozes voltaram. Incompreensíveis. E o garoto temia que elas não estivessem em sua cabeça. Se levantou lentamente e olhou o espaço ao redor. As paredes da sala mostravam desenhos de monstros, ou isso foi o que o garoto achou que eram. Rápidos vislumbres e a decisão de não mais olhar. Era melhor não saber. Uma mesa no centro do cômodo chamou sua atenção, feita de pedra lisa, sem qualquer ornamento. Em cima dela, um pedaço de papel dobrado e punhal... O punhal, nem havia se dado conta de que não estava com ele

Desdobrou o papel. Desejou não ter feito. Em letras borradas escritas com sangue: “Desculpe”.

O chão tremeu, um silvo que mais se parecia um grito fez seus ouvidos zumbirem. Uma explosão. A parede em sua frente se despedaçou. Os tijolos projetados para todos os lados se tornavam poeira antes de tocar o chão. Do outro lado da parede destroçada, um outro cômodo. Um quarto comum, guarda-roupas, cortinas rosas. Uma menina de cabelos dourados dormia profundamente em uma cama no canto do aposento cercada por bichinhos de pelúcia. O garoto sentiu uma presença atrás de si. Uma respiração em seu pescoço.

A voz desta vez soou mais clara que nunca.

Mate

 

Mate

 

Pinte seu rosto com o sangue dela

 

 

O medo deu lugar ao pânico. A escuridão o engolia novamente. Seus joelhos fraquejaram. Sua mente entrou em colapso. Sua alma foi fragmentada e seus pedaços arderam em chamas.

O punhal fulgiu como um raio. O som do trovão silenciou a voz.

O garoto berrou. Sua voz não parecia vir de dentro do corpo, mas sim dos céus.

Não

 

Não

 

Não

 

Não

 

Todo o lugar arrebentou em chamas prateadas. Desta vez mais quente que qualquer outra chama já vista. As paredes desapareceram. Tudo se tornou pó. Não existia mais coisa alguma ali além da luz.

***

Um portão com três vezes o tamanho do menino surgiu. Fechado. Enfeites prateados e arabescos do ouro puro adornavam a fechadura. O punhal em suas mãos, com a lâmina levemente derretida, fulgiu novamente. Chamas frias. Se transformou em uma grande chave dourada.

O garoto a pôs na fechadura e girou. Deu três passos adiante.

 As lembranças fugiram de seu corpo na forma de fios de prata.

Do outro lado, uma rua vazia. Casas arruinadas, calçadas destroçadas e árvores sem folhas. Sem nenhuma memória de como chegou ali, o garoto vagou pelas calçadas. Algo naquele lugar transmitia puro terror.

As vozes diziam para continuar a andar.


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