Um Buquê de Flores para Tenma escrita por Flor do luar


Capítulo 2
Margaridas da Amizade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726912/chapter/2

— Tenma...

Ouviu uma voz suave ao longe, parecia estar bem distante e o seu corpo tremia levemente. Encolheu-se dentro de um casulo improvisado com suas cobertas enquanto gemia em seu sono.

— Tenma. Hora de acordar.

Era a mesma voz, só que agora mais próxima, sentiu algo macio na sua bochecha. A claridade aos poucos foi tomando forma e o que podia ver era o papel de parede do seu quarto. Não aguentou muito tempo, seus olhos se fecharam quase que automaticamente e mergulhou na escuridão novamente.

— É sério. Já está na hora de acordar, eu deixei você dormir por tempo demais, sabe?

Arregalou os olhos em um rompante quando ouviu essa última declaração. Olhou para o lado para ver seu amigo de cabelos rosa já com o uniforme da Raimon com as mãos na cintura e o olhando preocupado. Quantas horas agora? Realmente dormiu tanto assim.

Virou seu olhar para o relógio digital e seu coração quase saiu pela boca ao ver que já eram oito horas da manhã. Não iria conseguir chegar a tempo para o treino da manhã do time de futebol e quis se bater por causa disso, nunca havia perdido nenhum treino.

— Por que não me acordou antes?! — Indagou o menino irritado enquanto fechava a mão em um punho e socava o colchão, a sorte é que era uma superfície macia.

— Eu tentei te acordar! — Rebateu Kirino em um tom um pouco ofendido. — Mas você não acordava, a Aki-san disse que não era normal isso acontecer e que poderia estar doente, por isso acabei ficando preocupado.

Tenma suspirou fundo e se encostou novamente na cabeceira da cama, não estava com a mínima vontade de ir à aula aquele dia e o seu sono curto não ajudava muito, mas não podia passar a impressão de que tinha alguma coisa errada, se manter pensamentos positivos, o dia vai acabar rápido.

— Não estou doente, apenas acabei exagerando e passei da hora de dormir ontem a noite. — Explicou coçando a nuca levemente.

— Tudo bem, isso é normal. — Atalhou Kirino tranquilamente lançando ao menino mais novo um sorriso confortador, sem fazer muitas perguntas. — Se arrume para que possamos sair depressa. — Pediu quando ajeitou a sua bolsa no seu ombro e saiu do quarto para dar privacidade ao companheiro.

O garoto pulou da cama e correu até seu armário para pegar o primeiro uniforme que passou na sua frente e se arrumar tão rápido quanto driblava seus adversários. Muita coisa aconteceu ontem, o que será que estaria de diferente hoje na escola? Para os demais alunos quase nada, mas Tenma acumulava cada vez mais segredos, lembrava-se do problema que Kirino estava passando e também tinha seus próprios problemas, mas é claro. Passou a mão nos cabelos. Aquele ia ser um dia longo.

Mas tudo ia ficar bem de alguma forma, certo? Certo?

Quando terminou, não teve tempo de comer o delicioso café da manhã da Aki, já era oito e vinte, sendo que os portões se fecham oito e meia. Sua bicicleta estava guardada no fundo do quintal, não a usava muito pois preferia andar, mas como estava muito atrasado, só ir de bicicleta salvaria o dia, então a desempoeirou e começou a pedalar. Kirino estava atrás, sentado na garupa e segurando-se nos bancos com seus cabelos rosados esvoaçando ao vento, era uma cena bem engraçada, porque Tenma parecia esforçar-se para manter um peso extra, manter o equilíbrio dos dois e ainda ser rápido para chegar a tempo.

Aproximando-se dos portões da Raimon, Tenma percebeu que estavam se fechando e isso exigia medidas drásticas, inclinou seu corpo pra frente e começou a pedalar mais que suas pernas conseguiam aguentar, tomando impulso na bicicleta. Ouviu uma exclamação atrás de si e duas mãos agarraram sua cintura fortemente, mas ele não tinha tempo para olhar.

Conseguiu entrar a tempo, porém não calculou bem o momento de freio e acabou o fazendo bruscamente, o pneu derrapou fazendo um som agudo quando atritou com o chão de asfalto e Kirino acabou sendo lançando para frente, chocando-se com Tenma que acabou por cair devido ao peso em suas costas, a bicicleta fechou com chave de ouro quando caiu em cima dos dois.

— Senpai! Eu sinto muito! Sou tão idiota! — Acudiu o menino rapidamente, segurando na mão de seu veterano e o puxando para se levantar. Seu corpo doía por conta da pancada, mas não parecia ser nada com que se preocupar.

— Não se preocupe com isso, haha! Foi tão divertido. — O defensor ria muito mesmo o rosto dele apresentar alguns arranhões de asfalto. — Emocionante.

Tenma ajudou a tirar um pouco de sujeira no uniforme do seu colega de time antes de catar a bicicleta do chão e levá-la até o estacionamento.

— Tenma, quanto ao seu quarto. Não acho que precise me bancar... — Comentou Kirino um pouco receoso, rapidamente Tenma segurou seu ombro firmemente, seus azuis encontraram com as esferas verdes do defensor.

— Nada disso, não vou te deixar sozinho na rua nesse estado. É bom que esteja aqui quando acabar as aulas para irmos pra casa juntos. — Determinou com um tom firme, mas ao mesmo tempo amigável para no final abrir um lindo sorriso como sempre fazia.

— Obrigado, Tenma, de verdade. — Novamente o menino teve aquela impressão que seu veterano ia chorar, embora não houvesse sinal de lágrimas em seus olhos.

Cumprimentaram-se com um breve aceno antes que cada um fosse para o seu lado. Tenma foi correndo para a sua classe e por um milagre conseguiu chegar lá antes do professor. Aoi e Shinsuke sequer olharam para a sua cara, mas quem poderia culpá-los? Depois do que aconteceu ontem não esperava ser recebido com um sorriso, apenas queria que eles o compreendesse. Eram seus melhores amigos, afinal.

A aula estava simplesmente deprimente, somado ao clima pesado que apenas ele podia sentir não ajudava muito. Passou a maior parte do tempo olhando pela janela as nuvens pesadas se formarem no céu enquanto escutava algumas coisas pontuais do professor sobre o Iluminismo. Queria ir lá para fora e brincar na chuva.

Lembrava-se vagamente de como adorava pular nas poças de água quando chovia, sem se importar se suas botas ficariam cheias de lamas, os pingos gelados caindo na sua face, sentir seus cabelos se arrepiarem o traziam uma sensação de felicidade imensa, era tudo mais fácil naquela época, não precisava se preocupar com nada. Os problemas pareciam pequenos demais, sequer sabia de onde vinham os bebês.

Suspirou com a vibração do celular em seu bolso o despertando de seus devaneios. Verificou se o seu professor estava olhando quando o viu totalmente absorto em um texto que lia para os alunos e pegou seu celular para ler a mensagem.

Encontre-me no mesmo lugar de sempre

Estarei te esperando atrás da árvore

—K

Suspirou profundamente e nem se deu ao trabalho de responder a mensagem, sua voz e nada era a mesma coisa naquele momento. Por que ainda se submetia a aquele tipo de tratamento? O que fez para merecer aquilo? Talvez isso apenas seja reflexo da sua própria idiotice.

Se antes não conseguia se concentrar na aula, agora muito menos, com o tanto de coisa que rodava na sua cabeça. As aulas da manhã foram cansativas e enjoadas. Era apenas matérias chatas de leitura que pareciam nunca acabar. Lá fora começava a chover, o que deixava a iluminação da sala de aula mais escura e o fazia querer dormir.

Quando o sinal da última aula tocou, Tenma reuniu seus materiais rapidamente e saiu da sala antes de qualquer outro aluno, correndo pelos corredores. Olhou ao redor para ver se alguém vinha atrás, mas os demais alunos andavam em direção à cantina para o almoço, não havia perigo, pois naquele horário o local estaria vazio.

Andando para uma árvore bastante conhecida atrás da escola lá estava ele parado de pé. O vento parecia brincar com seus cabelos azuis espetados de maneira poética e aquele seu olhar típico desinteressado olhando para o horizonte. Tenma sentiu aquela sensação familiar quando seu coração começou a disparar e suas pernas amoleceram a ponto de quase desabarem.

— Kyousuke... — Chamou timidamente enquanto se aproximava do outro. Ao ouvir seu nome, Tsurugi desviou seu olhar para o menor e sorriu.

Aquele sorriso era o apogeu de tudo que havia de bom nesse mundo na concepção de Tenma. Não tinha como ele ficar bravo com Kyousuke por muito tempo depois de ver aquele sorriso, desestabilizava qualquer sentimento negativo que Tenma carregava. Abriu o seu maior sorriso quando correu em direção ao companheiro e se jogou em seus braços.

Sentiu os dedos finos tocarem seu rosto com muita delicadeza quando afastou algumas mechas de cabelo do seu rosto para atrás da orelha e fechou os olhos quando sentiu a fragrância de Kyousuke cada vez mais forte. Tenma adorava seu cheiro de ervas, adorava sentir os fios sedosos entre os dedos, o toque dos narizes. Quando as bocas de conectaram era como um encaixe perfeito, o garoto não se importava nenhum pouco com as mãos mais ousadas do amante apertando sua cintura com certa malícia, descendo algumas vezes e subindo por baixo da sua camisa e tocando sua pele diretamente. Muito pelo contrário, apenas ele tinha acesso a esse lado mais selvagem de Kyousuke e aquilo atiçava muito Tenma.

Separaram-se e Tsurugi mantinha seus braços firmes ao redor da cintura do menor, enquanto o outro se apoiava nele através dos ombros. Ambos estavam ofegantes, os peitos subiam e desciam em um ritmo lento. Tenma fixava seu olhar nos de Kyousuke buscando uma forma de desvendar o que estava por trás daquelas esferas amarelas, intensas, como um dragão.

— Quer almoçar comigo? — Convidou o rapaz maior esfregando levemente seus lábios e nariz na bochecha do outro, fazendo-o soltar um leve suspiro seguido com uma risada meiga.

— Claro. — Respondeu com o maior entusiasmo.

Foi bem difícil deixar as mãos de Kyousuke soltarem sua cintura, mas era necessário. Não queria ficar ali para sempre com a iminência de ter pego por algum professor ou aluno, ainda porque é proibido namorar na escola. Isso não parecia preocupar muito o estudante de cabelos azuis, ele parecia completamente alheio as regras escolares. Tenma já o convenceu a usar uniforme após inúmeras suspensões que levara por isso, mas Kyousuke era muito rebelde, não seguia regra nenhuma. Talvez isso fosse uma das coisas que mais atraia o meio-campista.

Compraram um sanduíche em uma das lojas perto da escola e foram para uma praça onde poderiam comer e ficar em paz. Tsurugi mantinha um de seus braços ao redor dos ombros de Tenma e os corpos não desgrudavam nem por um minuto. Tenma apreciava momentos assim, que eram tão raros de acontecer, os momentos de tensão sendo deixados de lado ao menos um pouco.

— Aoi e Shinsuke não estão falando comigo. — Confessou o meio-campista com um tom um pouco triste.

— Deixa aqueles dois. Eles não prestam. — Grunhiu Tsurugi rudemente quando puxou seu amante mais para si e apertou seus lábios na testa do rapaz. O jovem se aconchegou no contato e aproveitou para deitar no peito do companheiro.

— Não fala assim deles, são meus amigos.

— Se fossem amigos realmente não teriam feito o que fizeram. — Rebateu o adolescente maior com uma seriedade mórbida. Tenma se encolheu com o rumo que a conversa estava tomando, não iria tardar e uma nova briga começaria, sabia que aquele clima ameno tinha prazo de validade.

Ao invés de adiantar uma nova discussão, simplesmente mudou de assunto perguntando como estava seu irmão. Kyousuke sempre se acalmava quando falava sobre Yuuichi. E assim passaram o resto do almoço se divertindo e namorando.

Voltaram para a escola a tempo da próxima atividade. A sorte é que agora era educação física, então não precisava ficar sentado em uma sala de aula chata esperando o tempo passar, poderia se movimentar. As meninas começaram correndo primeiro, enquanto os meninos ficavam sentados esperando sua vez. Se sentia mais sozinho do que nunca quando percebeu que todos estavam conversando com alguém, exceto ele.

Deu uma olhada na quadra superior onde o terceiro ano também fazia ginástica e seus olhos voltaram-se para Kirino. Seu veterano parecia rir de alguma coisa que Shindou dizia e os dois pareciam estar em uma conversa descontraída. Mesmo que parecesse tudo estar normal, Tenma ainda sentia uma aura pesada ao redor do garoto de cabelos rosa, não conversava muito, apenas ouvia e ria, seus olhos estavam um pouco pesados. Talvez tenha notado isso pelo fato de saber do segredo dele.

Pensou seriamente se faltaria ao treino de futebol. Era como se todas aquelas pessoas fossem completamente diferentes do time da Raimon Eleven que conheceu ano passado. Como iria se concentrar com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo? Balançou a cabeça. Já havia perdido o treino da manhã por imprudência, não queria correr o risco de passar uma imagem de capitão preguiçoso.

Felizmente ocorreu tudo o contrário do que pensava. O treino não foi tão ruim assim, de fato o futebol distraia sua mente dos problemas e não se sentia tão sozinho, pois estava conversando alegremente com Kariya e Kageyama. Era como se os problemas não penetrassem o grosso telhado de aço da quadra interna.

— Aconteceu algo entre você e o Shinsuke? Ele sequer está tocando a bola pra você. — Observou Kageyama atentamente. Tenma abaixou a cabeça e suspirou profundamente. Não fazia sentido mentir, não queria perder mais amigos, mas também não estava com vontade de espalhar aquela história.

— Aconteceu sim, só umas coisas chatas. — Respondeu prontamente e Kageyama soltou um leve “oh”, compreendendo a privacidade do amigo.

— Sabe, Kariya e eu vamos à sorveteria depois do treino. Venha com a gente. — Kariya sufocou um engasgo de surpresa, mas não comentou nada, com medo de piorar o estado de tristeza do amigo. — Sorvete é bom para afogar as mágoas. — Completou com uma voz suave e tranquilizadora.

Tenma abriu um sorriso com o gesto dos amigos, sentindo seu coração descarregar um pouco de todo o peso que carregava, não se sentia tão sozinho agora com aquele convide. Porém, antes de aceitar, se atentou ao fato que pediu para Kirino ir embora com ele.

— Kirino-senpai também pode vir? — Perguntou cautelosamente.

Os dois meninos se encararam por alguns instantes com um olhar de surpresa. Não se admirava, não era tão próximo assim de Kirino, aquilo deve ter soado estranho.

— C-Claro. — Respondeu o garoto de cabelos roxos rapidamente.

Combinaram de se encontrar no portal principal após o treino e foi isso que o Tenma fez após se trocar no vestiário foi até o armário onde ficava seus sapatos de couro. Encostou a testa no metal frio e ficou lá por um tempo, aquela incontrolável vontade de chorar o dia inteiro parecia chegar ao seu ápice agora, mas quando o abriu teve uma surpresa. Lá dentro havia duas margaridas ainda bem vivas com seus miolos cheios de pólen e um papel de cartão cor-de-rosa.

Essas flores só são regadas com o sorriso do mais doce adolescente dessa cidade. Cuidado para elas não crescerem demais.

Tenma ficou respirando pesadamente sentindo as lágrimas escorrerem pelo seu rosto quando um trêmulo sorriso surgia em seus lábios e ia tomando forma. Não sabia quem era aquela pessoa que lhe mandava flores, mas ela o conhecia muito bem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Buquê de Flores para Tenma" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.