Cacorrafiobia - E se eu falhar? escrita por Anne Lefroy


Capítulo 1
Não vou fracassar!


Notas iniciais do capítulo

Então, desfio interessante para se começar.
A cacorrafiobia é o medo de falhar. Espero que gostem.



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Mais um ano havia se passado.
Jenny acordou naquela manhã como se não tivesse dormido nada na noite passada. Sentia-se cansada e...
O telefone tocou. Jenny deixou tocar até cair na secretária eletrônica.

— Jenny! Oi – disse a voz estridente e animada de Harry, chefe de Jenny. Ele tinha aquela felicidade sempre que ela não conseguia compreender. Afinal, quem é feliz de amanhã? Enquanto o homem falava, perguntando como estava e coisas do tipo, Jenny levantou-se apressada e foi até o banheiro.

— Olha Jenny sei que você pediu mais tempo, mas estou precisando daquela tradução! Jenny arqueou a frente da pia.

— Você sabe não é? O cliente é exigente e dei essa chance a você, de novo. É um grande trabalho, não me deixe na mão. ‘Grande trabalho?’

— De qualquer forma, me ligue quando ouvir esse recado. Vou esperar. Mande até o final do dia, tudo bem?
Jenny vomitou na pia, suspirou e lembrou o porquê de estar naquele emprego mediano.

Sempre fora uma jovem promissora. Seus talentos eram elogiados por todos, mas sempre duvidou , teve medo de que estivessem errados, quer dizer, e se falhasse no final de contas? No entanto, continuamente teve a força dele, uma inspiração era o que era. Certeza em meio a duvidas. E quando a deixou foi como se sua força
fosse tirada de si, Jenny tinha dezesseis anos e era tão, tão jovem. Naquele ano sua vida mudou e o medo aumentou.

Aos dezesseis anos Jenny perdeu o pai, aos dezessete não entrou na faculdade. Sequer estudou, teve medo de descobrir que seu potencial máximo
era menor do que ele dizia. Ah, seu pai, sentia falta dele. O que diria se soubesse que parou de tentar, que arrumou um emprego mediano porque não sabia se conseguiria
chegar ao que desejava, se realizaria seu sonho, mas e se falhasse? Não, era melhor ter a estabilidade de um emprego mediano a incerteza de uma carreira, talvez, promissora.

Em meio a seus devaneios tinha tomado banho e agora enrolada à toalha procurava uma peça qualquer no guarda roupas. E então que o celular tocou dessa vez. Jenny não queria atender, queria paz, queira...

— Jennifer. – disse a voz rouca e por um momento ela paralisou, não queria ouvir. - estou te ligando direto, poxa, me atende!

Não! Pensou cansada pegando o moletom quentinho e aconchegante para vestir. Era bonito demais e se ela fosse mais uma aventura do cara bonito de uma noite qualquer? Não, definitivamente não atenderia.

Na cozinha colocou o leite no fogo e mordiscou um pedaço de pão, ainda sentia náusea, mas devia ser por fome mesmo. Sentou à mesa de frente para o fogão, voltaria a pensar novamente, se não fosse o celular tocar
novamente. Deixou tocar. Mas foi na terceira insistente chamada que atendeu, não pararia se não fizesse.

— Tia Mary - Atendeu com a voz arrastada.

— Jenny, querida. – A velha disse sibilante. – Você virá hoje no aniversário da Kate, não é? Faz um tempo que você não aparece! Deve vir, sei que virá! Você deve estar próxima da sua família. Nunca vi menina mais
desinteressada.

— Tia Mary... – Levantou-se e colocou o leite no copo.
— Não, você virá. Essa garota, não seja tão arrogante, você precisa de nós também.

— Eu não vou, tia Mary. Tenho trabalho a fazer. Sinto muito. – Respondeu áspera, não podia correr o risco de ir e todos ficarem perguntando sobre sua vida. Não, não podia, e se a julgassem por ter seus 23 anos e estar tão
perdida, por ter uma vida medíocre, ao contrário dos outros primos?

 

— Não acredito – Mas antes que viesse o sermão, Jenny desligou. Bebeu o leite quente e seu estômago reclamou, no entanto ela continuou
bebendo.

Faria mais um ano da morte de seu pai no sábado, hoje era terça, ou seria quinta? Também não importava. Jenny pensava no quanto o havia desapontado, sete anos e não tinha ido ao túmulo nenhuma vez. As pessoas
julgavam esse comportamento, e ela julgava-se por falhar em ser o que ele tinha acreditado que ela seria, tinha medo, tanto medo de encarar seu túmulo. Sabia de seus fracassos, de suas falhas e odiava isso.

Naquela manhã, Jenny não traduziu nenhum documento, não fez nada a não ser perde-se em sua serie favorita no computador. É tão incrível
conseguir alcançar seus sonhos. Ficou mais atenta ao ver uma cena. A personagem principal, Anne,
chorava abraçada ao corpo da madrasta, único exemplo de família que tinha conseguido e estava morta. Jenny pensou que a mulher se salvaria a qualquer momento, era uma das principais. E agora Anne não tinha dito que a amava
durante, tanto, tanto tempo.

Amor? Qual foi a ultima vez que tinha dito que amava seu pai? Certamente, pouco antes de seu ultimo suspiro. Ainda assim, Jenny sobressaiu-se ao ver que tinha sido tão negligente. Limpou as lágrimas decidida. Procurou um calçado e passou os dedos nos cabelos. Não iria
melhorar muita coisa, ainda assim, tentou.

O cemitério era um lugar pacato, silencioso, sombrio e nostálgico. Jenny não tinha um buque de flores na mão, tinha apenas uma rosa. Tinha falhado até mesmo nisso. Droga! Caminhou pelo mausoléu sentido arrepios, o lugar a cada passo era mais cinza, mais morto. Era grande, não mais enorme como lembrava, apenas grande.

O túmulo estava bem cuidado, sua mãe devia mantê-lo. Tinha flores com um pouco de vida, sinal de que deveriam ter ido até ali a pouco, ao menos alguém ia, tinha fracassado em cuidar disso também. A foto seria o fazia
parecer solene. Depositou a rosa branca.

 

— Oi papai. – Disse baixinho. – Faz um tempo, não? Pergunto-me como está se saindo ai no céu. Bem! Tenho certeza. Você vê como estou me saindo?

 

E ali derramou todas as suas dúvidas e anseios, e por um momento pareceu que ele estava vivo e lhe dava forças novamente.

— Sinto tanta falta sua. Não queria falhar tanto, ser tão imperfeita. Não sou aquela psicóloga que eu queria ser e que você disse que eu seria. Também não consegui aquele emprego e desaponto as pessoas constantemente. O que acha disso? – O vento respondeu com um assobio e
Jenny suspirou com as lágrimas pesando seu coração.

Saiu do cemitério com um pouco menos de culpa, um pouco mais leve. E na farmácia à frente do ponto de ônibus, comprou o teste. Céus, o que havia feito de sua vida? No medo de falhar, tinha peregrinado por caminhos insanos. Sem nenhum risco, não havia vivido, havia existido. E agora olhando para os dois risquinhos no palito, viu o resultado positivo. O resultado de que ela jamais poderia esperar. De tanto evitar viver, uma vida se formava dentro dela.

Desesperou-se, chorou, falhou em não falhar. O que pensariam dela, agora? E no sábado depois de tanto chorar e dormir. Acordou de um sonho com seu pai. Radiante e forte, exatamente como ela se lembrava que ele era. Viu
apenas uma luz, era surreal que não conseguia ver o rosto, não lembrava mais como ele se parecia?

Levantou-se correndo. Desesperada pegou uma cadeira para alcançar o topo do guarda roupa onde havia uma caixa com um álbum. Sentou na cama e folheou as paginas de nylon, e o viu sorridente abraçado a ela quando era pequenina, chorou e abraçou a foto.

— Oh, papai! Quase falhei novamente. – Tinha decidido tirar o bebê na noite passada. No entanto, naquele momento, ao ver seu pai no sonho e na foto, pensou em quanto ele irradiava vida. Afinal, ela queria vida? Tinha uma
crescendo dentro de si.


E, Jenny não falharia sendo mãe. Não falharia em amar, ao menos. Mesmo não entrando na faculdade que queria, por medo de falhar. Mesmo não tendo o emprego que sempre quis ter, por medo de não conseguir. Mesmo não ficando com aquele cara lindo, por medo dele não ser o perfeito
para passar eternamente em sua vida.

Jenny se arriscaria a tentar, a ter seu bebê, falharia se fosse preciso.
Jenny melhoraria de sua fobia. O primeiro passo fora dado. E tentar, ao menos uma vez, e conseguir pode ser viciante.
Ainda assim, a pergunta em sua mente a importunava: e se eu falhar?


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Notas finais do capítulo

A cacorrafiobia não tem cura e longe de mim retrata-la fielmente. É apreensivo escrever sobre uma fobia, sei das dificuldades de quem tem passa e eu não poderia imaginar o horror. No entanto eu queria que quem tivesse esse medo pensasse que errar não é o fim. Somos todos humanos, erramos, seguramos o fôlego quando sentimos medo, forçamos uma risada quando queremos desabar.

Essa sociedade que não tolera erros e procura a perfeição, principalmente de nós mulheres que deixa as pessoas com ansiedade e depressão. Que se preocupa tanto em criticar. Seria tão bom se não fôssemos tão críticos com os outros a humanidade evoluiria tão melhor! Todos erramos no final das contas, porque errar é da nossa natureza não se importe tanto!

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